Acórdão nº 458/08.0GAVGS.C1-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: REJEITADO RECURSO Sumário : I - O art. 437.º do CPP reclama, para fundamento do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, a existência de dois acórdãos, tirados sob a mesma legislação, que assentem em soluções opostas quanto à mesma questão de direito. Perfilada pois uma questão de direito, importa que se enunciem “soluções” para ela, que se venham a revelar opostas.

II - Os dois acórdãos têm que assentar em soluções opostas. A oposição deve ser expressa e não tácita. Isto é, tem que haver uma tomada de posição explícita divergente quanto à mesma questão de direito. Não basta que a oposição se deduza de posições implícitas, que estão para além da decisão final, ou que esta tenha, em cada um dos acórdãos, só por pressuposto, teses diferentes. A oposição deve respeitar à decisão e não aos seus fundamentos (cf.

v. g. Ac. do STJ de 11-10-2001, Proc. n.º 2236/01, desta 5.ª Secção).

III -Importa ainda que se esteja perante a mesma questão de direito: isso só ocorre quando se recorra às mesmas normas, reclamadas para aplicar a uma certa situação fáctica, e elas forem interpretadas de modo diferente. Interessa pois que a situação fáctica se apresente com contornos equivalentes, para o que releva no desencadeamento da aplicação das mesmas normas.

IV -Se as divergências se passam apenas ao nível da interpretação de elementos de prova – v. g., na informação fornecida pelo aparelho medidor do teor de álcool no sangue –, não se verifica oposição relevante de julgados.

Decisão Texto Integral: A – RECURSO O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Coimbra interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, ao abrigo do nº 2 do artº 437º do C.P.P., em síntese, com base no seguinte: 1. No Pº Sumário n.° 458/08.0GAVGS, do Tribunal Judicial da Comarca de V..., AA foi acusado da prática de um crime de Condução de Veículo em Estado de Embriaguez, previsto e punido pelos art.°s 292.° n.° 1 e 69.° n.° 1, ambos do C. P., e submetido a julgamento no dia 26/08/2008. Na verdade, a 24/08/2008, fora fiscalizado por uma patrulha da BT/GNR quando conduzia o veículo automóvel ...-...-..., apresentando uma TAS de 1,97 g/l, a qual foi lida no aparelho marca Drager modelo 7110MKIII P n° série ARRA-0035 aprovado pela DGV em 06/08/1998.

O arguido confessou integralmente os factos, e também não foi nunca questionada, em julgamento, a fidelidade da leitura deste específico aparelho. No entanto, tendo em conta uma abstracta margem de erro admitida para o tipo de aparelho, considerou o Tribunal que o arguido conduzia com uma TAS corrigida de 1,82 g/l e não com a efectivamente lida TAS de 1,97 g/l, pelo que, em consonância com tal entendimento, condenou-o na pena correspondente à taxa corrigida.

O Ministério Público discordou da decisão, que entendeu estar viciada pela indevida correcção operada, (o valor da TAS de 1,82 gr/l foi fixado na matéria de facto, quando a apresentada pelo respectivo aparelho era de 1,97 gr/l), e interpôs recurso para o Tribunal da Relação, o qual, por acórdão de 11/03/2009 ratificou o entendimento da 1.ª instância, no que toca à correcção da referida margem de erro. Esta decisão não admite recurso ordinário e transitou em julgado em 27/03/2009.

  1. No Pº 350/07.5GBPMS.C1 do 2º Juízo da comarca de Porto de Mós, havia-se decido do mesmo modo, deduzindo -se o valor do erro máximo admissível (de 1,28 gr./l para 1,18 gr./l).

    Interposto recurso, o mesmo Tribunal da Relação de Coimbra alterou a decisão da primeira instância, o que teve lugar através do acórdão de 04/06/2008, transitado em julgado em 23/06/2008. Debruçando-se sobre a mesma questão jurídica, ou seja, a de se saber se, de forma automática, deve ou não proceder-se à correcção da TAS indicada pelo mesmo tipo de aparelho "Drager", Modelo 7110 MK111 P, no qual foi lida a TAS de 1,28 gr/l, e tendo igualmente o arguido confessado integralmente os factos, a Relação respondera, dessa vez, negativamente.

    Considerou, na verdade, que se deve atender para efeitos de condenação, sem mais, à leitura fornecida pelo aparelho em questão, porquanto “A margem de erro máxima admissível (EMA) reporta-se e tem por finalidade específica, a Aprovação e as Verificações periódicas subsequentes realizadas pelo IPQ como condição prévia da sua homologação e aprovação - e não casuisticamente, depois de os aparelhos terem sido aprovados e/ou verificados por quem de direito, ser aplicadas (novamente) pelas entidades fiscalizadoras de trânsito o que, além de extravasar as suas competências, redundaria numa duplicação”. E assim, “(...) a taxa a considerar, dando-a como provada, é aquela que foi registada peto aparelho utilizado “.

  2. Por isso é que, defende o Mº Pº, o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu decisões contrárias, no domínio da mesma legislação e decidindo igual questão de direito, em sede de interpretação das mesmas normas jurídicas. Concretamente, a Portaria n.° 1556/2007, de 10/12, que aprovou o novo Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, por referência à Recomendação da Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML R 126).

    Interpretações divergentes, que conduziram a soluções opostas, relativamente à mesma questão jurídica: No caso dos presentes autos (acórdão recorrido) procedeu-se à correcção da TAS de 1,97 g/l para 1,82 g/l, porque se considerou que a taxa de álcool a ter em conta resulta da subtracção da margem de erro máximo admissível ao valor indicado no aparelho.

    Enquanto que no caso do referido Acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra de 04/06/2008 (acórdão fundamento), se decidiu que a taxa de alcoolémia a considerar é aquela que foi registada pelo aparelho utilizado, não procedendo, nesse caso, a qualquer correcção oficiosa da TAS de 1,28 gr/l, lida.

  3. “Impõe-se, por isso, que: através do presente recurso extraordinário, seja fixada jurisprudência sobre a questão de saber se, relativamente ao aparelho marca "Drager", modelo 7110MKIII P, para efeitos da margem de erro a que se referem, Portaria n.° 1556/2007, de 10/12, que aprovou o novo Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros, e por referência à Recomendação da Organização Internacional de Metrologia Legal (OIML R 126), confessando o arguido integralmente e sem reservas os factos, e não sendo em julgamento posta em causa a fiabilidade do específico e individualizado aparelho que procedeu à leitura, de forma automática e oficiosamente, poderá proceder-se à correcção da margem de erro admitida em abstracto para este tipo de aparelho.” Foi junta certidão do acórdão recorrido e do acórdão fundamento com a nota de trânsito em julgado.

    O MºPº neste S.T.J. teve vista nos autos, ao abrigo do nº 1 do artº 440º do C.P.P., e pronunciou-se no sentido do preenchimento dos pressupostos da prossecução do presente recurso por haver oposição de julgados no domínio da mesma legislação quanto à mesma questão de direito. Disse, entre o mais, que: “3.a.

    Quanto à verificação da oposição relevante de julgados, haverá que ter presente, antes do mais, que o Supremo Tribunal de Justiça se pronunciou, recentemente, sobre a mesma questão que ora vem suscitada – cf. o Acórdão de 15-04-2009, proferido no Processo nº 3263/08-3, o Acórdão de 21-05-2009, proferido no Processo nº 378/09-5 e o Acórdão de 18-06-2009, proferido no Processo nº 118/08.1GTTVD-A.S1.

    Em todos esses doutos Acórdãos se decidiu, por unanimidade, rejeitar os recursos de fixação de jurisprudência, por ausência de oposição relevante.

    Conforme se concluiu nos dois primeiros acórdãos referidos: “Estando subjacente em ambos os processos a aplicação e observância das indicações dos ofícios da DGV, constituindo no fulcro o objecto dos recursos a avaliação da bondade do recurso a tal informação administrativa, …não estamos perante a aplicação de normas jurídicas, não se colocando verdadeiramente uma questão de direito controvertida, sendo que o acórdão recorrido sobre a questão específica da valia do ofício nada disse, o que conduz a uma não oposição de julgados” – cf. fls. 11 do Acórdão de 15-04-2009, e fls. 4 do Acórdão de 21-05-2009, respectivamente.

    No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão proferido no Processo nº 118/01.1GTTVD-A.S1, não se “vendo razões para nos afastarmos da decisão tomada nos doutos arestos que se acabaram de transcrever parcialmente [transcrição vertida no parágrafo imediatamente anterior deste parecer], concluindo também pela não oposição de julgados e pela rejeição do recurso.

  4. b. Como se relembra no citado Ac. STJ, de 18-06-2009, remetendo para vários outros arestos deste Supremo Tribunal, são os seguintes os recursos substanciais da admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurispudência: - As asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para mesma questão fundamental de direito; - As decisões em oposição sejam expressas; - A situação de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticas.

    No caso em apreço, dúvidas não há quanto à identidade das situações de facto e do respectivo enquadramento jurídico, sendo também manifesto que a decisões proferidas pelo acórdão recorrido e pelo acórdão fundamento se encontram em oposição e que tal oposição é expressa e não tácita.

    Restará assim averiguar, preenchidos que estão também todos os requisitos formais, se estamos ou não perante a mesma questão de direito e, na afirmativa, se relativamente à mesma foram consagradas soluções opostas.

    A este propósito, haverá de ter-se presente que, conforme se decidiu no Ac. STJ, de 23-04-1986, é indispensável, para haver oposição de acórdãos, justificativa do recurso, que as disposições legais em que se basearam as decisões conflituantes, tenham sido interpretadas e aplicadas diversamente a factos idênticos – cf. BMJ 356/272.

    Como se refere, no Ac. STJ, de 12-03-09, Processo 576/09-5, a propósito desta jurisprudência...

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