Acórdão nº 09B0534 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Julho de 2009

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução02 de Julho de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA intentou, em 07.03.2002, no Tribunal Judicial da comarca de São Roque do Pico, contra BB, L.da, acção com processo ordinário, pedindo que a ré seja condenada a reconhecê-la como proprietária dos três prédios - dois urbanos e um rústico - que identifica, todos situados na freguesia e concelho de São Roque do Pico, a entregar-lhos, livres e devolutos, e a pagar-lhe a quantia de € 750,00 por cada mês ou fracção que mediar entre a data da citação e a entrega dos prédios.

Como fundamento da sua pretensão alegou, em síntese, como segue: Herdou, por sucessão testamentária de CC, falecida em 25 de Setembro de 1998, os dois prédios urbanos e o direito a 8/9 do rústico, os quais constituem, no seu conjunto e em vista da sua contiguidade, uma unidade económica, encontrando-se essas aquisições registadas a seu favor desde 12.03.2001.

Até à sua morte, a referida Justina sempre tratou os referidos prédios, que adquiriu por morte de seu pai, BB, em 22.09.68, como coisas suas, intitulando-se dona deles, à vista de toda a gente, pagando as inerentes contribuições, mantendo, explorando e gerindo um estabelecimento comercial de mercearia, instalado no primeiro dos citados prédios.

BB havia afectado a utilização dos mencionados prédios ao serviço da ré, constituída em 1955, mantendo esta aí a sua actividade comercial, sem qualquer título e por mera tolerância dos sucessivos proprietários.

A autora decidiu fazer cessar essa utilização da ré, mas esta recusa-se a reconhecer o direito de propriedade da demandante e a entregar-lhe os prédios, privando-a de vender ou arrendar os referidos prédios e obstando a que retire deles um rendimento mensal não inferior a € 750,00.

A ré contestou e deduziu reconvenção.

Alegou que a partir da afectação ao serviço da ré, em 1955, dos prédios urbanos, efectuada pelo anterior proprietário, BB, um desses prédios - o inscrito na matriz sob o art. 567º - foi por ela usado, numa primeira fase e até 1969, como garagem e oficina de reparação de veículos; nessa altura a ré fez obras nesse edifício, alterando-o para fins de talho e de um estabelecimento de mini-mercado, actividades que ali passaram a ser exercitadas em 1969; em 1978 passou a funcionar ali apenas o mini-mercado, o que ainda hoje acontece, sempre aí tendo estado afectos, pelo menos, quatro empregados da demandada, sendo esta que tem procedido a todos os trabalhos de conservação do prédio.

Quanto ao outro prédio urbano - o inscrito na matriz predial sob o art. 640º - passou a ré, a partir da sobredita afectação, a usá-lo para fins de arrecadação e garagem, como proprietária e sempre nas suas actividades comerciais, tendo, entre 1965 e 1967, prolongado essa construção para o lado norte, dentro da parte do reduto do prédio do artigo 522º urbano, que fora igualmente cedida, e até à zona da casa de habitação, e levantado um edifício novo, para o qual transferiu a oficina de reparação de veículos, e, finalmente, procedendo, em 1990, a uma total reconstrução de grande parte correspondente ao edifício.

A propriedade de uma parcela do prédio rústico, com área correspondente a 8/9, fora cedida verbalmente, em 1961, por um anterior proprietário a BB, sendo que tal parcela passou, na sequência da afectação que lhe foi feita por este, a ser usada pela ré sempre que foi necessário para qualquer finalidade sua, como a descarga de mercadorias, a colocação transitória de bens da sociedade ou destinados ao seu comércio e ainda para o estacionamento de veículos seus ou dos que se encontravam em reparação na sua oficina.

Em 1975 a ré instalou um posto de abastecimento de combustíveis na referida parcela, posto esse que ainda explora, e ali construiu um edifício com dois pisos, um destinado a escritório e sanitários e outro para duas arrecadações, assim como três depósitos para armazenamento de combustível, ficando, desde então, a explorar o referido posto.

Em todos os imóveis referenciados, tem a ré exercido sempre as indicadas actividades de acordo com os seus interesses comerciais e como respectiva e exclusiva dona, na convicção de os mesmos lhe pertencerem e sem oposição fosse de quem fosse.

Sempre se verificou, por parte de CC, uma atitude de permanente aceitação do gozo da ré como proprietária dos referidos imóveis, traduzida na não oposição aos vultuosos actos de investimento efectuados pela demandada, como a total transformação do edifício do mini-mercado, as alterações e a recuperação do edifício do prédio de arrecadação e a instalação de um posto de fornecimento de combustíveis, situação que sempre acompanhou enquanto sócia da ré e empregada do mini-mercado ".....".

Adquiriu, assim, a ré os referidos imóveis urbanos por usucapião, o que é impeditivo da propriedade quanto a eles reivindicada pela autora.

Por outro lado, não podia a autora herdar o direito a 8/9 do prédio rústico, porque CC não o herdou de BB, de quem era filha, dado que aquele não adquiriu 8/9 do prédio, antes a parcela inteira.

No testamento que fundamenta a sucessão de CC, a falecida instituiu a autora como sua universal herdeira, não identificando qualquer bem.

Os registos não foram efectuados com base em qualquer titulo de aquisição onde sejam mencionados os prédios e direito aqui em questão, pressupondo que estes foram da testadora.

O registo a favor da autora teve como fundamento a escritura de habilitação, lavrada com base no testamento e na declaração da própria autora identificando os imóveis a registar.

Impugnou ainda os demais factos alegados pela autora, referentes aos actos praticados por CC sobre os imóveis em causa, bem como aos prejuízos invocados.

Concluiu pela improcedência da acção, com a consequente absolvição dela, ré, do pedido; e pediu que, julgada procedente a reconvenção, seja declarado a seu favor o direito de propriedade sobre os prédios urbanos inscritos nos arts. 567º e 640º da freguesia e concelho de São Roque do Pico e descritos na CRP de São Roque do Pico sob os n.os 1526 e 1527, sendo a reconvinda condenada a reconhecer esse direito, pedindo ainda seja ordenado o cancelamento das inscrições G-1 que incidem sobre as referidas descrições e sobre a descrição 1528 da mesma freguesia.

Seguiram-se réplica e tréplica, e foi deduzido incidente de intervenção provocada do cônjuge da autora, DD, tendo sido admitido o chamamento deste.

Na subsequente tramitação do processo foi oportunamente efectuado o julgamento e proferida sentença, na qual a Ex.ma Juíza do Círculo de Angra do Heroísmo julgou a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção, e em consequência - declarou que os autores, AA e DD, são proprietários dos dois prédios urbanos e comproprietários do direito a 8/9 do prédio rústico, condenando a ré a reconhecer tais direitos; - absolveu a ré do pedido de reconhecimento da propriedade relativamente a 1/9 do prédio rústico; - condenou a ré a entregar aos autores, livres e devolutos, os referidos prédios, e a pagar-lhes a quantia que se vier a liquidar posteriormente, relativa às utilidades que estes deixaram de auferir dos prédios, desde a data da citação para a presente acção até integral pagamento; e - absolveu os autores do pedido reconvencional formulado pela ré.

Da sentença interpôs a ré o pertinente recurso de apelação.

E não o fez em vão, pois a Relação de Lisboa, em acórdão oportunamente proferido, julgou parcialmente procedente a apelação, alterando a sentença recorrida nos seguintes termos: a) julgou procedente a excepção peremptória fundada na usucapião do direito de superfície quanto aos edifícios implantados sobre o prédio urbano descrito na CRP de São Roque do Pico sob o n.º 1527 da freguesia de São Roque do Pico, e inscrito na respectiva matriz predial, desde 1969, sob o art. 640, e sobre as edificações implantadas sobre a parcela do prédio rústico; b) absolveu a ré quanto ao pedido de restituição dos prédios referidos na alínea precedente, sem prejuízo do direito de propriedade dos autores sobre os mesmos prédios; c) confirmou a decisão quanto ao pedido de indemnização, a liquidar posteriormente, mas apenas quanto ao prédio urbano inscrito na respectiva matriz predial urbana, desde 1969, sob o art. 567 e descrito na CRP de São Roque do Pico sob o n.º 1526, da freguesia de São Roque do Pico, revogando a sentença recorrida na parte respeitante aos restantes prédios, e absolvendo a ré do pedido, nesta parte; d) confirmou, no mais, o julgado.

Do acórdão da Relação recorrem agora, de revista, para este Supremo Tribunal, os autores e a ré.

A ré remata a sua alegação de recurso com a enunciação das seguintes conclusões: 1ª - Os factos provados sob os n.os 11, 20, 24 a 37, 40 a 44 e 47 a 59 não permitem o enquadramento da cedência à recorrente dos imóveis em causa no regime jurídico do contrato de comodato previsto nos arts. 1129º a 1141º do CC, como foi entendido no acórdão recorrido; 2ª - Nesses factos, e com fundamento nos arts. 1260º, 1261º, 1262º, 1287º e 1296º do mesmo Código, verificam-se os requisitos necessários para a aquisição por usucapião, pela recorrente, dos prédios urbanos e da parcela identificada no facto n.º 26, quanto ao prédio rústico; 3ª - Caso assim se não entenda, a mesma matéria de facto é suficiente para, com base em presunção judicial nela assente, se concluir nos mesmos termos; 4ª - Devia, pois, ter o acórdão recorrido declarado essa aquisição por usucapião e ordenado o cancelamento dos registos prediais de aquisição feitos a favor da autora sobre as descrições desses imóveis, com a consequente procedência da correspondente matéria excepcional e reconvencional e revogação da sentença da 1ª instância; 5ª - Destarte, o acórdão recorrido violou, por erro na aplicação do direito, o disposto nos arts. 1287º e 1296º do CC; 6ª - A não se entender assim, deve então considerar-se que, quanto ao prédio do art. 567 urbano da freguesia de São Roque do Pico, o cumprimento da sentença corresponderia a um abuso de direito, na medida em que a inexistência de...

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