Acórdão nº 09B0659 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: PROVIMENTO PARCIAL Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL, ARTIGOS 334º, 496º, 805º, Nº 3, 2071º, 1098º; CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGOS 659º, 668º, Nº 1, B) E 716º Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DA JUSTIÇA, WWW.DGSI.PT, DE: 12 DE OUTUBRO DE 2006, Nº 06B2520 17 DE OUTUBRO DE 2006,PROC. Nº 06P2775 24 DE OUTUBRO DE 2006, Nº 06A3021 14 DE NOVEMBRO DE 2006, Nº 06A3441 27 DE SETEMBRO DE 2007, PROC. Nº 07B2737 18 DE DEZEMBRO DE 2007, Nº 07B3715 3 DE JULHO DE 2008, Nº 08B2002 30 DE OUTUBRO DE 2008, Nº 07B2978 30 DE OUTUBRO DE 2008, Nº 08B2989 18 DE DEZEMBRO DE 2008, Nº 08B3154 12 DE FEVEREIRO DE 2009, Nº 07B4125 31 DE MARÇO DE 2009, Nº 09A0537 – ASSENTO Nº 13/94, DE 19 DE AGOSTO DE 1994 (COM VALOR DE ACÓRDÃO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA) Sumário : 1. É a quem invoca abuso de direito que incumbe o ónus da prova dos respectivos factos constitutivos.

  1. Sob pena de contradição com as regras da prescrição, não basta a demonstração de terem decorrido quase 20 anos entre o facto lesivo, ou o trânsito em julgado da sentença condenatória, por um lado, e a instauração da execução, ou a citação para contestar a liquidação, por outro, para que se possa considerar abusivo o exercício do direito dos exequentes.

  2. Para ocorrer abuso de direito é imperioso que o modo concreto do seu exercício, objectivamente considerado, se apresente ostensivamente contrário “à boa fé, (a)os bons costumes ou (a)o fim social ou económico” do direito em causa (artigo 334º do Código Civil).

  3. Não tendo sido alterados, entre a data dos factos e a do pedido de liquidação, os critérios legais de cálculo da indemnização, é ajustado considerar relevante a data da sentença de liquidação.

  4. Consequentemente, é a partir da sentença que são contados os juros de mora.

  5. Não é exorbitante fixar em € 40.000 a indemnização pelo dano morte, montante liquidado pelos exequentes, em € 15.000 a compensação pelos danos sofridos anteriormente à morte e em € 20.000, € 15.00 e €10.000, consoante a situação concreta, a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo marido e pelos filhos da vítima.

    Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, BB, CC, DD e EE deduziram oposição à execução, com prévia liquidação, contra eles instaurada em 28 de Fevereiro de 2005 por FF, GG, HH e II, com base em sentença, no que agora releva, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, e transitada em julgado em 24 de Julho de 1985.

    Como fundamento, invocaram a inexequibilidade do título, por iliquidez da obrigação exequenda e prescrição; invocaram abuso de direito e contestaram a liquidação apresentada, no montante de € 180.000 (cfr. requerimento executivo, fls. 14 dos autos de execução), assim discriminado: – € 40.000 pela perda do direito à vida de JJ; – € 20.000 pelos sofrimentos de que padeceu; – € 25.000 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo exequente FF, seu marido, em consequência da morte de JJ; – € 15.000, para cada, pelos danos não patrimoniais sofridos pelos exequentes GG e II, seus filhos, em consequência da morte da mãe; – € 20.000 por danos não patrimoniais sofridos pelo filho HH, também exequente, em consequência da morte da mãe; – € 20.000 por danos não patrimoniais próprios de FF, também ofendido pessoalmente; – € 30.000 por danos patrimoniais sofridos por FF, resultantes da perda da contribuição de JJ para a economia familiar.

    Os exequentes responderam.

    Por sentença de fls. 256, foi julgada “parcialmente improcedente” a oposição. A obrigação exequenda foi liquidada em € 122.500 (€ 30.000 por danos patrimoniais, correspondentes à contribuição que a vítima JJ deixou de poder prestar “para os rendimentos do casal que integrava”, € 40.000 pela perda do seu direito à vida, € 7.500 pelos danos sofridos antes de falecer, € 20.000 por danos não patrimoniais pessoalmente sofridos pelo marido, € 10.000 por danos não patrimoniais sofridos por cada um dos seus filhos GG e II e € 15.000 pelos sofridos pelo filho HH, num total de € 132.500 e não de € 122.500), montante ao qual acrescem juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa foi alterado para € 15.000 o quantitativo da indemnização correspondente ao dano não patrimonial sofrido pela falecida JJ. Quanto ao mais, a sentença foi confirmada.

  6. Vêm agora os exequentes recorrer para o Supremo Tribunal da Justiça. O recurso foi admitido como revista, com efeito meramente devolutivo.

    Nas alegações que apresentaram, formularam as seguintes conclusões: “I. Os factos relevantes que determinaram a actual lide e a presente revista ocorreram em Janeiro de 1982; II. O falecido marido, pai e sogro dos Recorrentes foi julgado e condenado por factos ocorridos em Janeiro de 1982.

    1. A sentença que transitou em julgado em 24 de Julho de 1985 condenou o então Réu a pagar uma indemnização a favor do FF, ora Recorrido, no quantitativo que viesse ser apurado em liquidação de sentença.

    2. Foi igualmente condenado a indemnizar quem se mostrasse com direito a tal, no que tange ao crime que vitimou JJ, mulher e mãe dos Recorridos, e no quantitativo que viesse a ser liquidado em execução de sentença.

    3. O CC faleceu em 16 de Janeiro de 1995 e os executados e ora Recorrentes foram citados em Maio de 2005 na presente lide visando a liquidação em execução de sentença da indemnização.

    4. Os Recorrentes não relacionaram qualquer passivo na relação de bens apresentada nas Finanças por óbito de CC relacionado com o processo crime, nem consta qualquer passivo de idêntica natureza na partilha que efectuaram.

    5. Os Recorrentes estavam convictos que o seu falecido marido, pai e sogro nada devia aos Exequentes.

    6. Durante quase 20 anos contados desde a prolação da sentença condenatória, nunca os Exequentes e ora Recorridos reclamaram fosse o que fosse por referência ao processo crime.

    7. Não obstante, todos os intervenientes, Recorrentes e Recorridos, residiram e residem em Alcochete, meio pequeno, onde ao longo dos anos tiveram múltiplas oportunidades de contacto uns com os outros; X. A data dos factos danosos, excepção feita a um dos filhos, todos os recorridos eram maiores de idade e, como tal, judicialmente capazes. Tiveram conhecimento da sentença, nomeadamente o recorrido GG, por ter sido interveniente no processo, e da liquidação que deveria ser accionada para obter a indemnização devida. Porém, nunca o fizeram.

    8. O FF interveio em processo judicial, de natureza civil, que pendia à data e continuou depois disso, onde intervieram os Recorrentes e antes deles o CC; XII. Objectivamente e em concreto, a reclamação da indemnização peticionada, neste circunstancialismo, não é conforme aos limites impostos pela boa fé, nem ao fim social do direito exercido.

    9. Ocorre, nos autos, o que o Professor Menezes Cordeiro designa de suppressio.

    10. Ainda que legítimo o direito a ser indemnizado, a obrigação de pagar transmitiu-se na herança a quem nenhuma responsabilidade teve na sua génese.

    11. Os Recorridos litigam com manifesto abuso de direito, o que deve implicar a improcedência total do pedido.

    12. Mesmo que os Recorrentes conhecessem a obrigação de indemnizar — o que não sabiam — porque a obrigação não era líquida, não tinham condição de a extinguir pelo pagamento ou pela consignação em depósito.

    13. O exercício deste direito dos Recorridos excede concretamente os limites da boa fé; XVIII. O abuso de direito é objectivamente considerado. Ac. do STJ de 28.06.2007, proc. 07B1964 XIX. O tempo decorrido e o comportamento dos Recorrentes, nomeadamente no pagamento ao recorrido FF, em 1977, de uma quantia que não lhe era devida — como o próprio reconheceu e consta dos autos –, pela restituição de terras, atestam bem a boa fé que anima os Recorrentes e que não pode ser defraudada.

    14. "Não há abuso de direito, nem "abuso", nem, necessariamente, um direito subjectivo: apenas uma actuação humana estritamente conforme com as normas imediatamente aplicáveis, mas que, tudo visto, se apresenta ilícita por contrariedade ao sistema, na sua globalidade.", Professor Menezes Cordeiro, Litigância de Má fé, Abuso de Direito de acção e Culpa in Agendo, pp. 33, Almedina Sem conceder, XXI. Os montantes indemnizatórios atribuídos, todos exorbitantes, foram fixados por critérios de actualidade e não à luz do direito vigente à prática dos factos danosos.

    15. Por comparação, atente-se nos valores atribuídos por este Supremo Tribunal de Justiça em acórdão de 11.07.2007 XXIII. "O crédito à indemnização surge na data da verificação do dano, e não na altura da sentença ou do encerramento da discussão."Ac. da Relação de Évora de 18 de Março de 2007; Mais: XXIV. Este Supremo Tribunal de Justiça por acórdão de 13.07.2006, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Dr. Simas Santos considerou que ... E na formatação do Juízo de equidade, devem ter-se em conta também as regras de boa prudência, a justa medida das coisas, a criteriosa ponderação das realidades da vida, como se devem ter em atenção as soluções jurisprudenciais para casos semelhantes e nos tempos respectivos.

    16. Incorre, por isso, a decisão em grosseira violação do disposto pelos art°s 551°, 562° e 566° do C.C.

    17. A decisão quanto ao dano patrimonial não vem alicerçada em juízos de facto art°. 659/2 do C.P.C. – o que a torna a nula, art°s 668°/l/b) do C.P.C., o que deveria ter sido declarado.

    18. Não tendo assim acontecido o acórdão recorrido...

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