Acórdão nº 3510/06.2TVLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Doutrina: - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.3.2004, in www.dgsi.pt – JSTJO- de 3.6.1997, in CJSTJ, II, 113, e de 27.9.1994, in CJSTJ, III, 66. - António Pinto Monteiro, “Contratos de Distribuição Comercial”, Coimbra, 2001; Menezes Cordeiro, “Manual de Direito Comercial”, vol. I.; Antunes Varela “Das Obrigações em Geral”, 2.°-246; Brandão Proença, “A Resolução do Contrato no Direito Civil”, ed. 1982-38; Paulo Mota Pinto, “Declaração Tácita”, 1995, 208; Rui Pinto Duarte, “Tipicidade e Atipicidade dos Contratos”, Vaz Serra, RLJ 103-239; Pires de Lima e Antunes Varela “Código Civil Anotado” vol. II, pág. 813; Galvão Telles, “Direito das Obrigações” – 6ª edição. Legislação Nacional: DL.178/86, DE 3.7, ARTS. 762°, 1172° C), 236º E 810º DO CÓDIGO CIVIL Legislação Comunitária: DIRECTIVA COMUNITÁRIA 86/653/CEE DO CONSELHO DE 18.12.86.

Sumário : I) - O contrato estabelecido entre a Autora, como manequim, e a Ré, como agente, não pode ser qualificado como contrato de agência, por não dever ser considerado contrato duradouro, tendo em conta a natureza da prestação a seu cargo – a actividade profissional de uma manequim é tão efémera quanto a beleza e a fama, como é da essência do fugaz mundo da moda.

II) - Não se trata de contrato de agência, a ser regulado pelo DL.177/86, de 3.7, mas antes de um contrato inominado de prestação de serviços modelado por usos sociais atendíveis, pese embora, em sentido não rigoroso, se possa falar numa actividade de agenciamento por parte da Ré, enquanto gestora da carreira da Autora através de alguém que a acompanhava com essa função, o booker.

III) - Tratando-se de actividade ligada ao mundo da moda, o cariz intuitu personnae do contrato é inquestionável, sendo a relação de confiança um factor essencial, dado que o desempenho profissional da Autora depende acima de tudo dela mesmo e do modo como nas circunstâncias propiciadas pela Ré poderia oferecer a sua prestação. A violação dessa confiança dada a peculiar natureza da relação contratual constitui justa causa de rescisão do contrato.

IV) - Por o contrato ser inominado de prestação de serviços, aplica-se o regime do art. 1170º do Código Civil, por força do seu art.1156º.

  1. - A mera onerosidade do contrato de prestação de serviços ou de mandato, (por àquele se aplicarem as normas deste), não implica, desde logo, a existência de interesse comum.

    VI) - Um dos elementos que conduz à consideração de que não pode falar-se em interesse comum, resulta do facto da Autora prestar a sua colaboração à Ré num contexto precário, como advém do facto do contrato não ter sido estipulado por um prazo que lhe permitisse programar estavelmente a sua actividade; por isso a regra aplicável é a do art. 1170º, nº1, do Código Civil – o contrato de prestação de serviços era livremente revogável.

    VII) - Porque as partes nada convencionaram, nem sobre o prazo do contrato, nem sobre a existência de qualquer pré-aviso ou indemnização em caso de incumprimento pela Autora, o que, provavelmente, é usual no competitivo sector de actuação da Ré, não pode esta invocar a existência de uma compensação a liquidar ulteriormente pela rescisão do contrato, a título de cláusula penal que teria natureza compensatória e indemnizaria todos os danos por imotivada cessação por parte da Autora.

    Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA, intentou, em 7.6.2006, pela Varas Cíveis de Lisboa, 3ª Vara, acção declarativa de condenação a seguir a forma ordinária, contra: “D...-C... e I..., S.A.” Pedindo a condenação desta: - na entrega imediata do material fotográfico da Autora; - no pagamento à Autora da quantia de € 33.086,37 acrescida dos respectivos juros, totalizando os juros vencidos até à data da entrada da petição inicial em juízo € 638,16, mais juros vincendos até integral e efectivo pagamento; - no pagamento à Autora do valor de € 5.000,00 a título de indemnização por danos morais.

    Alegou, em síntese: - ser modelo e manequim profissional há oito anos; - no exercício da sua actividade a Ré angariou, promoveu e encetou os procedimentos necessários à formalização de contratos entre os seus clientes e a Autora; - negociou e acordou com os clientes, os honorários decorrentes da actividade da Autora, fosse por serviços prestados, fosse por direitos de imagem ou nome, orientou e geriu através dos seus bookers, a carreira profissional da Autora e recebeu os honorários devidos pela sua actividade desenvolvida na execução dos contratos angariados; - a Ré recebe contrapartidas directas pelos serviços prestados, quer pelos seus modelos e manequins, quer dos próprios clientes interessados nos serviços daqueles; - concluído o serviço prestado pelos modelos e manequins aos clientes da Ré esta emite uma factura ao seu cliente do qual consta o valor acordado como contrapartida dos serviços prestados pelos modelos e manequins; - a Ré tem ao seu serviço funcionários especializados, os designados “bookers”, os quais orientam profissionalmente os modelos e manequins, fazendo a gestão da respectiva imagem e carreira profissional, e os aconselham a aceitar ou a rejeitar determinadas propostas de trabalho; - os “bookers” são também interlocutores da Ré perante os clientes finais, sendo estes quem, quando contactada a Ré, indicam determinado modelo ou manequim para o trabalho pretendido; - entre outros, a Ré tinha ao seu serviço um “booker” profissional – BB – desde a data da sua constituição; - o relacionamento entre a Ré e a Autora, e entre esta e os clientes da Ré, era assegurado pelo dito “booker” BB, porém, em Setembro de 2005 a Ré contratou um novo “booker” que, tendo conceitos de gestão da imagem dos modelos diferentes daqueles que vinham sendo praticados, procurou de imediato institui-los junto dos modelos e manequins e que ascendeu ao cargo de Director Comercial, ao qual competia o poder decisório de selecção dos trabalhos da Autora; - o “booker” da Autora foi remetido pela Ré para um plano secundário no que diz respeito à gestão de imagem e carreira da Autora, e ao aconselhamento profissional em geral, e em especial, no que concerne a aceitação ou rejeição dos diferentes trabalhos a prestar aos clientes da Ré; - tal situação criou insatisfação na Autora; - em meados de Novembro de 2005, face à instabilidade profissional e emocional decorrente da criação do novo cargo de Director Comercial da Ré, bem como das recentes orientações introduzidas na forma de actuação da Ré, quer junto dos seus clientes finais, quer junto dos próprios modelos, o “booker” da Autora deixou de ser funcionário da Ré; - a partir da saída do “booker” BB, os trabalhos propostos à Autora pela Ré, eram por esta considerados inadequados e inconvenientes às suas aptidões e disponibilidades; - em meados de Dezembro de 2005, a Autora deslocou-se às instalações da Ré procurando levantar o seu material fotográfico o que lhe foi negado tendo-lhe sido dito, igualmente, que já não lhe seriam passados quaisquer cheques, referentes a trabalhos já efectuados, facturados e cujo pagamento os clientes já haviam satisfeito junto da Ré; - apesar do material fotográfico, do “Book”, se encontrar nas instalações da Ré, o mesmo é propriedade da Autora; - a relação de confiança inerente à actividade profissional aqui em causa perdeu-se definitivamente porque, a Autora sentiu que, desde a saída do seu booker Hélio Bernardino, a gestão da sua imagem e carreira, deixou de ser minimamente assegurada pela Ré; - a Autora informou pessoalmente a Ré, em meados de Dezembro de 2005, que era sua intenção terminar o relacionamento profissional que vinham mantendo, interpelando-a, igualmente, para proceder à entrega imediata do seu material fotográfico que se encontrava nas instalações da Ré; - à data da interpelação, o montante devido pela Ré à Autora ascendia a € 33.086,37 (trinta e três mil, oitenta e seis euros e trinta e sete cêntimos euros e catorze cêntimos), conforme “conta-corrente do Modelo entre datas”, emitida pela Ré em 13 de Dezembro de 2005; - tal montante respeita aos serviços prestados pela Autora aos clientes da Ré, deduzidas as verbas devidas, designadamente a contrapartida da Ré e as despesas decorrentes da execução dos contratos e de alguns dos serviços prestados pela mesma; - a imagem pública e profissional da Autora ficou afectada, para além de lhe provocar nervosismo e stress; - o material fotográfico retido pela Autora é imprescindível ao exercício normal da profissão da Autora, e a sua retenção visa obstar a que continue a trabalhar; Danos que reputa em valor não inferior a € 5.000,00.

    A Ré contestou alegando, em síntese: - o não pagamento da quantia peticionada fica a dever-se ao seu incumprimento contratual; - é certo que, por carta datada de 19 de Dezembro, a Autora comunicou à Ré que havia perdido a confiança depositada, bem como a vontade de continuar a trabalhar para a empresa, porém a verdade é que a Autora, conjuntamente com outros modelos, foi aliciada por antigos funcionários da Ré que constituíram uma sociedade concorrente, e sem qualquer razão que o justificasse pôs termo imediato ao contrato que a vinculava a esta sociedade, bem sabendo que com a sua conduta a prejudicava; - o booker é a “cara” da agência perante terceiros e perante os próprios modelos sendo o interlocutor da agência com os seus clientes na angariação de contratos de prestação de serviços, cabendo aos mesmos orçamentar os respectivos custos; - a Ré contratou um novo booker o qual depois de conhecer a realidade da empresa, apresentou à Administração uma proposta de reorganização, que foi acolhida, e de acordo com a qual os Bookers mantinham os seus cargos, como foi o caso de BB, que se manteve na área dos modelos nacionais (Publicidade, fotografia e passerelle); - por carta datada de 10 de Novembro de 2005, o Senhor BB comunicou à Ré a intenção de proceder à denúncia do contrato de trabalho celebrado com esta...

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