Acórdão nº 3116/06TVLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 07 de Maio de 2009

Magistrado ResponsávelHELDER ROQUE
Data da Resolução07 de Maio de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM OS JUÍZES QUE CONSTITUEM O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AA propôs a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra o "Banco BB, SA", pedindo que, na sua procedência, o réu seja condenado a pagar à autora a quantia de €26.708,38, acrescida de juros, à taxa legal, desde a data da apresentação da petição inicial, até integral pagamento, sobre o montante de €26.531,00, alegando, para tanto, e, em síntese essencial, que é titular de uma conta de depósito a prazo, no Banco, ora réu, de cuja promissória consta que o mesmo pode ser desmobilizado, a qualquer momento, mediante pedido do respectivo titular.

Porém, quando a autora solicitou ao réu a liquidação da totalidade da referida conta de depósito, este recusou-se a satisfazer essa sua pretensão, invocando que, para garantia de uma conta corrente caucionada, foi constituído penhor sobre uma determinada aplicação financeira que, uma vez vencida, e com o respectivo produto, originou uma conta depósito a prazo, cujo saldo foi utilizado pelo réu para liquidação da dívida, quando este denunciou o contrato de conta corrente caucionada, por incumprimento, por considerar que aquela conta era constituída com o produto dos fundos que haviam sido objecto de penhor.

Mas, a existir contrato de penhor, continua a autora, o mesmo tem um objecto diverso da conta bancária, não podendo o réu, por isso, recusar-lhe a entrega do respectivo montante, pelo que, ao fazer sua essa quantia, violou o contrato de depósito, agindo com abuso de direito da sua posição dominante.

Na contestação, o réu alega que foi celebrado um contrato de conta corrente e penhor sobre uma aplicação financeira, constituindo-se a autora, por essa via, garante das responsabilidades resultantes do referido contrato, tendo constituído penhor sobre aquela aplicação financeira, com as pessoas que indica, e com o respectivo produto foi criada a aludida conta depósito a prazo, passando o penhor a incidir sobre esta, à qual o réu não renunciou.

Na tréplica, a autora alega que não interveio, fosse por que forma fosse, na cobrança do crédito resultante do vencimento da aplicação financeira, não podendo o réu ter recebido e, muito menos, unilateralmente, fazer passar a incidir o penhor sobre o dinheiro obtido pela cobrança do crédito, pois que sendo o depósito a prazo um direito diverso do dinheiro, não foi nem poderia ter sido o crédito constituído pelas obrigações empenhadas.

A sentença julgou a acção, parcialmente, procedente por provada, e, em consequência, condenou o réu a pagar à autora a quantia de €26 425,38, acrescida de juros, à taxa legal de 4%, desde 18 de Março de 2006 até à presente data, e, desde a presente data até integral pagamento, à taxa legal que vigorar, absolvendo-o do mais peticionado.

Desta sentença, o réu interpôs recurso, tendo o Tribunal da Relação julgado improcedente a respectiva apelação.

Do acórdão da Relação, o mesmo réu interpôs recurso de revista, terminando as alegações com o pedido da sua revogação e substituição por outro que o absolva do pedido, formulando as conclusões que, seguidamente, se transcrevem: 1ª - As instâncias entenderam, e bem, que o penhor constituído sobre a Aplicação Especial 2001 - Obrigações passou a incidir sobre a respectiva prestação, logo que se venceu aquela aplicação, aplicando, assim, o disposto no artigo 685.º, n.° 1, in fine do Código Civil.

  1. - Porém, ao entenderem que a constituição, pelo Banco recorrente, de uma conta de depósito a prazo em nome da autora com o produto daquela aplicação equivale à entrega, àquela, da prestação do crédito empenhado, o que redundaria na extinção do penhor (artigo 685.°, n.°4 do Código Civil), falharam as instâncias na qualificação jurídica dos factos assentes.

  2. - A constituição, com o produto da aludida Aplicação Especial 2001-Obrigações, de uma conta de depósitos a prazo em nome da autora, redundou na celebração de um contrato de depósito (irregular - artigo 1205.° do Código Civil).

  3. - Quer isso dizer que, por inerência de conceito (artigo 1185.° do Código Civil), quem ficou com a prestação resultante da Aplicação Especial 2001 foi o Banco recorrente (seu depositário) e não a autora (que permaneceu como respectiva credora, não havendo notícia nos autos que em algum momento tenha estado na posse dessa prestação).

  4. - Para ser estritamente rigoroso, dado o carácter irregular do depósito, com a respectiva constituição o Banco recorrente ficou com a propriedade dos valores depositados, obrigando-se a entregar à autora outro tanto do mesmo género e qualidade (artigos 1142.° e 1144.°do Código Civil, aplicáveis por força do disposto no artigo 1206.° do mesmo diploma).

  5. - Por isso que, com o devido respeito por opinião diversa, a conclusão a que chegaram as instâncias, segundo a qual com a constituição do contrato de depósito houve entrega à autora da prestação resultante dos direitos empenhados, não se coaduna, pois, com a noção de contrato de depósito.

  6. - Não é, por isso, aplicável o n.° 4 do artigo 685.° do Código Civil.

  7. - O penhor constituído sobre a Aplicação Especial 2001 mantém-se, pois, sobre a respectiva prestação (artigo 685.°, n.° 1 do Código Civil) e, por conseguinte, está legitimada a recusa do Banco recorrente em entregar à autora os valores depositados na conta de depósitos à ordem em causa.

  8. - Quanto à circunstância de no documento intitulado "Promissória de Depósito a Prazo" constar declaração do Banco recorrente segundo a qual o titular da conta a poderia desmobilizar a qualquer momento, esta não releva numa declaração de renúncia ao penhor, não podendo ser interpretada com esse sentido.

  9. - Devidamente enquadrada no contexto que os autos nos fornecem - i.é., recordando-se que as partes constituíram o penhor sem determinação de prazo e que ficou previsto que deveria subsistir enquanto as responsabilidades garantidas se encontrassem em dívida - número 2, clausula 14/, da matéria assente - conclui-se que o sentido daquela declaração não pode ser outro que não seja a de significar a possibilidade dada ao titular da conta de a desmobilizar a mera solicitação sua, desde que, por qualquer motivo, tenha cessado o penhor incidente sobre os respectivos valores.

  10. - A solução é idêntica à que resultaria na hipótese em que tivesse sido constituído, por contrato celebrado entre o Banco recorrente e a autora, penhor sobre conta de depósitos a prazo, fazendo-se constar desse mesmo contrato uma cláusula que ditaria, sem mais, que a conta poderia ser desmobilizada a mera solicitação da sua titular.

  11. - Da circunstância de a conta de depósitos a prazo se ter renovado em 27.02.2006 não resulta a extinção do penhor, pois que a renovação implica que se celebrou um contrato idêntico ao anterior, mantendo-se, por isso, o penhor.

  12. - Por todos estes motivos é forçoso concluir-se que o penhor constituído sobre a Aplicação Especial 2001 - Obrigações passou a incidir sobre a respectiva prestação, mantendo-se a garantia plenamente vigente e sendo, por isso, perfeitamente legítima a recusa do Banco recorrente em entregar à autora os valores depositados.

    Nas suas contra-alegações, a autora conclui no sentido de que deve ser confirmado o acórdão recorrido.

    O Tribunal da Relação declarou demonstrados os seguintes factos, que este Supremo Tribunal de Justiça tem como aceites, nos termos das disposições combinadas dos artigos 722º, nº 2 e 729º, nº 2, do Código de Processo Civil (CPC), mas reproduz, aditando-lhe, porém, um novo facto, sob a alínea J), com base no teor do contrato existente nos autos e nos termos do disposto pelos artigos 373º, nºs 1 e 2 e 376º, nºs 1 e 2, do Código Civil, 659º, nº 3, 713º, nº 2 e 726º, do CPC: A 18 de Maio de 1999, o Banco Mello, SA, na qualidade de 1º contraente, Joaquim ..., e Ana R..., titulares da conta no Banco Mello n.º 50000000000, na qualidade de 2ºs contraentes ou beneficiários, e Cecília...e Ana ..., titulares da conta no Banco Mello n.º 5000000, subscreveram o instrumento...

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