Acórdão nº 08A2605 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Fevereiro de 2009

Magistrado ResponsávelMOREIRA ALVES
Data da Resolução12 de Fevereiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Relatório Nas Varas Cíveis da Comarca de Lisboa, AA, Ld.ª e BB, S.A.

, Intentaram a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra o, Estado Português Formulando os seguintes pedidos: - Condenação do R., enquanto sucessor da RNIP - Rodoviária Nacional Investimentos e Participações, S.A. - no pagamento à 1ª Autora da quantia de 623.555,32 €, acrescidas de juros de mora, desde a citação, ou subsidiariamente, a condenação do R. a pagar igual quantia à 2ª Autora.

Alegam em fundamento:A A.A. no âmbito da operação de privatização em oferta pública de venda de diversas sociedades comerciais cinditárias da Rodoviária Nacional, Investimentos e Participações, S.A. - RNIP - (entretanto extinta, tendo a totalidade do seu património sido transmitido para o accionista único, o ora R.), a 1ª Autora adquiriu a quase totalidade do capital social de cinco dessas sociedades ou seja: - 99,98%, do capital da Rodoviária da Estremadura, S.A. (que actualmente é a 2ª A.); - 99,75% do capital social da Rodoviária de Lisboa, S.A.; - 100% do capital social da Rodoviária Sul do Tejo, S.A. (actualmente denominada Transportes Sul do Tejo, S.A.).; - 86.78% do capital social da Rodoviária do Alentejo, S.A.; e - 82,37% do capital social de Rodoviária do Algarve S.A. (actualmente denominada EVA, Transportes, S.A.).

Deste modo, adquiriu indirectamente, uma posição dominante no capital social da EIS - Empresa de Indústria Mecânica do Sul, S.A., visto que o capital desta empresa tinha sido repartido do modo seguinte: - 26% era detido pela Rodoviária Estremadura S.A.; - 25% pela Rodoviária Lisboa S.A.; - 22% pela Rodoviária Sul do Tejo SA..; - 20% pela Rodoviária do Alentejo S.A. e - os restantes 7% tinham sido adquiridos pela EVA - Transportes, S.A. (anteriormente designada por Rodoviária do Algarve), por sua vez sociedade filha da Rodoviária do Alentejo, S.A.).

Posteriormente, em 16/11/2001, a EIS foi objecto de fusão por incorporação na 2ª Autora, que é quase integralmente detida pela 1ª Autora.

Sucede que a referida Sociedade EIS, que constituía um activo financeiro das cinco sociedades adquiridas na referida privatização, padecia e padece de um vício não revelado pela alienante, que a desvalorizou, na medida em que, por assembleia geral da RNIP, de 31/1/1991, foi deliberado que eventuais casos de integração de trabalhadores que hajam pertencido aos quadros da sede, serão incluídos no pessoal da EIS.

Ora, à data da cisão, existia no seio da RNIP contingências laborais relativas a dois processos judiciais de impugnação de despedimento de trabalhadores afectos à sede, no caso, de CC e DD.

Por força da referida deliberação, essas contingências laborais foram afectas à EIS, por razões do exclusivo interesse da RNIP e sem obedecer a qualquer lógica de unidade funcional.

Contudo, enquanto a RNIP assumiu a responsabilidade pela indemnização em que a EIS foi condenada, no que se refere a CC, o mesmo não ocorreu quanto ao outro processo judicial, em que a EIS foi condenada a pagar a DD a quantia de Esc. 144.468.532$00, posteriormente reduzida, por acordo, para € 440.496,49, que pagou, a que acrescem outras despesas judiciais, no montante de € 183.058,83.

Apesar de várias vezes instada, a RNIP não assumiu as responsabilidades quanto a esta contingência laboral, ficando a EIS empobrecida no referido montante, que nunca foi provisionado. Acresce que a 1ª autora desconhecia essa contingência na data de aquisição das sociedades, pois a mesma não foi revelada nos prospectos de privatização, nem na contabilidade das sociedades cinditárias ou da EIS, sendo que não as adquiriria pelo preço a que o fez, se tivesse esse conhecimento. Entendem, pois, as autoras que a RNIP violou a sua obrigação de correcta informação, no prospecto das OPV's, induzindo em erro a 1ª autora, que só pagou o preço proposto por desconhecer o referido ónus que impendia sobre as sociedades adquiridas.

Pretende, pois, a primeira autora fazer funcionar o seu direito à redução do preço que pagou pelas sociedades cinditárias, nos termos dos arts. 905° e 911° do Cód. Civil.

A não se entender tal, sempre terá existido culpa na formação do contrato, por violação do dever legal de informação, ao abrigo do art. 485°, n°2 do Cód. Civil e por violação do dever de boa fé, ao abrigo dos arts. 227° e 762°, n°2 do mesmo Código.

Ainda que assim não se entenda, sempre a RNIP, enquanto sociedade cindida, responde solidariamente pelas responsabilidades transmitidas à sociedade cinditária, nos termos do art. 122°, n°l do Cód. Socs. Comerciais.

Desse modo, a 2ª autora, por ter adquirido o património da EIS, é credora da RNIP, tendo o direito a ser ressarcida do empobrecimento indevido por ela sofrido, pois a deliberação em crise violou o preceituado no art. 124°, n°s 1, b) e 2 do citado Código, deduzindo, pois, pedido subsidiário, ao abrigo do art. 483°, n° 1 do Cód. Civil.

O réu Estado Português deduziu contestação, excepcionando a prescrição da pretensa responsabilidade civil decorrente do prospecto, nos termos do art. 161° do CMVM, por se mostrarem já decorridos mais de 18 meses desde a data de encerramento das respectivas ofertas públicas de venda.

Em segundo lugar, excepciona o réu a caducidade da responsabilidade emergente da pretensa venda de coisa onerada ou defeituosa, por força do disposto nos arts. 916° e 917° do Cód. Civil.

Em terceiro lugar, excepciona o mesmo réu a prescrição do direito à indemnização por pretensa violação do dever legal de informação ou de boa fé, por força do disposto no art. 498°, n°l do Cód. Civil.

Por fim, o mesmo réu impugnou motivadamente parte da factualidade enunciada na petição inicial, alegando, para tanto, que a inclusão das contingências laborais em crise na EIS ficou a dever-se à constatação de que esses trabalhadores seriam dificilmente enquadráveis em qualquer das novas empresas de transportes, sendo que, na sua eventual integração, os respectivos custos seriam repercutidos por várias sociedades cinditárias, sendo a EIS participada por cinco sociedades, em vez de fazer recair esse encargo apenas sobre uma delas - fundamentos objectivos e coerentes, factores jurídicos e financeiros legítimos e ponderados.

Acrescenta o réu que a 1ª autora era conhecedora da contingência laboral em questão, na medida em que a mesma resultava claramente da acta em crise e também porque adquiriu logo em Fevereiro de 1992, 82,37% do capital social da Rodoviária do Algarve, S.A., por sua vez, uma das participantes no capital social da EIS, o que não impediu que concorresse com sucesso à privatização de outras quatro sociedades cinditárias.

No que se refere ao pedido subsidiário, formulado pela 2ª autora, também a este respeito invoca o réu a excepção de prescrição, por se mostrar decorrido o prazo previsto no art. 498°, n° 1 do Cód. Civil, bem como, nos termos supra aduzidos, impugna motivadamente a factualidade enunciada como seu pressuposto.

Conclui, pois, o réu pela improcedência da demanda.

Sobre a matéria, vieram as Autoras referir, em sede de réplica, que a acção se não funda na responsabilidade civil decorrente do art. 161°, CMVM, sendo certo que o próprio art. 165°, desse diploma, prevê que o regime da responsabilidade pelo conteúdo do prospecto não afasta a aplicabilidade do regime geral da responsabilidade, podendo os lesados accionar os responsáveis «nos termos e prazos que resultem destas disposições», apenas com a ressalva de «que o dano não seja indemnizado mais de uma vez».

Por outro lado, o caso dos autos não é enquadrável como venda de coisa defeituosa, por não estarem em causa vícios materiais ou físicos da coisa objecto de transmissão, mas sim vícios jurídicos, o que reconduz o caso à previsão da venda de bens onerados (à qual não será aplicável o regime dos arts. 916° e 917°, CC), de modo que, tem de improceder a arguida excepção de caducidade.

Por fim, entendem as Autoras, que o prazo do art. 498°, n° 1, CC, só se iniciou depois da produção do dano, ou seja, com o trânsito em julgado em 09/12/1999, do acórdão STJ 24/11/1999, que condenou a EIS, no pagamento das quantias reclamadas pelo Dr. DD, pelo que inexiste qualquer prescriçãoProcedeu-se à prolação de despacho saneador, onde se julgou improcedente a primeira excepção de prescrição da responsabilidade civil decorrente do prospecto - apenas e só na medida em que a autora não funda o seu pedido no regime de responsabilidade civil decorrente dos arts. 160° e sesgs do CMVM.

Relegou-se o conhecimento da excepção de caducidade da responsabilidade derivada da venda de coisa onerada ou defeituosa para final.

Julgaram-se improcedentes as excepções de prescrição do direito à indemnização por violação do dever legal de informação e de boa fé, bem como de prescrição do direito invocado, quanto ao pedido subsidiário.

Procedeu-se à selecção da matéria de facto relevante, que não foi objecto de reclamação, bem como à realização de audiência de julgamento e foi proferida decisão quanto à matéria de facto provada, sem qualquer reclamação e com observância das legais formalidades.

Proferiu-se, de seguida, sentença final que, julgando totalmente improcedente a acção, absolveu o R. dos pedidos (quer do pedido principal, quer do subsidiário).

Inconformados, recorreram os A.A. mas sem êxito, visto que a Relação, conhecendo da apelação a julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Novamente inconformados, voltam a recorrer os AA., agora de revista e para este S.T.J..

Conclusões da Revista.

Apresentadas tempestivas alegações, formularam os recorrentes as seguintes conclusões:1. O Douto Tribunal a quo, por acórdão de 12 de Fevereiro de 2008, absolveu, de forma ilegal, o ora Recorrido dos pedidos formulados pelas Recorrentes.

  1. Ficou adquirido nos autos que, no âmbito da operação de reprivatização, através de ofertas públicas de venda ("OPV") de acções representativas do capital social de diversas sociedades comerciais resultantes da cisão da RNIP - Rodoviária Nacional, Investimentos e...

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