Acórdão nº 1996/05.1TTLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE REVISTA Sumário : I - O artigo 441.º do Código do Trabalho de 2003 consigna a possibilidade de desvinculação contratual, imediata, por declaração unilateral do trabalhador, para as situações consideradas anormais e particularmente graves, de infracção aos deveres contratuais, de que são mero exemplo as previstas no n.º 2 deste preceito, todas elas recondutíveis a comportamentos culposos da entidade empregadora, de que se destaca a “violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador”.

II - O dever geral que impende sobre as partes de, na execução dos contratos procederem de boa fé, genericamente estabelecido no artigo 762.º, n.º 2 do Código Civil, assume especial relevância no desenvolvimento de um vínculo que se caracteriza pelo carácter duradouro, por um estreito contacto entre as esferas pessoais das partes e pela existência de subordinação de uma parte à outra, daí a sua expressa consagração no n.º 1 do artigo 119.º do Código do Trabalho.

III - Nas situações de grave infracção aos deveres contratuais, por parte do empregador, deixa de ser exigível ao trabalhador que permaneça ligado à empresa pelo período fixado para o aviso prévio.

IV - A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos, havendo lugar a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, se a mesma se fundar nos factos previstos no n.º 2 do artigo 441.º, indemnização essa a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção.

V - Para que exista justa causa, é necessário que os comportamentos culposos do empregador se revelem de tal modo graves que tornem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, devendo esta ser apreciada pelo Tribunal atendendo ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

VI - Traduz violação das garantias legais e convencionais do trabalhador o comportamento da empregadora que determinou que aquele A deixasse de realizar as funções que vinha desempenhando – com a categoria de primeiro assistente de direcção, numa pensão onde lhe competia dirigir a actividade da recepção, controlar a emissão de facturas, controlar e conferir a caixa, aceitar reservas e tratar do respectivo expediente, tratar de todas as compras, chefiar o pessoal e substituir o director nas suas ausências – atribuindo-lhe outras tarefas que nada tinham a ver com as que sempre exercera.

VII - São as funções exercidas pelo trabalhador que determinam a sua classificação profissional na empresa, pelo que embora o trabalhador se mantivesse nominalmente na categoria que detinha, o conteúdo funcional desta foi esvaziado do seu núcleo essencial, com a consequente modificação da posição daquele na empresa, traduzindo ainda uma desvalorização profissional, dado que deixaria de reportar directamente à gerência, como sempre sucedera, para estar subordinado a uma funcionária à qual foram atribuídas as funções que ele antes desempenhava, o que viola a garantia consignada no artigo 122.º, alínea e) do Código do Trabalho.

VIII - Tal comportamento, acompanhado da retirada do trabalhador do local onde sempre exerceu as suas funções – um gabinete junto da recepção - e a sua colocação, num quarto de dormir adaptado, em piso onde apenas se situavam quartos de dormir – incumprindo uma decisão judicial -, infringe ainda os deveres de respeitar o trabalhador e de lhe proporcionar boas condições de trabalho, quer do ponto de vista físico quer do ponto de vista moral.

IX - Perante este circunstancialismo, estão demonstrados o acentuado grau de ilicitude dos comportamentos da empregadora e a culpa de grau elevado, por esses comportamentos configurarem flagrantes e injustificados desvios ao padrão de comportamento de um empregador normalmente diligente, mostrando-se os mesmos adequados a ferir, de modo irreversível, o suporte psicológico de confiança recíproca entre as partes, não sendo exigível a um trabalhador de comum sensibilidade que permanecesse, por mais tempo, vinculado ao contrato, estando assim verificados os pressupostos da justa causa que legitimam a resolução do contrato.

X - Atento o referido grau de ilicitude e culpa, e o valor da retribuição do trabalhador, não se mostra excessiva a indemnização, fixada em 35 dias de retribuição base, por cada ano de antiguidade.

XI - O valor da indemnização devida pela resolução do contrato de trabalho só se torna líquido com o trânsito em julgado da decisão do tribunal, pelo que os respectivos juros de mora só devem ser contados desde então.

XII - Contudo, tendo a recorrente impugnado, apenas, a condenação em juros relativa ao período anterior à citação, os efeitos do caso julgado impedem a alteração da decisão na parte que compreende os juros contados a partir da citação.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA demandou, mediante acção com processo comum, instaurada em 5 de Maio de 2005 no Tribunal do Trabalho de Lisboa, P... A..., Lda.

, pedindo a condenação desta a pagar-lhe: a) € 41.382,23, a título de indemnização prevista no artigo 443.º do Código do Trabalho; b) € 3.033,84, a título de “contas finais” decorrentes da cessação do contrato de trabalho e ou indemnização pelos prejuízos decorrentes dos reflexos, nessas “contas finais”, da situação de incapacidade temporária para o trabalho, por motivo de doença, causada culposamente pela Ré; c) € 7.500,00, a título de indemnização por danos morais; d) Juros de mora, à taxa legal, actualmente de 4%, desde a data da resolução do contrato de trabalho, quanto às antecedentes alíneas a) e b) e, desde a citação, quanto à antecedente alínea c), sempre até efectivo e integral pagamento, contabilizando-se os juros já vencidos em € 1.776,64.

Para sustentar o pedido, o Autor aduziu os fundamentos que se condensam do seguinte modo: — Em 11 de Maio de 2004, comunicou à Ré, por carta entregue em mão, a resolução com justa causa do contrato de trabalho que, desde 1 de Abril de 1976, vigorava entre as partes; — Tinha, à data da resolução do contrato, a categoria profissional de Primeiro Assistente de Direcção, auferindo o vencimento base mensal de € 981,30, com direito a almoçar nas instalações da empresa e inteiramente à custa dela nos dias em que prestava serviço; — Na sequência de alterações na titularidade do capital social da Ré, em 29 de Novembro de 2002, e na respectiva gerência, um dos novos gerentes, Dr. BB, assumiu funções com a incumbência de reduzir os custos com o pessoal e de substituir os antigos por novos trabalhadores da sua confiança; — As funções desempenhadas pelo Autor, antes das referidas alterações, consistiam em dirigir a actividade da recepção; controlar a emissão de facturas, o envio das facturas dos pagamentos a crédito e, bem assim, a emissão e o envio dos subsequentes recibos; controlar e conferir a caixa, entregando diariamente o respectivo produto ao gerente/director; aceitar reservas e tratar do respectivo expediente; elaborar cartas para os fornecedores/credores e tratar do respectivo expediente; em geral, tratar de todas as compras e reparação de mercadorias com excepção das de grande vulto; coadjuvar a gerência em tudo o que lhe fosse solicitado; chefiar o pessoal, nomeadamente controlando as suas entradas e saídas, tratando da parte administrativa dos contratos, dos vencimentos, etc.; substituir o gerente/director nas suas ausências e impedimentos; — Por inerência das suas funções, estas sempre foram prestadas na zona da recepção, num gabinete envidraçado contíguo à mesma, sempre tendo exercido as mesmas com grande dedicação, profissionalismo e excelentes resultados, sendo conhecida da Ré a sua abnegação, competência e mérito ao longo do tempo; — Apesar de, no dia 2 de Dezembro de 2002, o Dr. BB ter dito ao Autor que tinha excelentes referências acerca da sua competência, que ele tinha sido o obreiro número um no desenvolvimento e crescimento da empresa e que, por tudo isso, lhe pedia a sua especial colaboração, o referido gerente, depois de, em meados daquele mês, lhe ter apresentado CC, dizendo-lhe que a orientasse o melhor possível e a inteirasse acerca do modo de funcionamento da “P... A...”, ainda em Dezembro de 2002, chamou o Autor e disse-lhe que “prescindia” dos seus serviços, ao mesmo tempo que comunicou aos restantes trabalhadores da Ré que a referida CC passava a chefiar a recepção; — O Autor retorquiu que se considerava totalmente apto para o exercício das suas funções e que, por ele, pretendia continuar a trabalhar com empenho e dedicação, mas, como não queria levantar problemas, estava disposto a aceitar a cessação do seu contrato, desde que lhe fossem pagas todas as quantias a que tinha direito, incluindo uma indemnização que tivesse em conta a sua antiguidade, tendo-lhe aquele gerente referido que iria analisar o assunto e que em Janeiro resolveriam.

— Com o decorrer do tempo, sem que o assunto fosse resolvido, foram, paulatinamente, sendo retiradas ao Autor todas as suas funções, as quais passaram a ser desempenhadas, efectivamente, pela referida CC, acabando a Ré por o proibir de permanecer na zona da recepção, não lhe distribuindo quaisquer funções, excepção feita quando era chamado a substituir aquela funcionária, enquanto esta tomava refeições; — Por outro lado, reportados ao início do ano de 2003, foram efectuados aumentos generalizados dos vencimentos, mas o do Autor manteve-se inalterado; — A partir de Setembro de 2003, o gerente da Ré, BB, deixou, ostensivamente, de cumprimentar o Autor enquanto que fazia gala em cumprimentar efusivamente os seus colegas presentes.

— No final do Verão de 2003, após o seu regresso de férias, o Autor...

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