Acórdão nº 08B2421 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 31 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelSERRA BAPTISTA
Data da Resolução31 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: I - AA veio intentar acção, com processo ordinário, contra o ESTADO PORTUGUÊS, pedindo a condenação deste no: a) pagamento da quantia de € 25 000, a título de indemnização por danos não patrimoniais; b) pagamento de todas as prestações vencidas e vincendas do diferencial do complemento de pensão nos termos do art. 9º do DL 236/99, de 25 de Junho, para o montante devido à fórmula da redacção do mesmo preceito legal, introduzida pelo art. 1º da Lei 25/2000, de 23 de Agosto, num total de 14 prestações anuais, a partir de 23 de Agosto de 2000, até aos 70 anos; c) pagamento vitalício dos abonos mensais correspondentes ao diferencial para o 3º escalão de vencimentos, desde 15 de Janeiro de 2001 e das posteriores actualizações que, entretanto, se verificarem; d) pagamento de juros de mora, à taxa legal, desde as datas em que as prestações reclamadas passaram a ser devidas.

Alegando, para tanto, e em suma: Face aos sucessivos diplomas legais publicados, em que o Governo extravasou as suas competências e a Assembleia da Republica se esqueceu de repristinar, assim fazendo mau uso dos instrumentos legislativos que lhes são confiados, viu o autor, que ascendeu ao actual posto de coronel do exército em 1 de Setembro de 1988, prejudicada a sua situação estatutária e profissional, com as inerentes perdas a nível da retribuição que lhe é devida.

Tendo-se sentido, por via de tal situação, deprimido e moralmente afectado, mormente face à prematura situação de ociosidade que lhe foi imposta, com repercussões no seu relacionamento familiar e social, como melhor descreve no art. 30º da sua p. i.

Citado o réu, veio contestar, pugnando pela ineptidão da petição inicial e, a assim não se entender, pela improcedência da acção.

Replicou o autor, sustentando a improcedência da arguida excepção.

Foi proferido despacho saneador, no qual, alem do mais, foi julgada improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial. Foram, fixados os factos tidos por assentes e organizada a base instrutória.

Deduziu o autor articulado superveniente, face à repristinação do regime de passagem à reforma, previsto no art. 7º, nº 4 da lei 15/92, de 5 de Agosto, o qual foi admitido por despacho de fls 212.

Realizado o julgamento, foi decidida a matéria de facto da base instrutória, pela forma que do despacho junto de fls 329 a 331 consta.

Foi proferido despacho, no qual foi oficiosamente decidida a incompetência do Tribunal em razão da matéria, com a absolvição do réu da instância.

Inconformado, agravou o autor, tendo a Relação, no provimento do mesmo, revogado a decisão recorrida, mandando que fosse substituída por outra que assegurasse os ulteriores termos do processo, considerando-se o tribunal materialmente competente.

Proferida a sentença, foi a acção julgada improcedente, com a absolvição do réu dos pedidos contra ele formulados.

Inconformado, veio o autor interpor, com êxito, recurso de apelação, tendo a Relação, na revogação da sentença recorrida, condenado o réu a pagar ao autor as seguintes quantias: A) € 15.000 a título de danos não patrimoniais; B) a título de danos patrimoniais, a quantia correspondente às prestações vencidas e vincendas do diferencial do complemento da pensão, nos termos do art. 9º do DL 236/99, para o montante devido considerando o art. 1º da Lei 25/2000, de 23 de Agosto, até aos 70 anos do autor; C) o valor correspondente ao diferencial para o 3º escalão de vencimentos, desde 15 de Janeiro de 2001, até à reforma, ou seja, até 5 de Novembro de 2006, com as respectivas actualizações; D) juros de mora vencidos desde a data em que as prestações individualmente consideradas deveriam ter sido pagas e vincendos até integral pagamento.

Irresignados com tal aresto, vieram, réu e autor, pedir revista.

Formulando o réu ESTADO PORTUGUÊS, na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - Sobre a ilicitude e a culpa da actuação do Estado já existe caso julgado pelo que não podem elas ser aqui questionadas; 2ª - Contudo, da factualidade provada não resulta, em nosso entendimento, que o autor tenha sofrido qualquer dano não patrimonial digno de ser ressarcido mesmo tendo em conta a amplitude que lhe é dada no acórdão recorrido nomeadamente, que decorram da revogação da Lei nº 15/92, de 05/08, pelo Decreto-Lei n.º 236/99, de 25 de Junho; 3ª - Na verdade, valorando os factos provados, apenas se descortina que tenha havido/existido para o autor contrariedades e incómodos irrelevantes para efeitos indemnizatórios, mas já não consequências que se apresentam num patamar de gravidade superior e suficiente para reclamar compensação; 4ª - É que, como tem sido defendido quer pela doutrina quer pela jurisprudência, apenas deve ser considerado dano grave aquele que sai da mediania e que ultrapassa as fronteiras da banalidade; 5ª - Como se disse, dos factos resulta que não houve situações que atinjam um grau/patamar superior às simples contrariedades e incómodos; 6ª - Conclui-se, POIS, que inexistem factos integradores de danos não patrimoniais que devam ser compensados, ou melhor, que seriam dignos da tutela do direito; 7ª - Com efeito, como decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça supra citado (1), o dano não patrimonial não reside em factos, situações ou estados mais ou menos abstractos aptos para desencadear consequências de ordem moral ou espiritual sofridas pelo lesado. mas na efectiva verificação dessas consequências; 8ª - Por outro lado, e entendendo-se que se provou haver danos não patrimoniais que devam ser satisfeitos/compensados, a quantia arbitrada no acórdão recorrido, a esse título - € 15.000,00 -, é desadequada aos mesmos por ser excessiva; 9ª - Quando muito, deverá ser fixada em € 7.500,00; 10ª- Acresce que o Decreto-Lei nº 236/99, de 25/06, no seu artigo 30°, revogou, expressamente, a Lei nº 15/92, de 05/08; 11ª- Ora, o Decreto-Lei n° 197 -N2003, de 30 de Agosto, no seu artigo 7º, diz que "é repristinado o regime de passagem à reforma previsto no n ° 4 do artigo 7°, da Lei n. ° 15/92, de 5 de Agosto até que se esgotem os respectivos efeitos jurídicos"; 12ª- Procedeu-se, POIS, a uma repristinação expressa do artigo 7°, nº 4, da Lei nº 15/92; 13ª- Esta repristinação efectuou-se depois da presente acção ter sido instaurada - em 2002; 14ª- Por sua vez, estabelece o nº 4, do artigo 7°, da Lei nº 15/92, que "os militares abrangidos pelo presente artigo apenas transitam para a situação de reforma ao completarem 65 anos de idade e são equiparados, para efeito de remuneração, aos militares cuja transição para a reserva se efectivou nas situações previstas no n. ° 2 do artigo 17° do Decreto-lei n ° 57/90, de 14 de Fevereiro, com a redacção dada pelo artigo 7° do Decreto-Lei n. ° 98/92, de 28 de Maio"; 15ª- Ora, com esta repristinação a passagem do autor à reforma apenas se dá quando ele completou, efectivamente, os 65 anos de idade - em 5 de Novembro de 2006 [nasceu a 5 de Novembro de 1941]; 16ª- Na verdade, a repristinação é "a reposição em vigor de uma norma revogada, em consequência da revogação da norma que a tinha revogado "; 17ª- Ora, no caso em apreço foi, claramente, vontade do legislador fazer renascer a lei anterior, uma vez que, expressamente, repristinou o artigo 7°, n.º 4, da Lei revogada; 18ª- Deste modo, relativamente ao autor, tudo funciona como se esta norma nunca tivesse sido revogada, dado que a sua repristinação afastou os efeitos produzidos pela norma que a revogara, isto é, a sua reposição em vigor afastou retroactivamente a lei que a revogara; 19ª- Deve, pois, entender-se que sobreveio a inutilidade superveniente das alíneas B) e C) do pedido, inutilidade essa decorrente da repristinação supra referida; 20ª-Com tal repristinação deixou de haver utilidade nesta acção pois, com ela, cabe à Administração cumprir o que, posteriormente à sua instauração, a lei voltou a consagrar e, relativamente ao autor, com efeitos retroactivos; 21ª- O acórdão recorrido violou, por erro de interpretação, os artigos 496° e 563°, estes do Código Civil, 7º, do Decreto-Lei nº 197-A/2003, de 30 de Agosto, e artigo 7°, nº 4, da Lei nº 15/92, de 5 de Agosto.

Formulando o autor, por seu turno, também na sua alegação, as seguintes conclusões: 1ª - A reconstituição da situação hipotética do A. na situação de reserva, até aos 65 anos, de modo a haver lugar á apontada integração definitiva do diferencial para o 3° escalão em conformidade com a alínea C) da decisão, infringe o 30° do DL 236/99, de 25 de Junho que revogara o nº 4 do art. 7° da Lei 15/92, de 5 de Agosto, e olhando a que o alcance retroactivo da repristinação operada pelo art. ° 7° do DL 197 - A/2003 de 30 de Agosto não foi expressamente consagrado, ou considerado aplicável ao A., fosse a nível da Chefia do Exército, fosse pela Caixa Geral de Aposentações, nem o Governo produziu ainda qualquer medida legislativa nesse sentido, muito menos em tempo útil de abarcar o A, que entretanto completou em 5 de Novembro de 2006, 65 anos.

  1. - Acessoriamente invoca-se a nulidade do art. 668°, nº 1, alínea c) do CPC, por necessário erro na aplicação dos fundamentos, derivando a decisão para pólos opostos e irreconciliáveis, em que o A. surge recortado como na reforma, na alínea B) e concomitantemente na reserva, na alínea C), numa contradição insanável que inquina a decisão, e atenta contra o princípio da aplicação uniforme do direito, consagrado no art. 8° n.3 do CC. 3ª - Devendo a fórmula da alínea C, da decisão, ser reajustada a que A. passou irreversivelmente á reforma em 26 de Junho de 1999, dela passando a constar: Deverá ser-lhe pago, ainda, vitaliciamente, o valor correspondente ao diferencial para o 3º escalão de vencimentos, desde 15 de Janeiro de 2001, com as actualizações intercalares verificadas entre aquela data e 5 de Novembro de 2006.

Contra-alegaram os recorridos ESTADO PORTUGUÊS e AUTOR, pugnando, um e outro, pela improcedência das respectivas revistas.

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