Acórdão nº 704/09.9TBNF.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2009

Magistrado ResponsávelFONSECA RAMOS
Data da Resolução13 de Novembro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

S Privacidade: 1 Meio Processual: REVISTA Decisão: NEGADA Sumário : I - Provado que em dado momento de uma festa de casamento, a Autora dirigiu-se a uma mesa onde o 2º R. servia aos convidados chouriços assados numa assadeira com álcool que tentou reabastecer, tendo apontado para a mesma um frasco contendo tal produto, cujo conteúdo pegou fogo; que o 2.º R., dando-se conta disso, reagiu puxando a garrafa, o que fez com que o álcool a arder tivesse espirrado da garrafa e fosse projectado para a frente, acabando por cair sobre a Autora que foi, assim, atingida pelo fogo na face, na região cervical (pescoço) e na parte superior do peito (tórax), bem como no membro superior direito, tendo o álcool inflamado ardido ainda, durante cerca de 10 segundos, no corpo da Autora, até ser apagado, quando foi socorrida pelos circunstantes; e que em virtude de tais factos, a Autora sofreu queimaduras do 1º e 2º grau, numa área calculada em cerca de 20% da superfície cutânea total; é inquestionável que se trata de responsabilidade civil extracontratual a qual determina a obrigação de indemnizar a cargo do recorrente.

II - Provado ainda que em consequência do acidente, quer com os tratamentos a foi sujeita, quer com as intervenções cirúrgicas a que foi submetida, a Autora sofreu dores de grau 4 numa escala de sete graus de gravidade, sentiu pavor com a perspectiva da própria morte, enquanto o álcool ardia sobre o seu corpo, sofre pelo facto de ter ficado com as cicatrizes supra referidas, e desde o acidente que se sente complexada e triste com o seu aspecto físico, estamos perante inquestionável dano moral, na sua vertente psicológica com perda de auto-estima causada pela deformação física na face, o que traduz um evidente dano estético que assume especial relevo numa mulher com 19 anos de idade, gerando sentimentos de desprezo e auto-comiseração.

III - A Autora sofreu um dano estético, que por se evidenciar na face, o torna visível e psicologicamente gravoso, porque a desfeia. O dano estético é uma lesão permanente, um dano moral, tanto mais grave quanto são patentes e deformantes as lesões, sendo de valorar especialmente quando são visíveis e irreversíveis.

IV - Há que compensar o dano estético sofrido pela Autora como componente mais relevante do dano moral, tanto mais que se as cicatrizes afectam o rosto são visíveis e podem não ser passíveis de regressão ou tratamento após cirurgias.

V - Não se destinando a atribuição pecuniária pelo dano moral a pagar qualquer preço pela dor – “pretium doloris”, que é de todo inavaliável, mas antes a proporcionar à vítima uma quantia que possa constituir lenitivo para a dor moral, os sofrimentos físicos, a perda de consideração social e os sentimentos de inferioridade (inibição, frustração e menor auto-estima), a quantia a arbitrar é fixada com recurso à equidade devendo ser ponderada, no caso, a gravidade objectiva do dano, mormente a sua localização, extensão e irreversibilidade [as lesões na face são psicologicamente mais traumáticas que noutra parte do corpo] e as circunstâncias particulares do lesado – a idade, o sexo e a profissão.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA instaurou, em 28.03.2004, no Tribunal Judicial da Comarca de Penafiel – 3º Juízo – acção declarativa de condenação com processo ordinário, contra: BB [e trabalhador incerto que veio a apurar-se ser] CC (fls. 101 a 103): Pedindo a condenação solidária destes a pagar-lhe: a) – Os encargos suportados com os tratamentos a que a Autora se submeteu e os danos referidos nos arts. 18º a 30º da p. i., no montante de € 3 181,74; b) – Os encargos que a Autora vier a ser obrigada a suportar pelo internamento, intervenção e assistência já prestada, nos Hospitais Padre Américo, em Penafiel, e da Prelada, no Porto; c) – Os encargos que ainda vier a ter com futuros tratamentos e intervenções, para recuperação das queimaduras mencionadas na p. i; d) – Os danos não patrimoniais, no montante de € 50 000,00; e e) – Juros de mora, à taxa legal, sobre as referidas quantias, desde a citação até integral pagamento.

Fundamentando a respectiva pretensão, alegou, em resumo: - no dia 08.06.02, foi convidada de um casamento organizado e servido pela 1ª Ré, na Quinta de ..., e no qual, para servir os noivos e convidados do evento, tinha ao seu serviço o 2º Réu, que servia aos convidados chouriço assado numa assadeira com álcool que, a dado momento, de forma grosseiramente negligente, tentou reabastecer com álcool, enquanto os chouriços ardiam; - em consequência da descrita actuação, soltou-se o conteúdo do frasco, que jorrou para a assadeira e, a arder, sobre a Autora, onde ardeu por tempo não inferior a 10 segundos, atingindo-a na região cervical, parte superior do peito e no braço direito, assim lhe causando muitos e graves danos.

Contestando, pugnou a Ré pela improcedência da acção, alegando, em síntese, que apenas cedeu o espaço para que se celebrasse o evento, desconhecendo, por outro lado, o trabalhador incerto demandado, que não é seu funcionário, nem nunca esteve ao seu serviço.

Por despacho de fls. 80-83, foi ordenado o desentranhamento da réplica.

Identificado o trabalhador incerto como sendo CC, apresentou o mesmo contestação culminada com o pedido de improcedência da acção, porquanto (em síntese): - a 1ª Ré, após acertar o preço e serviço com os noivos, contratou a empresa de “catering”, DD, de S. Lourenço, Paço de Sousa, Penafiel, para servir a boda, o que aconteceu; - neste contexto, o Réu estava, efectivamente, nesse dia, nessa quinta, a servir bebidas e refeições, na qualidade de colaborador daquela “catering”, que, por sua vez, estava contratada pela Autora e só pela Autora, logo, ao seu serviço e sob as suas ordens, direcção e fiscalização; - sofreu queimaduras, decorrentes da situação descrita, mas devendo-se as mesmas ao facto de, por causa de uma corrente de ar das janelas, a chama da assadeira a arder ter inflamado o álcool da assadeira apagada, provocando uma labareda de chama inesperada, que veio a atingir a Autora.

Admitida a requerida intervenção principal, como co-Réu do mencionado DD, veio o mesmo declarar que fazia sua a contestação apresentada pelo Réu, CC.

Foi proferido despacho saneador tabelar, com subsequente enunciação da matéria de facto tida por assente e organização da pertinente base instrutória (B.I.), de que, apenas com êxito da Autora, reclamaram todas as partes.

A final, foi proferida (em 11.10.07) sentença que, julgando, parcialmente, procedente a acção: - Absolveu a Ré BB do pedido; - Condenou, solidariamente, o Réu CC e o chamado, DD, a pagar à Autora a quantia global e líquida de € 47 781,31, acrescida dos respectivos juros de mora, à taxa legal (de momento, de 4% ao ano), desde a citação até integral pagamento; - “Relegou para execução de sentença” a liquidação das quantias relativas às importâncias que a Autora haja de vir a suportar em consequência do internamento, intervenção e assistência que já lhe foi prestada, nos Hospitais Padre Américo, em Penafiel, e da Prelada, no Porto; - Decretou a absolvição do demais peticionado.

Inconformado, o chamado, DD, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão de 17.12.2008 – fls. 629 a 641 – negou provimento ao recurso e confirmou a sentença recorrida.

De novo inconformado recorreu para este Supremo Tribunal e, alegando, formulou as seguintes conclusões: 1. O presente recurso de revista restringe-se à discussão do montante fixado quanto aos danos não patrimoniais – 45.000 €.

  1. A fixação dos danos não patrimoniais está regulada nos arts. 496° e 494° do Código Civil.

  2. De acordo com a letra e a “ratio” do n°1 do art. 496°, deverão ser indemnizáveis apenas os danos que mereçam a tutela do direito, que é o caso dos autos.

  3. Os critérios que devem balizar a indemnização a fixar vêm enunciados no n°3 do art. 496°: A) Em primeiro lugar, como critério transversal, a indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixada equitativamente, ou seja, atendendo a juízos de igualdade, justiça e rectidão.

    1. - E, em segundo lugar, nessa fixação equitativa, o Tribunal deve sempre atender às circunstâncias referidas no art. 494° do Código Civil, ou seja: a) - O grau de culpabilidade do agente; b) - A situação económica do agente; c) - A situação económica do lesado; e d) - As demais circunstâncias que o caso justifique; e (acrescenta a M.ma Juíza, na douta sentença): e) - Aos critérios jurisprudenciais nesta matéria – sendo que se pode considerar que esta circunstância tem cabimento na alínea anterior.

  4. Ora, entende o apelante que, na douta sentença de 1ª instância, para fixação do montante dos danos não patrimoniais, não foram respeitados correctamente os critérios enunciados, violando-se assim a letra e o espírito dos...

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