Acórdão nº 08S3536 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 20 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução20 de Maio de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA intentou, em 5 de Maio de 2005, no Tribunal do Trabalho do Porto, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra P... D... - D... A..., S.A., em que pediu que fosse declarada a ilicitude do seu despedimento, operado em 30 de Agosto de 2004, no termo do processo disciplinar que lhe foi movido pela Ré, com as legais consequências, nomeadamente: a condenação da Ré a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, numa sanção pecuniária compulsória pelo atraso na reintegração, e em indemnização por danos não patrimoniais decorrentes do despedimento, esta a liquidar posteriormente; pediu, outrossim, que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a importância de € 28.967,40, correspondente a trabalho suplementar prestado entre 1995 e 2003, acrescida de juros de mora que, à data da propositura da acção, somavam € 5.027,80.

Em síntese, muito breve, alegou a inexistência de justa causa para o despedimento, dizendo não ter praticado os actos de que foi acusado, os quais, segundo a imputação que lhe foi feita, se apresentam como actos isolados, cujo prejuízo económico não foi demonstrado, nem invocado, além de que o processo disciplinar enferma de irregularidade, por não terem sido realizadas, sem justificação séria, diligências de prova requeridas; alegou, também, que desde 1995 até 2003, durante duas semanas por mês, teve que trabalhar 48 horas em cada semana, e que, no período de férias dos seus adjuntos, trabalhou 56 horas por semana, prestando serviço, sem remuneração, em dias que deviam ser de folga, no total de 30 dias em cada um daqueles anos; aduziu, finalmente, que o facto de ter sido despedido pôs em causa o seu bom nome, causando-lhe grande angústia e nervosismo com inevitáveis reflexos no seu ambiente familiar, gerando-lhe um sentimento de frustração.

Na contestação, a Ré sustentou, em súmula, que o Autor foi despedido com justa causa, pelos fundamentos constantes do processo disciplinar, fundamentos esses que reiterou, e que tal processo foi regular; impugnou os fundamentos do pedido de indemnização por danos não patrimoniais; e impugnou, igualmente, o alegado pelo Autor relativamente à prestação de trabalho fora do seu horário (dois domingos por mês), e ao trabalho em dias de folga, aduzindo que se tal serviço foi prestado pelo Autor, isso aconteceu sem o conhecimento e consentimento da Ré.

Efectuado o julgamento, foi proferida sentença em que se decidiu julgar a acção procedente e, em consequência, declarar ilícito o despedimento do Autor e condenar a Ré a: «a) reintegrar o autor no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; b) a pagar ao autor e ao Estado, em partes iguais, a quantia de € 59,00 (cinquenta e nove euros) a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso na reintegração do autor; c) a pagar ao autor a compensação correspondente às retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da presente sentença, no valor que nesta data se liquida em € 29 609,47 (vinte e nove mil, seiscentos e nove euros e quarenta e sete cêntimos), sem prejuízo do mais a liquidar posteriormente, tudo acrescido de juros de mora à taxa legal a partir do trânsito em julgado da sentença; d) a pagar ao autor a indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da ilicitude do despedimento que se vier a liquidar; e) a pagar ao autor a remuneração relativa ao trabalho suplementar prestado entre 1/5/95 e o final do ano de 2003, decorrente da prestação de 48 horas de trabalho duas semanas por mês e da prestação de trabalho 56 horas por semana no período de férias dos adjuntos dos gerentes, a liquidar [posteriormente], acrescida de juros de mora à taxa legal desde o vencimento de cada uma das remunerações mensais a que disser respeito o trabalho, até integral pagamento.

» 2.

A Ré interpôs recurso de apelação, em que impugnou a decisão proferida sobre a matéria de facto, tendo o Tribunal da Relação de Porto concedido parcial provimento ao recurso e considerado o Autor validamente despedido, por verificação de justa causa, e, por outro lado, limitado a condenação da Ré, no tocante a créditos relativos a trabalho suplementar, ao período de 5 de Maio de 2000 até final de 2003, cujo apuramento quantitativo relegou para oportuna liquidação.

Para pedir a revogação do acórdão da Relação e ver repristinada a decisão do tribunal de 1.ª instância, o Autor interpôs o presente recurso de revista, cuja alegação, rematou com as conclusões assim redigidas: A- O Tribunal da Relação entendeu revogar parcialmente a douta sentença proferida pela Mer[i]tíssima Juíza da 1.ª Instância e, por isso, propugnar pela existência de justa causa de despedimento, entendendo que houve violação por parte do Autor, aqui recorrente, dos deveres de lealdade e de prestar obediência às ordens emitidas pela Ré, sua entidade patronal ou por quem a represente, tendo com as condutas que lhe são - bem ou mal - assacadas lesado interesses patrimoniais sérios da Re P... D... .

B- Na verdade, considerou o Tribunal da Relação que os procedimentos ocorridos sob a gerência do recorrente ou as instruções dadas por este aos seus colegas de equipa, ainda que em posição subordinada, em matéria de quebras identificadas e alteração de códigos de venda, violava as regras instituídas pelo P... D... em tais matérias e que, com tais procedimentos verificou-se a lesão de interesses sérios da recorrida P... D... .

C- Entende, ainda, o Tribunal da Relação que, face ao disposto no artigo 385.º do Código d[o] Trabalho e face à ausência de prova documental, apenas deverá ser concedido provimento ao recurso interposto pela Ré no que se refere ao período prestado anteriormente a 5 de Maio de 2000, devendo, pois, ser pago o trabalho prestado, a partir de tal data - não obstante dar-se de barato que todo o trabalho suplementar no período que decorre entre os anos de 1995 até Maio de 2000 foi efectivamente prestado pelo Autor/recorrente.

D- Considera, porém, o recorrente que a argumentação constante do Acórdão de que ora se recorre assenta em premissas erradas e vícios de raciocínio na apreciação da matéria provada e assente e não observa as regras civis e processuais vigentes em sede de ónus da prova (artigos 342.º CC, 516.º CPC e, ainda, 514.º e 515.º CPC).

E- Na verdade, encontra-se minuciosa e claramente descrito nos autos o modo de realização dos inventários, seus intervenientes obrigatórios e funcionalidades/obrigações de cada um destes na teia organizacional em que estão inseridos - dos quais o recorrente fez uma s[ú]mula no corpo das presentes alegações.

Por tal facto e tendo em conta a matéria definitivamente assente - os inventários dependiam do aval do District, superior hierárquico do Autor, para serem fechados/consolidados e os inventários em questão sempre obtiveram tal aval - dúvidas não restam - e os factos provados falam por si - de que o Autor sempre respeitou as ordens dos seus superiores hierárquicos.

F- Acresce que[ ] todos os dados constantes de cada um dos inventários eram, antes de ser avalizados pelo District, rigorosamente analisados pelos supervisores de cada uma das secções envolvidas e pelos supervisores de inventários, atento o conteúdo funcional desta categoria profissional de funcionários do Pingo Doce, pelo que G- Deste facto decorre que a todos os inventários do recorrente foi dado o respectivo aval, quer pelo District deste, quer por todos os supervisores que acompanhavam os inventários efectuados na loja do recorrente, no período da sua gerência.

H- E se dúvidas houvesse quanto a esta questão, atente-se na fundamentação às respostas aos quesitos 18.º a 20.º da base instrutória: "A principal causa dos stocks negativos é a alteração dos códigos e que os stocks negativos são evidentes nos inventários, os quais, pela sua importância são analisados pelos supervisores e districts, que acompanham também a situação das lojas; portanto era impossível que os dados constantes dos inventários e, designadamente a questão da alteração dos códigos não fosse do conhecimento da hierarquia".

I- Como quer que seja, o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de que ora se recorre, considera definitivamente assente que "alguns dos supervisores sabiam da alteração de códigos e alguns desses até davam instruções de alterações de códigos,...", referindo, porém, a dado passo que, não obstante tal realidade, "não se sabe quem eram os supervisores em questão, nem em que contexto esse conhecimento lhes advinha, nem como actuavam." Em que ficamos? J- Face a esta realidade iniludível mas face à dúvida suscitada, não deveriam funcionar as regras do ónus da prova contidas nos artigos 342.º do Código Civil e 516.º do CPC? K- Ou seja, não tendo o P... D... logrado provar - e tal era ónus seu - que os supervisores e district que, em concreto, articulavam com o Autor aqui Recorrente, não sabiam da invocada e suposta má actuação do Autor (e o desconhecimento de tal situação só podia acontecer por artes mágicas pois toda a informação relativa a quebras, códigos, etc. estava completamente visível no inventário lançado no sistema informático, a aguardar as respectiva análise e aval do District - após análise por parte deste também, naturalmente!), não será de, tal falta de prova, reverter a favor do Autor e não contra este?? Consideramos, salvo o devido respeito, que SIM; contudo, no Acórdão de que ora se recorre o ónus da prova parece ter sido invertido e subvertidos os referidos princípios civil e processual em matéria de ónus da prova.

L- Acresce que o P... D... também não logrou provar - como lhe competia porque tal ónus era seu e não do Autor - que a conduta deste - como vimos perfeitamente em sintonia com a dos supervisores e completamente avalizada pelo seu District - lhe causou prejuízo sério ou, ao menos algum prejuízo e que prejuízo em concreto.

M- Antes de...

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