Acórdão nº 08B3994 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 05 de Fevereiro de 2009
Magistrado Responsável | OLIVEIRA ROCHA |
Data da Resolução | 05 de Fevereiro de 2009 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I.
A CAIXA E... M... G... intentou contra AA e mulher BB a presente acção declarativa, sob a forma ordinária, pedindo se declare que é legítima proprietária da fracção autónoma designada pela letra "B" do prédio sito em Santiago do Cacém; se condenem os réus a entregarem-lhe o referido imóvel livre e devoluto de pessoas e bens e a pagarem-lhe uma indemnização de € 49.512,37 correspondente à ocupação abusiva desde 1993/06/01 até 2004/07/30, acrescida de € 438,31, por cada mês que decorra até à sua efectiva desocupação, pelos prejuízos que tal ocupação lhe está a causar.
Alega, em síntese, que adquiriu o imóvel por arrematação em hasta pública, no dia 27/05/1993, nos autos de execução ordinária que correram termos pelo 6º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, livre de ónus e encargos, tendo registado a aquisição a seu favor em 11/04/2001. Os réus ocupam o referido imóvel, impedindo a autora de retirar dele vantagens, o que lhe acarreta prejuízos.
Os réus contestaram, alegando que, desde 1/10/1991, exploram o estabelecimento de café situado no imóvel, em virtude de a arrendatária do mesmo, a sociedade S..., Ldª, haver cedido a respectiva exploração à ré mulher naquela data, contrato que não foi denunciado até ao momento, mantendo-se em vigor.
Concluem pela sua absolvição dos pedidos.
A autora respondeu e requereu a intervenção provocada da sociedade S..., Ldª, intervenção que foi admitida conforme despacho de fls. 122/123.
Citada, contestou, concluindo pela improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.
Foi proferido despacho saneador e seleccionados os factos assentes e controvertidos, com organização da base instrutória.
Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais, após o que foi proferida sentença que declarou a autora proprietária da fracção autónoma e condenou os réus AA e BB e a interveniente S..., Ldª, a entregarem à autora o referido imóvel, livre e devoluto de pessoas e bens, como os condenou, ainda, solidariamente, no pagamento à autora de uma indemnização no valor de € 33.600,00, correspondente à ocupação desde Maio de 1999 até 31/05/2007, acrescida de € 350,00 por cada mês que decorra até à sua efectiva desocupação, pelos prejuízos que tal ocupação lhe está a causar.
Inconformados, apelaram os réus e a chamada para o Tribunal da Relação de Évora, que, por acórdão de 19.6.2008, julgou parcialmente procedente a apelação e, na mesma medida, revogou a sentença na parte em que condenou os réus, solidariamente, no pagamento de uma indemnização à autora de € 33.600,00, condenando-os, agora, bem como a interveniente, solidariamente, no pagamento à autora, pela detenção ilícita da parte da fracção identificada como "café", desde Maio de 1999 e até 31/05/2007, a título de indemnização, a quantia de € 16,800, acrescida de € 175,00 por cada mês que decorreu desde esta última data e até à sua efectiva desocupação. Mais condenou a interveniente S..., Ldª, no pagamento à autora, pela detenção ilícita da parte restante da fracção, desde Maio de 1999 e até 31/05/2007, a título de indemnização, na quantia de € 16,800, acrescida de € 175,00 por cada mês que decorreu desde esta última data e até à sua efectiva desocupação.
Ainda irresignados, pedem revista, tendo concluído a alegação do recurso pela seguinte forma: A recorrida não é titular do direito de pedir, como pediu, a caducidade do arrendamento em causa nestes autos, reportada à venda em execução, a favor da P...., nem pode substituir-se a esse verdadeiro titular; O acórdão recorrido não declara, por forma expressa, tal caducidade, mas aceita-a e pressupõe-a, indirectamente, ao referir que "adianta-se já que subscrevemos, inteiramente, a posição doutrinária e jurisprudencial defendida na sentença, recorrida"; Entendem os recorrentes não ter havido caducidade, pois vem provado nos autos que jamais a inquilina ou os sucessivos senhorios puseram termo ao arrendamento, o mesmo acontecendo entre a terceira e segunda recorrentes, quanto à cessão de exploração do café, instalado numa parte da fracção em causa; Assim, ainda que caducidade tivesse havido, como a situação locatícia perdurou por vários anos sem qualquer oposição dos locadores, nos termos do art. 1056º do Código Civil, operou-se a renovação do arrendamento, que constitui título legal justificativo da ocupação da fracção e, em consequência, da cessão do estabelecimento aos primeiras apelantes; Por outro lado, das diversas citações da decisão em 1ª instância, ora seguida no acórdão recorrido, mesmo os que defendem a caducidade do arrendamento, verifica-se unanimidade na doutrina e jurisprudência no sentido de que o contrato de arrendamento é de natureza obrigacional ou creditícia e não de natureza real; Ora, nos termos do art. 824º, n°2, do citado Código, apenas caducam os direitos de garantia e os demais direitos reais, onde se não inclui o arrendamento; Porém, considerando que o arrendamento pode desvalorizar os bens, mas não havendo lei expressa que imponha a sua caducidade, começou a entender-se que o arrendamento representava uma oneração, passando a ser aplicado, por analogia, o regime previsto no art. 824°, n°2, apenas para os direitos reais; Trata-se de uma tese porventura dominante, mas não pacífica na jurisprudência e na doutrina portuguesas, considerando os recorrentes que a versão contrária, que defende a não aplicação ao arrendamento do disposto no citado nº 2 do art. 824º, era mais consentânea com a lei então vigente, como o demonstra a própria alteração legal do art. 819º do Código Civil; Na verdade, em defesa dessa tese e com argumentos mais convincentes, encontram-se, entre outros, os acórdãos supra referidos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/Janeiro/2004 e 20/Setembro/20005, com citação de alguns dos seus fundamentos na doutrina, como acima se faz extensa referência e citação, sendo o referido em 2° lugar o último que se conhece sobre esta matéria, decidindo ambos pela não caducidade do arrendamento; Além disso, a referida alteração do art. 819° do Cód.Civil, ao vir acrescentar, a par dos actos de disposição e oneração, também o arrendamento, vem demonstrar plenamente que, após a sua entrada em vigor, a 15/9/2003, o arrendamento é inoficioso em relação à execução, o que não acontecia antes, uma vez que a lei veio distinguir entre oneração e arrendamento; Ora, as vendas executivas da fracção em causa situam-se precisamente numa altura em que o arrendamento, além de não ser um direito real, não era declarado por lei como ineficaz ou inoficioso, em relação ao exequente ou à execução; Nestes termos, o arrendamento em causa não caducou, mantendo, por isso, a sua plena validade e vigência actuais, com a consequente legalidade do contrato de cessão de exploração comercial do café, que constituem títulos legais para a ocupação da fracção pelos recorrentes, improcedendo o pedido formulado pela recorrida, para lhe ser entregue a fracção, vaga e devoluta, de pessoas e bens; Por outro lado, a improcedência do pedido de entrega da fracção à recorrida, tem como consequência directa e inevitável que os recorrentes também não têm de pagar-lhe qualquer indemnização; De resto, se alguma verba houvesse, ou houver, a pagar à recorrida, o respectivo valor deve ser bastante reduzido - a cerca de metade do fixado e mantido no acórdão recorrido; Com efeito, o valor fixado representa o dobro do valor atribuído por mês à cessão de exploração do café, a favor dos primeiros apelantes, ou seja 35.000$00/ € 175,00; Porém, tal montante representa não a renda da parte da fracção ocupada pelo café, mas sim a contraprestação global pela cessão da exploração comercial do estabelecimento, que inclui não só o espaço, mas também todo o seu recheio, em móveis, utensílios e electrodomésticos, cuja existência é fundamental para...
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Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2021
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