Acórdão nº 08S3530 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução14 de Maio de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA intentou no Tribunal do Trabalho de Cascais, em 16 de Agosto de 2005, a presente acção emergente de contrato individual de trabalho contra BB pedindo que a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 21.953,63, a título de diferenças salariais e de descontos indevidamente efectuados na retribuição, acrescida de juros calculados à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data da citação da Ré e até efectivo pagamento.

Alegou, em síntese, que: - Foi admitida ao serviço da Ré, em 1 de Setembro de 1995, para o desempenho de funções de Técnica de Laboratório de Físico-Química, funções que sempre desempenhou até 31 de Agosto de 2004, data em que o contrato cessou; - Nos termos da cláusula 4.ª do contrato celebrado com a Ré, auferia a retribuição "correspondente ao nível 25" e, desde a sua admissão, sempre esteve inscrita na Caixa Geral de Aposentações, como acontece com os docentes do ensino particular, tendo um horário a tempo parcial de 15 horas semanais; - A retribuição paga pela Ré, desde Setembro de 1995, é inferior à que resulta da aplicação das tabelas mínimas constantes do CCT para o ensino particular, devendo-lhe, pois, aquela as respectivas diferenças; - A Autora faltou ao trabalho nos dias 29 e 30 de Abril de 2002, tendo comunicado à Ré, no dia 24, essa ausência e o motivo respectivo.

- A Ré considerou as faltas injustificadas e procedeu ao desconto de 7 dias de faltas [25/4 (5.ª feira, feriado), 26/4 (6.ª feira, pausa lectiva), 27 e 28/4 (sábado e domingo), 29/4 (2.ª feira), 30/4 (3.ª feira) e 1/5 (4.ª feira, feriado)], englobando, indevidamente, um dia de pausa lectiva, porquanto, mesmo que tais faltas pudessem ser consideradas injustificadas - e não podiam -, a Ré não podia proceder ao desconto por um valor superior a 5 dias de faltas, uma vez que o dia de pausa lectiva não pode ser incluído no conceito de dia de descanso ou feriado.

Na contestação, a pugnar pela improcedência da acção, a Ré disse, em súmula, que: - A Autora foi contratada e obrigou-se a prestar funções e tarefas de apoio aos laboratórios de físico-química existentes no Colégio ..., inexistindo no CCT para o Ensino Particular vigente à data do contrato categoria especifica para tais funções e tarefas, que se enquadravam, genericamente, na categoria de "vigilante", e nunca exerceu funções docentes; - Foi acordado que a remuneração mensal seria de Esc.: 44.970$00 para 15 horas de trabalho semanal e que a mesma ficaria indexada ao vencimento mensal do nível 25 do pessoal docente e a um período normal de trabalho semanal de 35 horas, pelo que, futuramente, a sua remuneração seria actualizada e calculada em função desses dois referentes: o vencimento do nível 25 (pessoal docente) e período semanal de trabalho de 35 horas, condições negociais essas que eram bastante mais vantajosas do que as correspondentes à categoria de "vigilante", que era aquela onde devia ser integrada a Autora; - Quando foi admitida, a Autora tinha o 12.° ano de escolaridade incompleto pelo que não podia desempenhar funções docentes ou ser equiparada a um professor com funções docentes; - A Autora assinou o contrato livremente e de forma esclarecida.

- Quanto às faltas, a comunicação da ausência não foi apresentada à direcção do colégio, a Autora não demonstrou, nem prévia nem posteriormente, a verdade e seriedade do motivo invocado e o dia de pausa lectiva significa um dia em que, por iniciativa da escola, não é prestada actividade, pelo que só pode ser considerado dia de descanso.

  1. A acção foi julgada improcedente na 1.ª instância e, tendo a Autora apelado, foi a sentença confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

    Do acórdão que assim decidiu veio a Autora pedir revista, para ver julgada a acção procedente, terminando a respectiva alegação com as seguintes conclusões: «1. A A. intentou a presente acção contra a R. invocando em suma o seguinte: a) Fora contratada ao serviço da R. como Técnica de Laboratório de Físico-Química estipulando-se que auferiria a retribuição correspondente ao nível 25 do CCT com um horário de 15 horas semanais, a que acresceriam as horas de reuniões de avaliação, serviço de exames e ainda as horas para os fins previstos no art. 20.º, n.º 1, c), do CCT para o Ensino Particular; b) A R. nunca pagara à A. a retribuição nos termos estipulados e de acordo com o CCT referido; c) Tendo por outro lado a A. comunicado que nos dias 29 e 30 de Abril de 2002 iria faltar ao serviço por necessidades de assistência à família, a R. descontara-lhe indevidamente 8 dias de falta, quando nem sequer exigira à A. a prova dos factos invocados para a justificação; d) Pedia pois a condenação da R. a pagar-lhe o montante de € 21.953,63 a título de diferenças de retribuição e de descontos indevidos por faltas, valor que seria acrescido de juros contados à taxa legal; 2. Em sede da matéria de facto dada por provada, a douta sentença de 1.ª instância considerou provado entre outros o seguinte facto: N.º 3 - Dos contactos estabelecidos entre A. e R. com vista à celebração desse acordo (o contrato celebrado na altura da admissão da A.), o valor aludido na cláusula 4.ª foi acertado tendo por base o vencimento mensal do nível 25 do pessoal docente - estabelecido no CCT referido na cláusula 5.ª - e com referência a um período de 35 horas de trabalho semanal; 3. Na fundamentação da matéria de facto dada como provada o único elemento probatório em que a decisão de 1.ª instância fundamentava a prova desse facto era no depoimento da testemunha Diamantino..., que era "membro da R." e fora Director do Colégio Marista de 1994 a 1998, tendo sido a pessoa que em nome da Direcção contratara a A. e que esclareceu o Tribunal que a retribuição havia sido fixada pelo nível 25 do CCT mas ponderada em razão de 35 horas semanais, pagando-se a retribuição da A. de acordo com a proporção que decorria do horário estabelecido de 15 horas semanais; 4. Parece evidente que, atenta a regra do art. 376.º, n.º 1, do Código Civil, o contrato celebrado com a A. tem de considerar-se um documento particular que faz prova plena quanto ao sentido das declarações das partes que nele intervieram; 5. E ainda que o depoimento da única testemunha que sobre essa matéria formou a convicção do Tribunal pudesse ser atendível (ao arrepio dos arts. 238.º, n.º 1, e 393.º do Código Civil) uma coisa era a vontade contratual da R. na fase das negociações e outra era a que esteve presente na formulação e outorga do contrato escrito e cujo sentido não era, claramente, aquele que a testemunha refere; 6. Está-se a analisar (segundo parece evidente) o contrato oferecido como Doc. 1 com a petição inicial e que é um contrato de trabalho a termo certo celebrado entre as partes com a data de 27 de Setembro de 1995, sucessivamente renovado; 7. Analisando esse contrato nele pode ler-se: a) Nos fundamentos justificativos da estipulação do termo certo: - "Considerando que a reforma educativa, agora em começo de execução, vai implicar sucessivas alterações na organização do Colégio, não sendo possível definir, desde já e com estabilidade, qual o número de professores necessários e o tempo global de leccionação." b) Nas cláusulas do contrato: - Cláusula 1ª - "A FUNCIONÁRIA obriga-se a prestar a sua actividade docente no Colégio ...s ..."; - Cláusula 5.ª - "O horário de trabalho será de 15 horas semanais, às quais acrescerão as necessárias para reuniões de avaliação, serviço de exames e reunião trimestral, e ainda as previstas no artigo 20.º, n.º 1, alínea c) do Contrato Colectivo de Trabalho."; 8. O art. 20.º, n.º 1, c), do CCT para o Ensino Particular, estabelecia na versão então vigente (BTE nº 35/93) que: "1 -Para os trabalhadores com funções docentes o período normal de trabalho semanal é o seguinte: ....................................................................................................

    1. Nos 2.º e 3.º ciclos do ensino básico e no ensino secundário e nos estabelecimentos de ensino de línguas - vinte e duas a vinte e cinco horas lectivas semanais, mais quatro horas mensais destinadas a reuniões."; 9. Dúvidas não podem subsistir de que, no entendimento das partes claramente expresso no contrato celebrado as funções da A. enquanto Técnica de Laboratório de Físico-Química eram consideradas funções docentes, sendo a estipulação do termo justificada pela impossibilidade de definição do número de professores necessários, obrigando-se a A. a cumprir funções docentes e sendo o horário estipulado como o era para os docentes, estando a A. obrigada a comparecer para além do seu horário normal, nas reuniões de avaliação, no serviço de exames, nas reuniões trimestrais e ainda em quatro horas mensais de reuniões, como sucedia na fixação do horário dos restantes docentes; 10. Neste contexto é manifesto que o que as partes pretenderam foi equiparar as funções da A. a funções docentes, exigindo-lhe as mesmas obrigações que aos docentes eram exigidas, incluindo as decorrentes do cumprimento do horário e da obrigatoriedade de comparecer a reuniões e exames para além do horário; 11. E tanto assim é que, como consta dos recibos de vencimento da A. (Ver Docs. 3 a 7 oferecidos com a petição inicial) onde a categoria profissional da A. era indicada como sendo a de docente - Nível 25 e posteriormente com a modificação dos Níveis das tabelas salariais do CCT aparecia como Docente-Nível C11, a par da indicação de Auxiliar ou Técnica de Laboratório; 12. Tendo sempre a A. descontado para a Caixa Geral de Aposentações, situação só prevista nos estabelecimentos de ensino particular para os docentes - Ver facto provado sob o n.º 10 e Dec.-Lei 321/88; 13. E não podia ter sido valorado o depoimento da testemunha que veio "esclarecer" o sentido do contrato depondo de modo contrário ao que do contrato expressamente constava, porquanto nenhuma dúvida existia quanto ao facto de saber se o Nível 25 do CCT era o referente aos trabalhadores docentes ou não, porquanto o...

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