Acórdão nº 08S3083 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Abril de 2009

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução22 de Abril de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA intentou, em 29 de Outubro de 2004, no Tribunal Judicial da Comarca de Praia da Vitória, a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra Caixa de Crédito Agrícola dos Açores, CRL, pedindo que seja declarada a ilicitude do seu despedimento, operado em 10 de Novembro de 2003, no termo do processo disciplinar que lhe foi movido pela Ré.

Em síntese, alegou que os comportamentos que lhe foram imputados e que serviram de fundamento à decisão disciplinar não constituem justa causa de despedimento por serem manifestamente alheios à relação de trabalho e insuficientes para que se considere que tal relação se tornou insustentável por forma a inviabilizar a sua manutenção.

Solicitou que, na procedência da acção, fosse a Ré condenada a reintegrá-lo no seu local de trabalho, com a categoria e a antiguidade que teria se não tivesse sido despedido, e a pagar-lhe as quantias, vencidas entre a data do despedimento e a da decisão final, correspondentes às remunerações mensais, às retribuições de férias e aos subsídios de férias e de Natal, acrescidas de juros, à taxa de 4%, desde as datas dos respectivos vencimentos até integral pagamento, tudo a liquidar em execução de sentença.

Na contestação, a Ré sustentou, em súmula, que o Autor foi despedido com justa causa, no seguimento de processo disciplinar, porquanto: - No exercício das suas funções de caixa-móvel/prospector, deslocando-se em viatura da Ré, em visitas que fez ao estabelecimento de supermercado de um cliente daquela, com vista proceder à recolha de depósitos, no período compreendido entre início de 2002 e meados de Junho de 2003, retirou do referido estabelecimento produtos expostos para venda (duas ou três garrafas de vinho, uma de champanhe e uma de whisky, uma caixa de lâminas de barbear e uma lata de espuma de barbear) e levou-os consigo sem proceder ao pagamento do respectivo preço; - Sendo que, umas vezes saía pela porta dos fundos e outras vezes escondia os produtos, colocando-os na mala, propriedade da Ré, que usava no seu serviço de prospecção; - Em Novembro de 2002, durante uma visita ao dito estabelecimento, na secção de talho, o Autor pediu alguns bifes de vaca, juntamente com outros produtos, e levou-os consigo sem os pagar, vindo a ser confrontado, na visita seguinte, com este facto pelo proprietário, altura em que alegou distracção e procedeu ao pagamento do preço.

- Em meados de Junho de 2003, o proprietário do supermercado proibiu o Autor de voltar a entrar no estabelecimento, após ter visualizado uma gravação do sistema interno de segurança que confirmava ter o Autor retirado uma garrafa de vinho que levou sem pagar, facto este que o Autor começou por negar e só reconheceu depois de confrontado com a gravação; - A partir de então, os depósitos passaram a ser efectuados pessoalmente, pela esposa do proprietário do supermercado, no balcão da Ré; - O Autor não deu conhecimento à Ré daquela proibição; - Com as suas condutas o Autor violou os deveres consignados nas alíneas a) e f) do artigo 20.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969, nas alíneas d) e f) do n.º 2 do artigo 9.º do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, e nas alíneas b) e d) da Cláusula 33.ª do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para as Instituições de Crédito Agrícola Mútuo, mostrando-se ajustada a sanção disciplinar do despedimento.

Na 1.ª instância foi proferida sentença em que se decidiu julgar a acção totalmente procedente e, em consequência, declarar ilícito o despedimento do Autor e condenar a Ré nos termos peticionados.

  1. A Ré apelou com sucesso, pois o Tribunal da Relação de Lisboa revogou a decisão da 1.ª instância, o que motivou o Autor a interpor o presente recurso de revista, cuja alegação rematou com as conclusões assim redigidas: 1. A recorrente deveria ter sido notificada, nos termos do artigo 690.°, n.° 4, do Código de Processo Civil.

  2. Dado que das conclusões da alegação de recurso resulta que a mesma não cumpriu com o estatuído no n.° 2, do artigo 690.° do Código de Processo Civil.

  3. Pelo que o acórdão recorrido deverá ser anulado e substituído por outro que mande suprir a falta, sob pena de não haver conhecimento do recurso (CPC, artigo 690.°, n.° 4).

  4. Não resultaram provados factos, com os quais se possa concluir objectivamente que a relação de confiança subjacente à relação de trabalho ficou irremediavelmente comprometida.

  5. Pelo contrário, ficaram provados factos que demonstram a inexistência de qualquer prejuízo para a recorrente: esta não perdeu clientela, nem sequer o cliente visado.

  6. A situação em causa não se reflectiu no exterior, pois ficou provado que só os empregados da recorrente tiveram conhecimento do sucedido.

  7. Contrariamente ao pretendido e ignorado pelo recorrente, ficou assente nos processos disciplinar e judicial, que o recorrido é um trabalhador exemplar, com cerca de 16 anos de casa, e com um comportamento irrepreensível.

  8. O que tudo ponderado é suficiente para que fazendo um juízo de prognose se diga que a conduta do recorrido não se voltará a repetir.

  9. Por todo o exposto, a decisão recorrida (acórdão) violou as normas do artigo 690.°, n.° 4 do CPC e artigo 9.°, n.os 1 e 2, alínea e) do DL n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro.

    Termos em que o recurso deverá ser julgado procedente, devendo, consequentemente, ser mantida revogado o acórdão recorrido, mantendo-se a sentença proferida pela primeira instância, fazendo-se, deste modo, JUSTIÇA.

    A recorrida contra-alegou a pugnar pela improcedência do recurso.

    Neste Supremo Tribunal, a Exma. Magistrada do Ministério Público emitiu parecer em que sustentou não revestirem os comportamentos do Autor gravidade bastante para pôr em causa, de forma imediata e na prática, a relação laboral e justificar a sanção do despedimento.

    A tal parecer respondeu a Ré para reafirmar a posição assumida na contra-alegação.

    Corridos os vistos, cumpre decidir.

    II 1.

    São duas as questões suscitadas na alegação da revista: uma de natureza processual, que se prende com a alegada violação do disposto no artigo 690.º, n.os 2 e 4, do Código de Processo Civil (CPC) - versão anterior à da revisão operada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto - (conclusões 1 a 3); outra de natureza substantiva, que consiste em saber se ocorreu justa causa para o despedimento do Autor (conclusões 4 a 8).

  10. Relativamente à primeira questão, alega o Autor que, nas conclusões do recurso de apelação, a Ré não cumpriu o estipulado pelo artigo 690.º, n.º 2, do CPC - diploma a que, na versão que resultou da revisão efectuada conjugadamente pelos Decretos-Leis n.os 329-A/95, de 12 de Dezembro, e 180/96, de 25 de Setembro, aqui aplicável, pertencem todas normas que, neste ponto, vierem a ser referidas -, uma vez que da respectiva alegação «não resulta quais as normas jurídicas violadas pela decisão recorrida, o sentido em que as normas que servem de fundamento da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicadas, e havendo erro na norma jurídica aplicável, qual a norma que, no entender do recorrente, deveria ter sido aplicada», pelo que a Ré, então apelante, «deveria ter sido convidada a apresentar as especificações a que se refere o n.º 2 do artigo 690.º, do Código de Processo Civil», e não tendo tal acontecido, «o acórdão recorrido deverá ser anulado e substituído por outro que mande suprir a falta sob pena de não haver conhecimento do recurso».

    Já na resposta ao recurso de apelação, o Autor havia suscitado a necessidade de ser formulado convite à apelante para aperfeiçoar as conclusões, no apontado sentido, o que mereceu da Exma. Desembargadora Relatora, no despacho preliminar, a observação de que «a especificação da norma jurídica violada a que alude o art. 690.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, referida pelo apelado, como fundamento do convite ao aperfeiçoamento, apenas é exigível nos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça (neste sentido Rodrigues Bastos, "Notas ao Código de Processo Civil", vol. III, págs. 300 e 301)».

    Sob a epígrafe "Ónus de alegar e formular conclusões", o artigo 690.º dispunha: 1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual concluirá, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

    2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar : a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.

    [...] 4. Quando as conclusões faltem, sejas deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o n.º 2, o relator deve convidar o recorrente a apresentá-las, completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, sob pena de não se conhecer do recurso, na parte afectada; os juízes-adjuntos podem sugerir esta diligência, submetendo-se a proposta a decisão da conferência.

  11. A parte contrária é notificada da apresentação do aditamento ou esclarecimento pelo recorrente, podendo responder-lhe no prazo de 10 dias.

    [...] Antes da reforma do Código de Processo Civil de 1995/96, não existia norma semelhante à do n.º 2 do artigo 690.º que se transcreveu, mas a jurisprudência vinha afirmando a exigência de indicação da norma jurídica violada nas conclusões dos recursos interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça, sob pena de não se conhecer do respectivo objecto, orientação fundada na consideração de que, em tais recursos, a indicação da lei violada era indispensável para a delimitação objectiva dos...

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