Acórdão nº 08B2772 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Janeiro de 2009

Magistrado ResponsávelOLIVEIRA ROCHA
Data da Resolução08 de Janeiro de 2009
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1.

No Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, A..., Lda., com sede na Av. ..., nºs ... a ..., ...-... Lisboa, NIPC 500.021.058, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, com sede no Largo ..., ...-..., Lisboa, alegando, em síntese, que foi notificada pela ré para exercer, querendo, o direito de preferência, na venda de um imóvel propriedade daquela, e em parte arrendado à autora, e que a ré veio a dar sem efeito a notificação, depois da autora a ter informado de que iria exercer tal direito, facto que lhe causou o prejuízo de € 92.100,37, correspondente à mais valia decorrente da venda, que, posteriormente, faria a terceiro.

Pediu que a ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 92.100,37, acrescida de juros de mora à taxa legal, a contar da citação e até efectivo e integral pagamento.

A ré contestou, para concluir pela improcedência da acção.

Prosseguiram os autos os seus trâmites, sendo proferido despacho saneador e elaborada a especificação e a base instrutória e, por fim, procedeu-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo a ré do pedido.

Inconformada com a decisão, veio a autora interpor, sem êxito, recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Ainda irresignada, pede revista.

Concluiu a alegação do recurso pela seguinte forma: Como é pacífico, a questão de direito que se coloca nos autos é a de saber se a actuação da recorrida, à luz da lei civil, configura uma situação de responsabilidade pré-contratual ou pré-negocial, com obrigação de indemnizar, ou seja, aferir se foi ou não violado o disposto no art. 227º, nº1, do Código Civil; De acordo com este preceito, e no que ao caso em apreço diz respeito, temos assim: - a violação da obrigação de não iniciar ou prosseguir negociações de antemão destinadas ao malogro, criando-se, dessa forma, à contraparte, uma confiança e expectativa legítimas, cuja frustração se apresente susceptível de lhe causar prejuízos injustos; - a violação do dever de informação: quando uma das partes sabe ou deve saber que um facto (ignorado pela outra, mas que as regras da boa fé exigem que lhe seja revelado) pode conduzir ao abortamento das negociações, impõe-se que, sem demora, preste essa informação; A parte responsável pela ruptura negocial responde em tal condicionalismo pelos danos que culposamente causar, entendendo-se que esses danos são, não só os emergentes, como os lucros cessantes; A recorrida, sem que ninguém a obrigasse, decidiu assumir uma conduta eticamente censurável, por ofensiva do princípio da boa fé e desrespeitadora da confiança gerada na outra parte na conclusão do negócio, para que se determinou e aprestou na perspectiva de um lucro divisado; Sendo a conduta da recorrida inaceitável perante o direito constituído, integra um comportamento ilícito, por presumidamente culposo; Uma corrente da jurisprudência e doutrina consideram, como regra, que o dano indemnizável é apenas o do interesse contratual negativo, ou do dano de confiança, de modo que o lesado seja colocado na posição em que estaria se não tivesse encetado as negociações, tendo, assim, direito a haver aquilo que prestou e o que perdeu na expectativa da consumação das negociações. Isto por se entender que os danos cobertos pelo interesse contratual positivo respeitam às situações de responsabilidade contratual, em face de um contrato válido; O dano de confiança - interesse contratual negativo - pode, todavia, abranger danos emergentes e lucros cessantes, quando se demonstre que, por virtude da não realização do contrato, o outorgante fiel deixou, v. g., de outorgar outro contrato, ou imobilizou capital que deixara de aplicar noutra sede, daí resultando prejuízos ou a cessação de lucros ou vantagens; Os lucros cessantes respeitantes ao interesse contratual negativo pressupõem, assim, que o lesado possuía, antes do início das negociações, depois rompidas pela outra parte, direito a um ganho que se frustrou, com o abortar das negociações; Quanto ao dever de indemnizar pelos danos e lucros cessantes reportados ao dano de confiança, é o mesmo pacificamente aceite pela doutrina e jurisprudência, como nem seria facilmente defensável posição discrepante; O que se discute é se há lugar a indemnização pelo interesse contratual positivo, isto é, se o lesado tem direito ao dano ex contratu ou aos lucros que lhe adviriam se o contrato tivesse sido celebrado; Ora, nesta discussão decisiva para a resolução do presente recurso, a posição tradicional e maioritária é no sentido de a responsabilidade pré-contratual apenas abranger os danos cobertos pelo interesse contratual negativo e não os cobertos pelo interesse contratual positivo; Contudo, existem opiniões na doutrina e jurisprudência em sentido divergente; Vejam-se os acórdãos do ST J de 28.02.2002, 18.11.2004, 04.04.2006 e 11.01.2007, que defendem que, na responsabilidade pré-contratual, em princípio, cabem apenas os danos cobertos pelo interesse contratual negativo. Excepcionalmente, cabe também, na responsabilidade pré-contratual, a indemnização pelo interesse contratual positivo, como nos casos em que ocorre uma clara violação da conclusão do contrato; Ora, como o próprio acórdão recorrido reconhece, existe uma orientação diversa da tradicional e maioritária que tem sido recentemente seguida na nossa jurisprudência; Impõe-se, deste modo, necessário, com vista a assegurar a uniformidade da jurisprudência, que o julgamento do presente recurso se faça com intervenção do plenário das secções cíveis, o que desde já se requer, dado que se verifica a possibilidade de vencimento da solução jurídica que está em oposição com jurisprudência anteriormente firmada, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, nos termos dos arts. 732º-A e 732º-B do C.P.C.; O acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 47º, nº1 e 49º do RAU, 227º, nº1, 334º, 416º a 418º, 562º a 564 e 1410º, do C.Civil.

Nas contra-alegações, a recorrida pronuncia-se pela manutenção da decisão impugnada.

Foi emitido parecer no sentido de não se justificar, no caso, revista ampliada, parecer esse que, submetido à apreciação do Ex.mº Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, mereceu o seu acordo.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

  1. Estão provados os seguintes factos: A ré é proprietária do prédio urbano descrito na 9a Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o no 3777 da freguesia de São Sebastião da Pedreira, actualmente inscrito na matriz sob o artigo 1425 da freguesia de Arroios, sito na Av. ..., nºs ... a ..., tornejando para a Rua ..., nºs ... a ..., em Lisboa, conforme inscrição no 25.908 registada a seu favor pela Ap. 5 de 17.03.1975.

    A autora, que tem como objecto o exercício da actividade industrial hoteleira, nomeadamente a exploração de estabelecimentos de comidas e bebidas ou restaurantes, podendo ainda dedicar-se ao comércio de mercearia a retalho, é arrendatária dos nºs 49 a 53 do imóvel supra descrito onde desenvolve o seu comércio.

    Por escritura de arrendamento celebrada em 11.03.1921, do livro de actos e contratos no 454, a fls. 87, do Cartório do Notário da Comarca de Lisboa, Dr. Mário Rodrigues, posteriormente 2º Cartório Notarial de Lisboa, e escritura de alteração de arrendamento e fiança celebrada em 24.01.1990, do livro 128-F a fls. 92 a 94 verso do 15º Cartório Notarial de Lisboa, no que respeita à renda...

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