Acórdão nº 06P0303 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelFERNANDO FRÓIS
Data da Resolução22 de Abril de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: No Círculo Judicial de Vila Franca de Xira, no processo comum nº 303/06.0 GEVFX do 1º Juízo Criminal de Vila Franca de Xira, foi submetido a julgamento perante Tribunal Colectivo, o arguido: - AA, identificado nos autos.

Era-lhe imputada a prática, em autoria material e concurso real, de: - Um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22º, 23º e 131, todos do Código Penal; e - Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. à data dos factos, pelo artigo 275º-1, do CP e actualmente, pelo artigo 86º-1-a), com referência ao artigo 3º-1 e 2-a), todos da Lei nº 5/2006, de 23.02.

CC requereu que lhe fosse arbitrada uma quantia a título de compensação por prejuízos sofridos.

A final, foi proferida sentença que, além do mais: Julgou parcialmente provada a acusação e condenou o arguido BB: Como autor material e em concurso real: a) De um crime de homicídio simples na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º, 131.º do Cód. Penal, na pena de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão; b) De um crime de detenção de arma proibida, p. e p. à data dos factos pelo art. 275.º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; c) Em cúmulo jurídico das referidas penas de prisão parcelares, condenar o arguido na pena única de 5 (cinco) anos e 10 (dez) meses de prisão; E indeferiu o requerimento de arbitramento de compensação formulado pelo ofendido CC, ao abrigo do disposto no art. 82.º-A, do Cód. Proc. Penal.

Inconformado com tal condenação, o arguido interpôs o presente recurso para este STJ, pugnando pela nulidade do acórdão recorrido por falta ou insuficiente fundamentação ou, se assim se não entender, pugna pela atenuação extraordinária da pena (relativa ao homicídio tentado) que, segundo ele, deveria ter sido fixada em 2 anos e 10 meses de prisão e, a pena respeitante ao cúmulo jurídico (com o crime de detenção de arma proibida) deveria ter sido fixada em 3 anos e 10 meses de prisão.

Termina a respectiva motivação com as seguintes - - - - CONCLUSÔES: 1. A legítima defesa tem a sua base assente em quatro pilares objectivos, ou seja, a ocorrência de uma agressão actual, ilícita, só neutralizável através de um acto defensivo, acto esse que se deve restringir á utilização do meio ou meios suficientes para pôr termo á agressão.

  1. O que se põe em causa fundamentalmente no presente recurso é o juízo de valor objectivo emitido pelo Tribunal recorrido; 3 - Tal juízo de adequação é nulo pode deixar de ter em causa todas as circunstâncias específicas de cada caso, nomeadamente a intensidade da agressão, a especial perigosidade ou temeridade do agressor, o bem ou interesse agredido, a Idade e a compleição física de ambos e todas as demais circunstâncias.

  2. Quem se defende não está obrigado a servir-se de meios ou medidas cuja eficácia para a sua defesa, não são seguras nem certas.

    S. Nas circunstâncias descritas no caso concreto e dado como provado, a qualquer cidadão comum prudente, que estivesse na posição do recorrente, não era possível agir de outro modo, com outro meio, sendo normal um estado de perturbação e medo; 6. Pois está provado que a vítima não se atemorizou com os tiros de intimidação para o chão, atacando o arguido por três vezes, na cabeça, tronco e membros; 7. Aliás, só consegue parar as "Investidas" do ofendido com o 4° tiro imediatamente após um pontapé na cabeça de que foi alvo; 8. Não se demonstrou que o arguido após ter sofrido as agressões físicas, tivesse ao seu alcance outro meio de defesa; 9. Portanto o arguido agiu em legitima defesa, ou quando multo em excesso de legitima defesa, que o tribunal na nossa modesta opinião não considerou, 10 -Pese embora, o tribunal considerar factos que, objectivamente, apontam no sentido da verificação dos requisitos do instituto da legitima defesa, previstos no artigo 32º do CP.

  3. Se por mera hipótese se vier a considerar que não estão reunidos 05 pressupostos da legitima defesa ou do excesso, a verdade é que a pena aplicada ao arguido se mostra excessiva, atendendo a todas as circunstâncias que envolveram a prática do crime, justificando-se plenamente uma atenuação especial da pena, e em concreto uma pena de 2 anos e dez meses de prisão e em cúmulo jurídico na pena única de 3 anos e dez meses de prisão 12. O douto acórdão recorrido é nulo por falta ou insuficiente fundamentação exigida pelo artigo 3740 nº 2 do CPP ex vi artigo 379º nº 1 al. a) do CPP, quanto á intenção de matar ou quanto á intenção de se defender, fazendo-a por mera remissão para os factos provados, tornando tal interpretação violadora do artigo 32º nº 1 da CRP.

  4. A decisão recorrida ao considerar que os factos provados não configuram legitima defesa, violou o disposto no artigo 32º do Código Penal; 14. Violando também por erro de aplicação e interpretação os artigos 40° nº 2, 71°,72º, e 73º, do mesmo diploma legal, conforme se motivou e para aí integralmente se remete.

    Respondeu o Exmº Magistrado do MºPº junto do 1º Juízo Criminal do Tribunal de Vila Franca de Xira, pugnando pelo não provimento do recurso e pela manutenção do decidido.

    Na respectiva motivação, formular as conclusões seguintes: - - - - - 1) O tribunal fez criteriosa análise da prova, apreendendo a essencialidade e o objecto da matéria em litígio.

    2) O douto acórdão recorrido mostra-se inequivocamente fundamentado, dando cumprimento ao dever de fundamentar, contido no nº 2, do art. 374º do Código de Processo Penal, 3) 0 tribunal justifica e avalia a sua razão de ciência, indica os factos donde ela derivou e enumera os elementos de prova de que se socorreu.

    4) O tribunal recorrido fundamentou com clareza e profundidade mais do que suficiente o processo lógico com base no qual, de acordo com o princípio enunciado no art. 127°, do Código de Processo Penal, formou a sua convicção.

    5) O douto acórdão recorrido não enferma de nenhuma nulidade.

    6) As causas de exclusão de ilicitude encontram-se estabelecidas no art. 31º do Código Penal.

    7) Não é ilícito, entre outros, o facto praticado em "legítima defesa".

    8) Constitui legítima defesa, nos termos do art. 32º do Código Penal, o facto praticado como meio necessário para repelir a agressão actual e ilícita de interesses juridicamente protegidos do agente ou de terceiro.

    9) No caso dos autos não se verificam os pressupostos da legítima defesa.

    10) Foi provado que se verificou desnecessidade do meio empregue para afastamento da agressão do ofendido, dada a superioridade em que se encontrava o arguido, pois que possuía uma arma de fogo, municiada, e capaz de disparar, quando o ofendido se encontrava desprotegido.

    11) Nunca o arguido poderá ter temido pela sua vida, pois tinha em seu poder a pistola, enquanto que o ofendido não empunhava qualquer instrumento de agressão.

    12) 0 arguido claramente age com intuito punitivo.

    13) 0 arguido visou, e logrou, atingir o ofendido numa zona do corpo onde se encontram alojados os órgãos vitais.

    14) 0 crime de homicídio na forma tentada é punível com pena cuja moldura abstracta vai de um ano, sete meses e seis dias de prisão até dez anos e oito meses de prisão, nos termos das disposições combinadas do arts. 131.°, 23.°- 2 e 73.°-1, als. a) e b), do Código Penal.

    15) Toda a pena tem, como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta. Daí que não haja pena sem culpa - nulla poena sine culpa.

    16) A culpa constitui também o limite máximo da pena (art. 40º - 2, do Código Penal) 17) Há que atentar, ainda, nas exigências de prevenção, quer geral, quer especial.

    18) A douta decisão ao aplicar as penas concretas já acima indicadas e ao realizar o cúmulo jurídico de penas demonstrou uma relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta aplicada e a avaliação dos factos e da personalidade do arguido, aplicando ao arguido a pena única de cinco anos e dez meses de prisão, que nos parece responder às exigências de prevenção geral e especial, e de acordo com a culpa do recorrente.

    19) A atenuação especial da pena só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais.

    20) As situações descritas no nº 2 do art. 72º não têm o efeito automático de atenuar especialmente a pena.

    21) Ao contrário do pretendido pelo arguido/recorrente, não se verifica qualquer circunstância, anterior ou posterior ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam a ilicitude dos factos, da culpa do agente ou a necessidade da pena.

    A Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal teve vista do processo nos termos do artigo 417º-1 do CPP e emitiu douto e bem fundamentado processo no sentido de que o recurso não merece provimento quer porque dos factos provados não se indicia uma situação de legítima defesa ou excesso desta, sendo certo que está provado que o arguido agiu com intenção de matar o ofendido; e a medida das penas parcelares e únicas mostram-se bem doseadas e fundamentadas, devendo ser mantidas.

    Foi cumprido o disposto no artigo 417º-2 do CPP.

    Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

    As questões suscitadas pelo recorrente e a decidir são as seguintes: 1 - O acórdão recorrido é nulo por falta ou insuficiente fundamentação quanto á intenção de matar ou quanto à intenção de se defender? 2 - Os factos provados mostram que o arguido agiu em legítima defesa ou excesso de legítima defesa? 3 - A pena respeitante ao crime de homicídio simples na forma tentada, deveria ser especialmente atenuada e, por isso, não deveria ser superior a 2 anos de prisão? E, por isso, a pena aplicada em cúmulo (com o crime de detenção de arma proibida) deveria quedar-se pelos 3 anos e 10 meses de prisão? Vejamos então: É a seguinte a matéria de facto provada: a) No dia 1 de Julho de 2006, cerca das 23.30 horas, CC dirigiu-se ao posto de abastecimento de combustíveis da Galp, sito na E.N. n.º 10, em Alhandra, área desta comarca, com o intuito de abastecer o seu veículo automóvel Peugeot 306 de matrícula ...-...-CL; b) Neste veículo seguiam também...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT