Acórdão nº 08B3583 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Novembro de 2008
Magistrado Responsável | SALVADOR DA COSTA |
Data da Resolução | 18 de Novembro de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I O AA, SA intentou, no dia 24 de Dezembro de 1999, contra BB, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação no pagamento de 277 582$ e juros de mora vincendos à taxa legal e o valor do respectivo imposto de selo.
Motivou a sua pretensão, por um lado, num contrato de depósito bancário celebrado com o réu, na movimentação da conta a débito e a crédito pelo último desde 20 de Maio de 2008, no saldo negativo de 228 548 947$ em 3 de Setembro de 1999 derivado do pagamento pelo autor de cheques emitidos pelo réu, do débito de quantias destinadas ao pagamento de títulos, de transferências automáticas por ele pedidas e de movimentos decorrentes da utilização do cartão multibanco, sem que a indicada conta tivesse da necessária provisão para o efeito.
E, por outro, no contrato de conta corrente caucionada por ambos celebrado em 6 de Agosto de 1998, com o limite de capital de 63 000 000$, no contrato de penhor de títulos para garantia de pagamento, na falta de provisionamento convencionado dessa conta, na sua rescisão e na não cobertura da dívida com o produto da venda os títulos no montante de 43 648 799$.
O réu contestou, impugnou os factos alegados pelo autor, invocou a compensação, por via de excepção, e de reconvenção na parte excedente, afirmou, como fundamento da primeira, a circunstância de a venda dos títulos nas condições em que o foi lhe haver causado o prejuízo de 34 504 566$ e que o arresto contra si instaurado por aquele lhe haver destruído a empresa, e pediu a liquidação em execução de sentença de tal prejuízo, mas a que se referiu como sendo do montante de 496 000 000$.
Pediu a condenação do autor a pagar-lhe a quantia de 530 502 566$, acrescida da que se corrigir e o que se liquidar em execução de sentença, e juros, ou, quando assim se não entendesse, no pagamento das mesmas importâncias, deduzidas da compensação subsidiariamente declarada.
Na réplica, o autor impugnou os factos alegados pelo réu como fundamento da compensação, bem como a sua pretensão de relegar para execução de sentença a fixação do prejuízo.
Seleccionada a matéria de facto assente e controvertida e realizado o julgamento, foi proferida sentença no dia 10 de Julho de 2007 por via da qual o réu foi condenado a pagar ao autor € 1 139 997,34 e € 217 719,29 e juros de mora à taxa legal e desde a citação, sobre a primeira, e à taxa contratual desde 21 de Dezembro de 1999 sobre a segunda, e absolvido foi o autor do pedido reconvencional.
Apelou o réu, impugnando também a decisão da matéria de facto, pretendendo a alteração das respostas aos quesitos 10º a 14º, 16º a 27º e 31º e 32º, e a Relação, por acórdão proferido no dia 12 de Junho de 2008, negou-lhe provimento, concluindo no sentido de que a improcedência daquela impugnação implicava a improcedência da questão de direito.
Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação: - a interpretação pelo juiz a quo no sentido de que muitas contas foram efectuadas a descoberto é contrária aos factos provados, porque se tratou de um contrato de concessão de crédito, para que o recorrente exercesse a sua actividade de especulador mobiliário, sujeita aos riscos de flutuação e aos ciclos e contra ciclos de expansão e recessão do respectivo mercado de capitais; - é um contrato, ainda que atípico e por via de declarações tácitas, no âmbito da liberdade contratual, a interpretar de harmonia com a impressão do declaratário normal, regido pelos princípios gerais do direito, incluindo a boa fé e o abuso do direito, e, ainda que, supletivamente, pelas regras do mútuo; - dada a natureza do contrato, na falta de estipulação do prazo para pagamento da quantia que se dizia em dívida, competia ao recorrido determinar o respectivo montante, disso informar o recorrente e estipular o prazo de 30 dias para o pagamento ou pedir a sua fixação judicial, o que não fez; - apenas expirado esse prazo e não cumprido pelo recorrente o exigido pelo recorrido é que este se encontrava em condições de considerar os contratos não cumpridos e proceder à sua resolução, o que não aconteceu; - os factos provados não revelam que o recorrido tenha rescindido os contratos de conta-corrente caucionada porque se não sabe a data da recepção da carta, dado que não está junto ao processo o aviso de recepção; - não tendo resolvido os contratos de depósito e das quatro contas caucionadas, não podia o recorrido lançar a débito os totais daqueles contratos na conta de depósitos à ordem, nem proceder à venda de títulos dados como penhor ou de solicitar o arresto; - tal actuação do recorrido, contra os mais básicos princípios do direito e da boa fé contratual, impossibilitou o recorrente de continuar a exercer a sua actividade e de pagar a dívida; - a certidão emitida pela Euronext, que o tribunal deu como reproduzida, é um documento é autêntico, regularmente emanado por uma entidade pública, que atesta o que dele consta, revela ser o prejuízo para o recorrido de € 417 428,derivado da venda na altura em que o foi; - a liquidação financeira referida pelo tribunal é tão somente o pagamento das transacções efectuadas, mas estas são realizadas por referência ao valor da cotação do dia em que é feita a venda, sob pena de fracasso total do mercado; - a certidão refere-se à cotação que os referidos títulos tiveram nesses dias e não a qualquer liquidação, já que é o que decorre do próprio documento, com valor autêntico, pelo que faz prova plena; - o recorrente deve ser absolvido do pedido formulado pelo recorrido uma vez que este não resolveu os referidos contratos, pelo que se não encontrava em situação de incumprimento contratual; - face ao documento autêntico consubstanciado na referida certidão, que atesta o valor dos títulos nos dias 25 e 28 de Outubro, deve o recorrido ser condenado a pagar-lhe o quantitativo excedente ao produto das acções no montante de € 417 428.
Respondeu o recorrido, em síntese de alegação: - o recorrente não cumpriu o disposto no artigo 690º, nº 2, do Código de Processo Civil porque nada alegou quanto às normas jurídicas violadas pela Relação, o sentido com que devia interpretar as que fundamentaram a decisão, ou as que deviam ser aplicadas e não o foram; - não há ofensa de lei que exija certa espécie de prova para a existência dos factos ou que fixe a força probatória de algum meio de prova, o recorrente alega a deficiente fixação da matéria de facto e a sua errada interpretação, que não podem ser objecto do recurso de revista; - a Relação considerou que a certidão não se referia às operações ocorridas nas datas por ela mencionadas, mas à liquidação financeira das acções que resultam das operações realizadas em datas anteriores; - a referida certidão não é um documento autêntico no sentido de que faz prova plena, por não ter sido exarado por autoridade pública, oficial público ou notário, pelo que é particular.
II É a seguinte a factualidade considerada assente pelo acórdão recorrido, inserida por ordem lógica e cronológica: 1. O réu dedicava-se á actividade de especulador mobiliário, sujeita aos riscos de flutuação de cotação e aos ciclos e contra-ciclos de expansão e recessão do respectivo mercado de capitais, variando o valor dos títulos em função de aumentos de capital, atribuições de acções, desdobramento destas, negociações dos respectivos direitos e factos semelhantes.
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Em tempo oportuno, o autor obteve as necessárias informações sobre o réu com vista à concessão do crédito por ele solicitado.
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No dia 20 de Maio de 1998, o réu procedeu à abertura de uma conta de depósitos à ordem no Balcão das Antas do autor, com o n.º ..................., com zero escudos, cujo objectivo era, desde o início, a compra e venda de acções e a guarda de dossiês de títulos, sendo certo que na mesma se verificaram, pelo menos, o movimento de um cheque e de um cartão, ambos efectuados pelo réu, que foi, desde a referida data, objecto de diversos movimentos a crédito e a débito.
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Todas as compras de títulos que de início se fizeram foram levadas a cabo com autorização pelo autor de movimentação pelo réu a descoberto, e nessa conta nunca ele depositou algo para além do produto de venda de acções que assim havia comprado.
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No dia 6 de Agosto de 1999, o autor celebrou com o réu um contrato de conta corrente caucionada, com o limite de capital de 63 000 000$, cuja fotocópia se encontra a folhas 20 a 24.
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Para garantia do bom e pontual cumprimento das responsabilidades assumidas através do contrato referido sob 5, o réu constituiu a favor do autor um penhor sobre os títulos representativos das acções, cujos quantitativos e valores globais se encontram identificados na cláusula 11.ª daquele contrato.
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Nos termos contratuais, foi declarado por parte do autor e do réu: - o prazo de financiamento em causa é de 182 dias, automaticamente renovável, bastando para tanto a ausência de manifestação de vontade por escrito de qualquer das partes até 10 dias úteis antes do final do prazo; - vencer o crédito concedido juros à taxa Lisbor 6 meses acrescida de um spread de 1,55 ou outra ou outras que viessem a ser fixadas, acrescida em caso de mora, da sobretaxa de 2%, juros esses a contar e a debitar postecipadamente, dia a dia, a liquidar trimestralmente, na conta de depósitos á ordem do réu, com o n.º ......................., na agência da Antas do autor, tendo-se o réu obrigado a manter essa conta provisionada para o efeito.
- ficar o autor desde logo autorizado a compensar, mesmo que só parcialmente, com os saldos credores de quaisquer contas abertas ou a abrir nos seus estabelecimentos em nome do réu, e com quaisquer outros créditos deste, as importâncias em dívida e já vencidas resultantes do referido contrato.
- possibilitar a cláusula 7ª ao autor, na falta de cumprimento pelo réu, a rescisão do contrato e a exigibilidade imediata do montante financiado e não pago, considerado vencido, de 63 000 000$, bem...
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