Acórdão nº 08B0749 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelMARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Data da Resolução23 de Abril de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: 1. No âmbito de uma acção proposta em 6 de Maio de 1997 por AA, com posterior intervenção da sua filha BB, contra BII - Banco de CC, SA (relativamente ao qual a instância veio a ser considerada extinta, por despacho de fls. 382) e DD- Companhia Portuguesa de Seguros, SA, pedindo a condenação de DD- Seguros, SA no pagamento de 10.050.000$00, acrescidos de juros, por morte de sua mulher, invocando para tanto um contrato de seguro de vida, foi proferido, a fls. 412, o seguinte despacho: "Requerimento de fls. 396, ponto 2 - Indeferido porquanto se nos revela desnecessário para a decisão da causa solicitar os elementos em apreço que violariam o segredo profissional.

Porém, para que se esclareça a verdade, determino que se oficie ao IPO (...) para que se informe a data em que a falecida EE aí começou a receber tratamento à neoplasia da mama que veio a determinar a sua morte".

Estava então em causa um requerimento no qual, invocando o disposto nos "artigos 265º, 266º, 519º, 528º e 535º do Código de Processo Civil" e o objectivo de "informar/provar o vertido nos quesitos da base instrutória", a ré DD- Companhia Portuguesa de Seguros, SA, requereu a notificação do Instituto Português de Oncologia para juntar "os registos clínicos de EE, designadamente a informação sobre a data de admissão no IPO, bem como a data da realização da primeira consulta de grupo".

Em resposta ao despacho de fls. 412, o Instituto Português de Oncologia veio "informar que a doente (...) foi inscrita nessa Instituição em 09/05/1995, tendo iniciado tratamento em 17/05/1995".

Com efeito, na petição inicial com que propôs a acção o autor tinha alegado, por entre o mais, que EE tinha falecido em 24 de Abril de 1996 "em virtude de neoplasia da mama", juntando para o efeito, a fls. 36, o certificado de óbito; e alegara, ainda, referindo-se à "neoplasia da mama": "doença esta súbita, imprevisível e de curta duração - 2 meses".

Na contestação, a ré invocara, nomeadamente, a excepção de que a doença causadora da morte já existia antes do preenchimento da proposta de adesão ao seguro, e que, quer a falecida, quer o autor, disso tinham então conhecimento; que era pois falsa a declaração relativa ao estado de saúde e, portanto, inválido o contrato de seguro.

E fora quesitado (cfr. base instrutória, a fls. 390) se "na data do preenchimento da proposta de seguro (...), entregue à Ré DDem 26/2/96, a EE tinha conhecimento de que padecia da neoplasia da mama" (quesito 1º) e se "o Autor também tinha conhecimento disso, na data referida"(quesito 2º).

Ao julgar a matéria de facto (a fls. 730), o tribunal respondera provado a ambos os quesitos; e um dos elementos indicados para fundamentar a resposta foi, efectivamente, a informação prestada, a fls. 468, pelo Instituto Português de Oncologia.

A sentença, a fls. 797, veio a julgar nulo o contrato de seguro e, portanto, improcedente a acção, tendo condenado o autor como litigante de má fé, nos seguintes termos: "o Autor, não obstante saber que a falecida esposa na data em que preencheu a proposta de seguro já tinha a neoplasia da mama e que ela sabia disso, não se inibiu de vir deduzir a pretensão que formula contra a seguradora na presente acção e de alegar que a doença teve a duração de dois meses".

Está pois, justificada a relevância que teve, no processo, a informação que o Instituto Português de Oncologia veio prestar em cumprimento do despacho de fls. 412 e, por esta via, a utilidade do presente recurso.

  1. O despacho de fls. 412 foi, porém, revogado pelo acórdão da Relação do Porto de fls. 1113, em julgamento de agravo interposto pelo autor, nestes termos: "O problema posto neste agravo acaba por ser central a todo o debate da causa.

    Defende o recorrente que dados como são, por exemplo, as datas de consulta e de internamento numa instituição hospitalar especializada dizem respeito à esfera de reserva íntima e estão por conseguinte sob sigilo médico.

    Pelo contrário a tese que fez vencimento no despacho recorrido restringe o segredo e a inclusão na esfera reservada da personalidade aos dados de diagnóstico e tratamento.

    Poderíamos também seguir uma tese intermédia, considerando que a crise neste plano é, sim, de dados da esfera íntima mas que foi exposta pela interessada na guarda do segredo, quando respondeu, na proposta de seguro de vida a questões sobre a sua saúde.

    Contudo, devemos assentar em que na verdade as notícias sobre datas de consultas médicas e de internamentos hospitalares das pessoas comuns, porque não tem qualquer relevância pública, a não ser estatística, são naturalmente absorvidas na esfera privada, não podendo ser acedidas sem o consentimento.

    Importa pois pôr o problema de a falecida EE ter exposto ou não essa zona de reserva ao aceitar responder sobre a sua saúde.

    Mas tendo ela dito não sofrer de qualquer doença (resposta tabelar), encerrou de novo a reserva sobre a sua saúde, pois não forneceu, em boa verdade, quaisquer dados reservados e relevantes.

    Teremos nós, por conseguinte, de considerar que na circunstância das respostas negativas, congruentes ou não, mas sobre um dado essencial à contratação, se devolve à contraparte a segurança das informações recolhidas.

    Com efeito, é prática comum institucionalizada nas companhias de seguros do ramo vida, correr pelos serviços clínicos das seguradoras a consulta geral, pelo menos quando o proponente se declara saudável.

    Sendo este o caso, tem razão o agravante: não é através do segurado ou de dados reservados do segurado que a R. DD pode concorrer para a prova, que lhe incumbe, da falta resolutiva do contrato, e imputável a EE, segundo a tese que defende.

    O pedido feito ao IPO e respondido pelo hospital infringe o art.º 7º, n.º 1 da Lei n.º 67/98, 22 de Outubro, como muito bem se demonstra numa leitura...

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