Acórdão nº 09B0677 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução14 de Maio de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA, menor, representado por sua mãe, BB, veio intentar acção, com, processo ordinário, contra CENTRO HOSPITALAR DE CC, E.P.E., pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de 28.750.000$00, correspondendo 27.250.000$00 a danos não patrimoniais e 1.500.000$00 a danos patrimoniais suportados por ela própria.

Alegando, para tanto, e em suma: O menor nasceu em 7/8/81, tendo, à saída do respectivo serviço hospitalar, revelado estado de saúde satisfatório.

Em 20/11/81, na sequência de internamento na Unidade de Cardiologia Pediátrica do Hospital de Santa Marta, foi-lhe diagnosticada uma "tetralogia de Fallot grave", qualificada como cardiopatia congénita cianótica, passando a partir de então a ter acompanhamento médico constante.

Na intervenção cirúrgica a que foi ultimamente submetido, com 6 anos de idade, ocorreu uma falha no fornecimento de oxigénio, através do ventilador, que não foi obviada pela equipa médica e de enfermagem que o assistiam, a qual teve como consequência directa e necessária graves lesões, que melhor descritas são na p. i., ficando o A., como sequelas de tais eventos, com redução significativa, permanente e irreversível nas suas capacidades físicas, motoras, orgânicas, sensoriais e intelectuais.

Tendo o A., por via da violação do dever de conduta de tal assistência hospitalar - estando-se em sede de responsabilidade extracontratual já que não foi ele a escolher a equipa interventora - sofrido danos de natureza não patrimonial, que melhor discrimina no seu articulado, no montante peticionado.

Tendo a sua mãe, por outro lado, suportado danos patrimoniais, que também melhor identifica, no montante também a tal respeito pedido.

Citado o réu, veio o mesmo contestar, alegando, também em síntese: O A. é parte ilegítima para pedir os danos alegadamente suportados por sua mãe, sendo inepta a p. i. a tal respeito.

Não houve qualquer negligência médica.

Replicou o A., mantendo a sua posição.

Foi proferido despacho saneador, sem recurso, tendo nele, alem do mais, sido julgada procedente a excepção da ilegitimidade do A. quanto à parte do pedido de 1.500.000$00, sendo o réu, nessa parte, absolvido da instância.

Foram fixados os factos tidos por assentes, tendo sido organizada a base instrutória.

Realizado o julgamento foi decidida a matéria de facto da base instrutória pela forma que do despacho junto de fls 444 e 445 consta.

Foi proferida a sentença, na qual, foi o Tribunal Cível julgado incompetente em razão da matéria para julgar a presente acção, com a absolvição do réu da instância.

Inconformado, veio o autor interpor, sem êxito, recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Lisboa.

De novo irresignado, veio o mesmo autor agravar para este STJ, formulando, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - O objecto do presente recurso é o Douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, a fIs., " dos autos, que negou provimento ao agravo e manteve a Sentença proferida em lª Instância que absolveu a ora agravada, com fundamento na incompetência absoluta do Tribunal Cível, ou seja, considerou que a competência para julgar a relação material controvertida pertencia ao Tribunal Administrativo.

  1. - O douto Acórdão, ora em crise, ao manter a decisão proferida na 1ª Instância violou os arts 497. °, 666.°, 673.° e 677.º do C.P.C., e ostensivamente os Princípios fundamentais do ordenamento jurídico - da certeza e segurança jurídicas - e o caso julgado, porquanto, previamente, 3ª - em sede de Despacho Saneador, propalado em Iª Instância, relativamente à mesma questão jurídica, o douto Tribunal Cível julgou-se materialmente competente para apreciar de mérito a relação material controvertida.

  2. - Acresce que, não sendo suficiente, ao manter a decisão surpresa consubstanciada na Douta Sentença proferida na Iª Instância, encontra-se irremediavelmente inquinado pela patente violação dos Princípios do contraditório (art. 3. °, nº 3 do C.P.C.) e do dispositivo (art. 264. °, n.º 1 do C.P.C).

  3. - Na verdade, aquela nulidade da Sentença foi oportuna e tempestivamente invocada, em sede de recurso.

  4. - Caso não seja este o entendimento, o Venerando Tribunal da Relação "a quo" ao considerar o Tribunal Cível absolutamente incompetente, em razão da matéria, para apreciar e julgar substantivamente, a questão controvertida, 7ª - violou os arts 18.º da LOFTJ, (aprovada pela Lei n.º 3/99), 66.° do C.P.C. e 20.°, n.º 4 e 212°, n.º 3, ambos da Constituição da República Portuguesa.

  5. - É que, à data da propositura da acção (23.06.1999), estava em vigor o ETAF constante do DL n.º 129/84, de 27.4 com as alterações introduzidas pelo D.L. n.º 229/96, de 29.11 e não o ETAF aprovado pela Lei n.º 3/2002, de 19.2 que entrou em vigor um ano após a data da sua publicação, com excepção do art. ° 7, que entrou em vigor no dia seguinte (conforme art. 9.º), sendo que, as novas disposições não se aplicavam aos processos que se encontrem pendentes à data da sua entrada em vigor (conforme o art. 2.°, n.º 1).

  6. - Daí que, a distinção entre actividade de gestão privada e de Direito Público continuava a relevar para a determinação do direito substantivo aplicável à relação jurídica controvertida e 10ª- a responsabilidade civil extra contratual em causa, nestes autos, na forma apresentada pelo agravante, surge conectada com o Direito à Saúde e Personalidade, conforme danos cuja compensação reclamou na petição inicial, a fIs ... , dos autos.

  7. - Assim, salvo o devido respeito por melhor opinião, o Douto Acórdão, proferido a fIs ... , dos autos, por enfermar dos vícios e violação dos Princípios e normas supra citados, deve ser revogado e/ou alterado e, em substituição, ser julgada a acção totalmente procedente por provada e a agravada condenada na instância e nos pedidos, com as demais consequências legais.

    O agravado não contra-alegou.

    Corridos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar e decidir.

    * As conclusões da alegação dos recorrentes, como é bem sabido, delimitam o objecto do recurso - arts 684º, nº 3 e 690º, nº 1 e 4 do CPC, bem como jurisprudência firme deste Supremo Tribunal.

    Sendo, pois, as questões atrás enunciadas e que pela recorrente nos são colocadas que compete apreciar e decidir.

    * Assim se podendo sintetizar as questões também aqui (1) suscitadas pelo recorrente: 1ª - O trânsito em julgado da decisão proferida no despacho saneador sobre a competência do Tribunal; 2ª - A da surpresa da sentença recorrida de 1ª instância, ao conhecer de questão antes não invocada pelas partes (2), sem prévio convite às mesmas para sobre ela se pronunciarem, assim violando os princípios do dispositivo e do contraditório.

  8. - A da competência dos tribunais cíveis para a decisão da questão de mérito suscitada; 4ª - A da, a assim não ser entendido, inconstitucionalidade da decisão proferida, por violação dos arts 20. °, n.º 4 e 212.°, n.º 3, ambos da Constituição da República Portuguesa.

    * Comecemos, naturalmente, pela primeira questão: a do trânsito em julgado da decisão proferida no despacho saneador sobre a competência do Tribunal.

    Tal como bem decidiu o Tribunal da Relação, bem se podendo apenas remeter a propósito, face ao disposto nos arts 762.º, nº 1, 749.º e 713.º, nº 5, todos do CPC(3), para a respectiva fundamentação do acórdão ora recorrido, a genérica decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, no despacho saneador, a propósito da competência do Tribunal (4) não transitou em julgado.

    Com efeito, tal como melhor nos explica Lebre de Freitas (5), a propósito da interpretação do art. 510.º, nº 3, na redacção em vigor nos autos: "Se, porem, o juiz referir genericamente que determinados pressupostos, dos constantes do artigo 494.º (por exemplo, a competência, a capacidade, a legitimidade ou os da coligação) ou outros (...), se verificam, o despacho saneador não constitui, nessa parte, caso julgado formal (art. 672.º) pelo que continua a ser possível a apreciação de uma questão concreta de que resulte que o pressuposto genericamente referido afinal não ocorre (...)".

    Esta doutrina, que decorre do nº 3, corresponde à solução da questão, controvertida no direito anterior, de saber se o despacho saneador genérico produzia caso julgado formal quanto á ocorrência dos pressupostos e à inexistência de nulidades, fora do caso da competência em razão da nacionalidade, matéria e hierarquia, em que a lei era expressa em dizer que assim não era (art. 104.º, nº 2 (6))/ (7).

    Não transitou, pois, sem necessidade de mais, o despacho saneador na parte respeitante à genérica decisão aí proferida sobre a competência do Tribunal.

    * Passemos à segunda questão: a da surpresa da sentença recorrida de 1ª instância, ao conhecer de questão antes...

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