Acórdão nº 09P0236 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Março de 2009

Magistrado ResponsávelFERNANDO FRÓIS
Data da Resolução12 de Março de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - No Círculo Judicial de Ponta Delgada, no processo comum colectivo nº 97/03.1 PEPDL, foi o arguido: 1º.

AA, divorciado, tipógrafo, nascido a 01/01/1955, filho de BB e de CC, natural da freguesia dos Arrifes, concelho de Ponta Delgada, e residente na Rua da ............, Arrifes, Ponta Delgada, - - - - submetido a julgamento perante tribunal colectivo, acusado da prática, em concurso efectivo, dos seguintes crimes: - um crime de maus tratos ao cônjuge, p. e p. pelo artigo 152º-2, do Código Penal; e- um crime continuado de abuso sexual de criança, agravado, p. e p. pelos artigos 30º-2, 172º - 2 e 177º-1-a), todos do Código Penal.

DD, ex-mulher do arguido, deduziu contra ele, pedido cível (enxertado), pedindo a sua condenação no pagamento de uma indemnização de € 10 000,00, por danos não patrimoniais causados, advenientes dos maus tratos de que foi dele vítima enquanto durou a relação matrimonial.

Também EE, filha do arguido, deduziu pedido cível enxertado, pedindo a condenação daquele no pagamento de uma indemnização de € 20 000,00, a título de danos não patrimoniais causados, advenientes dos abusos sexuais de que dele foi vítima.

A final, foi proferido acórdão em 19 de Fevereiro de 2008, que decidiu: Condenar o arguido AA, pela prática dos seguintes crimes, nas seguintes penas (além do mais): - pela prática de um crime de maus tratos ao cônjuge, p. e p. pelo artigo 152º-1 e 2, do Código Penal (redacção vigente antes da entrada em vigor da Lei 59/2007, de 04/09), na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão; - pela prática de um crime continuado de abuso sexual de criança, agravado, p. e p. pelos artigos 30º-2, 79º, 172º e 177º-1-a), do Código Penal (redacção vigente antes da entrada em vigor da Lei 59/2007, de 04/09), na pena de 12 (doze) anos de prisão; Em cúmulo jurídico destas penas, o mesmo arguido AA foi condenado na pena única de 14 (catorze) anos de prisão.

Mais foi o mesmo arguido/demandado, condenado: - a pagar à demandante DD, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 10 000,00; - a pagar à demandante EE, a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia de € 20 000,00.

Inconformado com tal condenação o arguido AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, pugnando pela revogação do acórdão condenatório e pela absolvição dos crimes que lhe são imputados e pela absolvição dos pedidos de indemnização civil contra ele formulados ou, caso assim se não entenda, pugna pela aplicação da pena mínima de 1 ano de prisão para o crime de maus tratos a cônjuge e da pena de 4 anos de prisão para o crime de abuso sexual de criança, agravado, devendo a sua execução ser suspensa nas condições que o Tribunal julgar adequadas.

Por acórdão de 28.10.2008, do Tribunal da Relação de Lisboa, foi provido o recurso quanto a uma das questões sobre a matéria de facto, que foi alterada, mas que não teve qualquer repercussão na decisão, pelo que foi mantido o acórdão recorrido quanto às penas parcelares e à pena única de 14 anos de prisão aplicada em cúmulo jurídico e também quanto aos montantes das indemnizações arbitradas.

Novamente inconformado com tal decisão, o mesmo arguido AA interpôs o presente recurso para este STJ, pugnando pela revogação do acórdão da Relação de Lisboa e pela sua substituição por outro que absolva o arguido dos crimes por que foi condenado assim como dos pedidos de indemnização civil formulados ou, caso assim se não entenda, deverá ser aplicada ao arguido a pena mínima de 1 ano de prisão para o crime de maus tratos a cônjuge e de 4 anos de prisão para o crime continuado de abuso sexual de criança, agravado, devendo a sua execução ser suspensa nas condições que este Tribunal julgar adequadas.

Na sua motivação, formula as seguintes e extensas - - - - - - - - Conclusões: 1 - O Acórdão recorrido valorou factos quando não o podia fazer, designadamente os referidos nos parágrafos 3º, 4º, 5º e 9º, já que não são integradores do conceito de reiteração para preenchimento do tipo legal de crime de maus tratos a cônjuge.

2 - Não foram alegados factos materiais simples e concretos, devidamente enquadrados nas circunstâncias de tempo, modo e lugar, que uma vez provados, pudessem integrar o crime de maus tratos a cônjuge.

3 - Os factos dados como provados no douto acórdão e constantes da douta acusação pública, com excepção do parágrafo 6º, não podiam ser impugnados especificadamente pelo arguido e daí a sua irrelevância jurídica, sendo os mesmos meramente conclusivos e ou desenquadrados das circunstâncias de tempo, modo e lugar em que terão ocorrido.

4 - Pelo que são insusceptíveis de serem submetidos ao crime de maus tratos a cônjuge.

5 - O único facto concreto provado foi a agressão verificada no Verão de 2002, sendo que esta não é objectivamente grave, nem foi praticada sem motivo ou pretexto, conforme se vê do parágrafo 6º do douto acórdão.

6 - De resto, só factos concretos e determinados e reiterados, seriam passíveis de qualificação, uma vez alegados e provados, de integrar o crime de maus tratos a cônjuge e nunca os verificados anteriormente, nem sequer concretamente alegados e provados, como in casu se pretende.

7 - Assim, e porque apenas se provou uma única agressão, o arguido só podia, em tese, ser condenado pela prática do crime de ofensas corporais simples, p. e p. pelo artigo 143º do C. Penal.

8 - No caso vertente, analisada a factualidade dada como provada, designadamente os factos vertidos nos parágrafos 3º, 4º, 5º e 9º dos factos dados como provados no douto acórdão, entendemos que estes não se encontram circunstanciados no tempo dos 26 anos de vida em comum dos cônjuges, de forma a considerar-se, sem margem para dúvida, que a agressão ocorrida no Verão de 2002, referida no parágrafo 6º dos factos provados, se enquadra numa reiteração de actos, num certo continuar de sucessivas acções, isto é, num determinado espaço de tempo que leve a qualificá-la de acto não isolado subsumível à previsão do artigo 152º-2 do C. Penal, nem que tal agressão tenha assumido gravidade intrínseca de molde a considerá-la, de per si, como susceptível de integrar a previsão penal específica pela qual o recorrente foi condenado.

9 - Decorre do exposto que a factualidade apurada, dada a sua imprecisão e incerteza, mormente quanto à sua localização temporal, não devia ter sido subsumida ao tipo incriminador do artigo 152º-2 do CP e deveria, quando muito, ser convolada para o tipo lega de crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º-1 do CP, cujos factos constitutivos se encontram, em tese, devidamente circunstanciados (cfr. Ac. RE de 23.11.99 in CJ Ano XXIV, Tomo 5, pág. 284 e 285; Ac. RP de 03.11.99 in CJ Ano XXIV, Tomo 5, pags. 223 a 226.

10 - Por outro lado, o artigo 152º-2 do CP na redacção anterior levada a efeito pelo DL 48/95, de 15 de Maio e pela Lei 65/98, de 02 de Setembro, dependia da apresentação de queixa crime e, como tal revestia a natureza de crime semi-público, o que apenas foi alterado pela Lei 7/2000, de 27 de Maio.

11 - No presente caso, tanto a acusação pública como os doutos acórdãos, traçam uma história de, alegadas, agressões físicas e psicológicas, sofridas pela assistente, que terão tido início pouco depois do seu casamento, o qual teve lugar em 26 de Julho de 1976, sendo certo que só se provou, em concreto, um único episódio (Agosto de 2002).

12 - A assistente apenas veio apresentar queixa crime em 26.04.2003, pelo que esse direito quanto a factos ocorridos antes da entrada em vigor da Lei 7/2000, de 27 de Maio, já havia caducado quando o presente procedimento criminal teve início.

13 - Aqui chegados, apenas ficariam por se discutir, alegadamente, a prática pelo arguido dos factos que terão ocorrido no Verão de 2002, os quais não representam uma reiteração de condutas de modo a inculcar um carácter de habitualidade.

14 - Estes foram cometidos através de um único acto, o que equivale a dizer-se que, quando muito, nesse dia, o arguido terá praticado um crime de ofensas à integridade física simples.

15 - Porém, a assistente, também não apresentou, tempestivamente, a respectiva queixa-crime de que o mesmo dependia, sendo certo que expressamente desistiu quanto a esse crime, do procedimento criminal, conforme decorre das suas declarações de fls. 31 e 32 dos autos.

16 - Pelo que e salvo o devido respeito, mal andou o douto acórdão que manteve a condenação do arguido como autor material de um crime de maus-tratos a cônjuge.

17 - Violando assim o douto acórdão recorrido por erro de subsunção, o disposto nos artigos 410º-2 e 3 do CPP e no artigo 152º-2 do CP.

18 - Por outro lado, e quanto ao crime continuado de abuso sexual de criança, é nosso entendimento de que outra conclusão não se poderia retirar da análise e exame da prova, que não fosse a inexistência da prática pelo arguido, desse crime.

19 - Ao contrário do que é sustentado no douto acórdão, entende o arguido que os factos constantes dos parágrafos 13º, 14º, 15º, 16º e 27º da matéria dada como assente no douto acórdão, não poderiam ter sido dados como provados, tendo por base a fundamentação referida na decisão recorrida.

20 - Com efeito e conforme dela se vê, a assistente DD e as testemunhas FF, GG e HH ê, a assistente DD e as testemunhas FF, GG e HH limitaram-se a referir o que a EE lhes contou.

21 - Os registos clínicos das presenças da EE no Hospital entre 2000 e 2003, não estabelecem qualquer nexo de causalidade entre as ofensas que a EE diz ter sido vítima.

22 - As fotografias de fls. 201/203, relativas à perna da EE, da mesma apenas se vê uma cicatriz, a qual conforme decorre do exame médico-legal de fls. 213 a 216, não se determinou a causa da mesma.

23 - O exame médico-legal de fls. 213 a 216, foi realizado em 10 de Setembro de 2004, ou seja, 1 ano e 5 meses depois de a menor EE deixar de ter qualquer contacto com o arguido (pois que esta, sua mãe e restantes irmãos abandonaram a casa de morada de...

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