Acórdão nº 161/05.2TBVLG.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelSEBASTIÃO PÓVOAS
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA REVISTA Sumário : 1. Os factos supervenientes atendíveis terão de ser relevantes – ainda que instrumentais – com aptidão para modificarem ou extinguirem o direito peticionado, quer por via principal, quer reconvencional. O juízo decisor terá de ponderar se o facto que se apresenta importa para a decisão nos precisos termos em que a bosquejou, sendo que, nesse primeiro esboço do silogismo judiciário, a alteração da premissa menor por um facto recém aparecido pode conduzir a uma diferente conclusão. Mas desconsiderá-lo-á se o sentido da decisão se mantiver mau grado aquele surgimento. (tal como para o articulado superveniente – n.º 3 do artigo 506.º do Código de Processo Civil).

  1. Quando é imputada uma violação reiterada constitutiva de um ilícito contratual ou extracontratual, a cessação dessa actividade posterior à propositura da acção não releva em termos de extinguir o direito peticionado, mas, tão só, e eventualmente, para apurar o “quantum” indemnizatório, não se figurando, por isso, uma situação de inutilidade superveniente da lide.

  2. Só ocorre a ausência de fundamentos de direito geradora da nulidade da alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Penal quando essa motivação é total e absoluta e não apenas deficiente, por muito sucinta ou abreviada.

  3. A prova pericial – conceptualizada no artigo 388.º do Código Civil – é realizada por pessoas idóneas conhecedoras de factos que exigem conhecimentos especiais estranhos ao tribunal ou quando os factos relativos a pessoas não devam ser objecto de inspecção judicial. Os peritos farão uma percepção, ou apreciação técnica em áreas onde são especializados.

  4. A força probatória da prova pericial é apreciada livremente pelo Tribunal, não sendo exigido esse tipo de prova para concluir que uma pessoa se mostra ansiosa e nervosa com ruídos e fica impedido de descansar convenientemente durante a noite.

  5. O ruído, afectando a saúde, constitui não só uma violação do direito à integridade física, como do direito ao repouso e à qualidade de vida. Direitos que, no seu cotejo com o de exercício de uma actividade comercial ou industrial se lhe sobrepõem e prevalecem, de acordo com o artigo 335.º do Código Civil.

  6. A emissão de ruídos, desde que perturbadores, incómodos e causadores de má qualidade de vida, e ainda que não excedam os limites legais, autorizam o proprietário do imóvel que os sofre a lançar mão do disposto no artigo 1346.º do Código Civil, que só deve suportar os que não vão para além das consequências de normais relações de vizinhança.

  7. A apreciação da normalidade deve ser casuística, tendo como medida o uso normal do prédio nas circunstâncias de fruição de um cidadão comum e razoavelmente inserido no núcleo social.

  8. Sendo ilícita a emissão de ruídos recai sobre o poluidor sonoro o dever de indemnizar nos termos dos artigos 483.º e 487.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA e sua mulher BB intentaram acção, com processo ordinário, contra “P... Q..., P..., C..., L... C..., Limitada e CC e sua mulher DD, pedindo a sua condenação a encerrarem o estabelecimento “L... C...” enquanto não se conformasse com as exigências legais; desactivassem todo o sistema de fabrico, venda de pão e toda a refrigeração; a indemniza-los, desde o início da laboração – 7/12/2002 – e até ao encerramento, pelos danos não patrimoniais, em quantia a liquidar em fase executiva.

Só a 1.ª Ré contestou excepcionando a sua ilegitimidade, e impugnando os factos, além de, em reconvenção, pedir o reconhecimento da legalidade da sua actividade industrial.

No Círculo Judicial de Gondomar a acção foi julgada parcialmente procedente e a 1.ª Ré condenada a abster-se da prática de actos causadores de ruídos e vibrações e a indemnizar os Autores em quantia ilíquida.

Os últimos Réus foram absolvidos dos pedidos.

A 1.ª Ré apelou para a Relação do Porto que julgou o recurso parcialmente procedente e só condenou a Ré a abster-se de utilizar o sistema de fabrico de pão – incluindo os fornos – de refrigeração e arcas que causem ruídos perturbadores do descanso dos Autores. No mais manteve a sentença apelada.

A Ré pede revista assim concluindo as suas alegações: - As condenações da Recorrente assentam no alegado facto, julgado provado, dela exercer a actividade de fabrico de pão no rés-do-chão do prédio identificado na petição a qual produz ruídos e vibrações na fracção dos Recorridos, situada no mesmo prédio e no piso imediatamente acima daquele rés-do-chão, e, consequentemente, causar incómodos e desassossego às pessoas que habitam esta última fracção.

- Provou-se, contudo, em audiência de discussão e julgamento que a Recorrente, muito antes desta audiência, já tinha desactivado o referido fabrico de pão e até o fabrico de outros bens.

- O modo como os factos foram julgados provados na douta sentença e no douto acórdão recorridos revela que as instâncias julgaram os factos como se aqueles fabricos não tivessem sido desactivados. Ora, a desactivação destes fabricos implicava alterações aos factos julgados provados no despacho saneador – alíneas F, H, I, J da matéria assente –, porque a fonte produtora desses fenómenos tinha sido eliminada.

- Por seu lado, os factos julgados provados em audiência de discussão e julgamento – quesitos 1º a 10º, inclusive, 12.º a 15.º, inclusive, e 21.º, 22.º e 29.º da base instrutória –, também foram julgados como se o fabrico se mantivesse. E no que respeita ao apuramento da existência de ruídos e vibrações, bem como às consequências, anteriores e actuais, psicossomáticas sobre as pessoas residentes na fracção dos Recorridos, essa prova foi feita através de testemunhas.

- Ora, a prova da situação concreta e actual, no que respeita à provocação de ruídos e vibrações no estabelecimento da Recorrente e (eventualmente) propagáveis à fracção dos Recorridos, deveria ser feita em audiência de julgamento, através de prova pericial a oferecer pelos Recorridos ou requisitada pelo Tribunal, pela qual fosse feita a medição dos ruídos e vibrações eventualmente remanescentes, afim de se determinar se esses eventuais ruídos e vibrações estavam ou não dentro dos parâmetros permitidos por lei, pois essa prova não pode ser feita por testemunhas nem por exame directo do Tribunal (por inspecção).

- Por seu lado, a prova dos danos psicossomáticos alegados pelos Recorridos também deveria ser feita por peritos da especialidade, e não apenas por prova testemunhal, porque nem as testemunhas nem o Tribunal têm conhecimentos para apurar a existência e a causa desses eventuais danos.

- Os meios de prova produzidos não são pois idóneos para se determinar com segurança se a actividade da Recorrida violava ou viola normas de protecção de interesses dos Recorridos, nem para determinar se estes sofreram danos psicossomáticos e, caso os tenham sofrido, se foram causados pela actividade da Recorrente.

- Nesta medida, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos art.ºs 342.º, 1, 388.º e 390.º do CC e art.ºs 663.º, 668.º, 1, b) e 712.º, 2 e 3 do CPC, devendo ser anulado com base no disposto nos art.ºs 721.º, 2 e 722.º, 2 do CPC.

- Por outro lado, as doutas decisões recorridas são nulas porque não especificam as normas legais em que se fundam, visto que o disposto nos invocados art.ºs 483.º, 494.º e 496.º do CC, em si, não proíbem a actividade de fabrico de pão que a Recorrente exercia, que é uma actividade legal. A actividade concreta que a Recorrente exercia só podia ser proibida, nesse específico local, se violasse normas “qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios”, “in casu” dos Recorridos (art.º 483.º, 1 do CC).

- Ora as decisões recorridas não indicam tal norma nem modo como ela foi, ou ainda é, violada.

- Desta omissão decorre a nulidade das decisões recorridas, por força do disposto nos art.ºs 668.º, 1, b) e 721.º, 2 do CPC.

- Se assim se não entender, sempre essas decisões deverão ser revogadas por falta de fundamento legal.

Não foram oferecidas contra-alegações.

As instâncias deram por assentes os seguintes factos:

  1. Os AA. são donos da fracção autónoma – estão na sua posse, habitam-no, pernoitam, tomam as suas refeições, recebem os seus amigos e a correspondência – designada pela letra “F”, habitação tipo T2, ao nível do lº andar esquerdo, sita na Rua ..., nº ..., com a área total de 138,28 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo nº ...; fracção que adquiriram a J... & A... I..., Lda., por escritura de compra e venda, em Agosto de 2002; e cuja inscrição de propriedade está feita a seu favor na Conservatória competente pela inscrição G-1 (alínea A, B, C e D da matéria de facto provada).

  2. A R. é cessionária da exploração do estabelecimento vocacionado para a indústria hoteleira sito ao nível do R/C, piso 2, voltado para a R. .... o, com acesso pelo nº ..., destinado a...

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