Acórdão nº 08B2707 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução21 de Maio de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Invocando ser "contitular do direito e acção à herança aberta" por morte de sua mãe, na qual se integra "o direito e acção à herança aberta por óbito do falecido" seu avô materno, AA, BB propôs uma acção contra CC na qual pediu a sua condenação no pagamento de uma indemnização de € 93.412,38 por "prejuízos sofridos em consequência da omissão da Ré" em relação "aos prédios rústicos denominados Curtinhal, Mata de Cima e Quintal" e, no montante que vier a ser liquidado em execução de sentença, no que respeita "ao prédio denominado Quinta do Conde", todos eles pertencentes à herança aberta por morte de AA, acrescidas de juros, à taxa legal, contados desde a citação até efectivo pagamento.

Para o efeito, e em síntese, alegou que tais prejuízos resultaram de a ré ter deixado caducar "os processos em curso no IFADAP" e consequentemente cessar "os financiamentos do IFADAP que se destinavam à rentabilização das propriedades envolvidas", promovidos pela mãe da autora, com o acordo da ré, e a quem esta sucedeu no cargo de cabeça de casal da herança de AA, e não ter tomado "qualquer iniciativa no sentido de requerer um financiamento idêntico".

Dos referidos projectos, que "eram subsidiados pelo IFADAP, a fundo perdido, numa percentagem que variava entre os 70% e os 90%", dois destinavam-se "à substituição dos pomares envelhecidos por novas árvores de fruto", que seriam "pagos pelo proprietário e reembolsados pelo IFADAP", e outros dois "ao replantio de áreas ardidas de mata: um na Mata da Quinta do Conde, junto à aldeia e o outro na propriedade conhecida como Mata de Cima", a pagar "contra a apresentação de facturas, enviadas ao proprietário pela entidade que procedesse aos trabalhos e por aquele enviados ao IFADAP".

Desses projectos, "à data do óbito" da mãe da autora estavam "ainda em curso três projectos aprovados pelo IFADAP, aqueles com os nºs ...., .... e ....".

A ré contestou. Sustentou, por entre o mais, a ilegitimidade da autora, por estar desacompanhada dos outros herdeiros, alegou ter-se visto forçada a interromper os projectos por causa dos desentendimentos entre os herdeiros, nomeadamente quanto à prestação de contas por parte da mãe da autora (o que a levou a propor uma acção com esse objectivo), à satisfação de encargos resultantes de "pagamento dos referidos projectos do IFADAP, administrados por sua falecida irmã" e, em geral, "sobre a melhor utilização a dar aos imóveis existentes", contestou os valores apresentados pela autora e pediu a sua condenação como litigante de má fé.

Referiu ainda ter instaurado antes da morte da irmã um processo de inventário, para pôr termo à indivisão.

Houve réplica.

Por sentença de fls. 510, a acção foi julgada improcedente. Em síntese, considerou-se não estar assente, nem que a ré tenha infringido deveres que lhe coubessem enquanto cabeça- de-casal, nem que da sua actuação resultaram danos para a herança.

Esta sentença foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de fls. 597.

Vem agora a autora recorrer para o Supremo Tribunal da Justiça. O recurso foi admitido como revista, com efeito devolutivo.

  1. Nas alegações que apresentou, sustentando a violação do disposto nos artigos 483º, 486º e 2086º a 2093º do Código Civil, a recorrente formulou as seguintes conclusões: "I. A Recorrida omitiu os deveres que sobre ela impendem inerentes ao exercício do cargo de cabeça de casal da herança em causa nos autos.

    II - A história da lei e os graus de exigência com que a lei regula o exercício da administração do cabeça-de-casal apontam no sentido de que ao cabeça-de-casal competem, para além dos definidos especialmente, deveres de administração ordinária, ou seja, de acordo com os ensinamentos de DD, poderes para a prática de actos e negócios jurídicos, de conservação e frutificação normal dos bens administrados.

    III - Os prédios em causa eram florestais, pelo que a sua conservação e frutificação normal passa pela conservação e frutificação da floresta.

    IV - A replantação nos prédios destinados a floresta constitui acto de administração ordinária, cabendo portanto nos deveres da cabeça de casal.

    V - Ao fazer caducar deliberadamente os projectos em curso para replantação de árvores, a cabeça de casal omitiu a prática de um acto que integrava os deveres inerentes ao exercício do cargo.

    VI - As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos quando havia o dever de praticar o acto omitido. Verificando-se que a Recorrida omitiu a prática de um acto que teria permitido conservar e frutificar o acervo hereditário, existe i1icitude na sua conduta.

    VII - Uma das modalidades de ilicitude consiste na violação de normas de protecção, isto é, disposições legais que protegem determinado interesse particular, pese embora não confiram um direito subjectivo. Exige-se que a norma de conduta esteja descrita, como o está neste caso, onde se estatuem os deveres do cabeça de casal (art. 2086.° do Cód. Civil).

    VIII - Exige-se ainda que a tutela dos interesses particulares figure entre os fins da norma violada, isto é, que o legislador tenha pretendido proteger os particulares; ora, no caso da administração da herança é patente e pacificamente entendido que cabe ao cabeça de casal zelar pelos interesses e bens que lhe foram confiados mas que não lhe pertencem, antes integrando o património hereditário, pelo que o seu dever de administrar o património com zelo visa a protecção de particulares (os demais titulares do direito à acção e herança).

    IX - Incumbindo à Recorrida, cabeça de casal, zelar pela administração ordinária dos bens que integram o acervo hereditário, sendo que tal administração supõe a normal frutificação dos bens, verifica-se que a conduta da Recorrida é ilícita quando omite o acto necessário a essa frutificação, quando da sua conduta resulta a omissão da prática de actos que se traduziam na administração ordinária do património (frutificação).

    X - Entendendo-se a culpa como a omissão reprovável de um dever de diligência, e verificando-se a existência de ilícito, torna-se forçoso concluir pela existência de uma conduta culposa, traduzida na omissão de actos cuja prática se impunha à Recorrida no exercício do cabeçalato, integrando o dever de praticar os actos de administração ordinária.

    XI - Sabendo-se que os prédios em causa tinham um valor potencial global que deixou de poder ser...

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