Acórdão nº 07P4455 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 13 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução13 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No Processo Comum n°12/03.2IDACB, do Tribunal da Comarca de Alcobaça, foram condenados, a 2 de Junho de 2006, os arguidos seguintes: a) AA, pela prática, em co-autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art.° 105.° n.° 1 e 4 do RGIT, aprovado pela Lei n.° 15/2001 de 5 de Junho, na pena de um ano de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dezoito meses, com a condição de, no mesmo prazo, proceder ao pagamento solidário com a arguida BB da quantia de € 251.715,02; b) BB pela prática, em co-autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art.° 105.° n.° 1 e 4 do RGIT, aprovado pela Lei n.° 15/2001 de 5 de Junho, também na pena de um ano de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de dezoito meses, sob condição de, no mesmo prazo, proceder ao pagamento solidário com o arguido Paulo da referida quantia de € 251.715,02; c) A... - Construção e Manutenção de Espaços Verdes, Lda" pela prática em co-autoria material, na forma continuada, do mesmo crime de abuso de confiança fiscal p. e p. pelo art.° 105.° n.° 1 e 4 do RGIT, aprovado pela Lei n.° 15/2001 de 5/6, desta feita com referência ao art.° 7.° n.° 1 do mesmo diploma legal, na pena de 500 dias de multa, à taxa diária de € 80,00, no montante total de € 40.000,00.

O Digno Magistrado do Ministério Público, em representação do Estado Português - Fazenda Nacional, havia deduzido pedido de indemnização civil contra os arguidos, solicitando a condenação destes no pagamento da quantia global de € 343.946,79, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento. Na decisão em referência, porém, os demandados cíveis foram absolvidos da instância, relativamente ao pedido de indemnização civil formulado.

Do acórdão da 1ª instância foi interposto recurso pelo Mº Pº e pelos arguidos para o Tribunal da Relação de Coimbra. Esta instância começou por decidir, a 14/3/2007, em homenagem à questão prévia que se revelava, que se oficiasse à Repartição de Finanças de Alcobaça, para informar sobre a existência da condição objectiva de punibilidade introduzida pelo artº 95º da Lei nº 53-A/2006 de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento para 2007), no artº 105º do RGIT, aprovado pela Lei n.° 15/2001 de 5 de Junho. Obtida a resposta de fls. 917 e seg., o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu, em acórdão de 13/6/2007, conceder provimento ao recurso interposto pelo M.P. e, em consequência, revogar a sentença recorrida, na parte em que absolveu os demandados da instância, condenando-os no pedido de indemnização formulado. Mais negou provimento ao recurso interposto pelos arguidos, mantendo, nessa parte, a sentença recorrida.

É desta decisão que recorrem agora, os três arguidos, para este S.T.J..

A - RECURSOS I) A... - CONSTRUÇÃO E MANUTENÇÃO DE ESPAÇOS VERDES e AA terminam a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição): "1. O presente recurso é interposto do douto acórdão que condenou os Recorrentes pela prática de um crime, na forma continuada, de abuso de confiança fiscal; 2. O acórdão recorrido continua porém, ferido de várias irregularidades e nulidades; Existe contradição insanável entre a fundamentação e a decisão. O crime continuado só termina na data da prática do último facto, no caso dos Recorrentes, não terminou, conforme refere a douta sentença em Dezembro de 2002.

  1. Os ora Recorrentes são arguidos no processo 89/04.3TAACB que corre termos no 2o Juízo do tribunal de Alcobaça, e só neste processo é que efectivamente se dá a prática do último facto; 5. Logo, salvo melhor opinião, a presente sentença deveria ter sido anulada, pelo Tribunal da Relação; 6. Porém, os Recorrentes vêm condenados por não entregar à administração fiscal os montantes retidos na fonte a título de I.R.S. dos trabalhadores e do I.V.A. liquidado aos clientes da sociedade arguida; 7. Ora, foi dada como provada a difícil situação económica da A..., Lda. que não conseguia cumprir as suas obrigações para com o Estado, trabalhadores e fornecedores; 8. Não foi considerada a situação de conflito de deveres em que se encontravam os Recorrentes; 9. Os quais, cumprindo as suas obrigações junto de trabalhadores e fornecedores, estavam a garantir a continuação da actividade da empresa, mantendo os postos de trabalho; 10. Com a sua actuação, os Recorrentes cumpriram um dos deveres conflituantes em detrimento de outro valorado em igual medida pelo ordenamento jurídico; 11. Logo, a decisão tomada pelos Recorrentes afasta a ilicitude da prática criminal destes, o que não mereceu o acolhimento do douto Tribunal a quo nem do douto Tribunal da Relação; 12. Os Meritíssimos Tribunais recorridos violaram, pelo exposto, a norma que prevê como causa de exclusão da ilicitude o conflito de deveres mencionado no art. 36° n.° 1 do C. P.; 13. E deveria, em alternativa, mediante a exemplar aplicação deste princípio, ter absolvido os ora Recorrentes com fundamento na aludida situação de conflito de deveres; 14. Podemos mesmo dizer que, o Meritíssimo Juiz a quo e o Tribunal da Relação violaram o dever de razoabilidade de exigência dos deveres impostos que condicionam a suspensão da execução da pena, a que estava adstrito nos termos do art. 51° n.° 2 do C. P.; 15. O douto acórdão recorrido viola o disposto naquela norma, pois após análise da situação financeiras dos Recorrentes, ainda assim, condicionou a suspensão da execução da pena de prisão a uma obrigação de cumprimento impossível.

  2. E no caso concreto da Recorrente A..., Lda a uma multa exageradíssima, para uma empresa que está, conforme ficou provado nos autos, a efectuar um esforço financeiro para regularizar as suas dividas, entregando mensalmente quantias avultadas junto do Serviço de Finanças de Alcobaça; 17. O facto de estar condenada ainda a liquidar uma multa, no montante de €40.000,00 euros, no âmbito dos presentes autos, condiciona os pagamentos que está mensal e pontualmente a efectuar para honrar os seus compromissos assegurando a continuidade da empresa; 18. O Tribunal a quo e o Tribunal da Relação não observaram, deste modo, o dever de razoabilidade com que deveria impor as obrigações aos Recorrentes, devendo, por conseguinte, ser mantida a suspensão da execução da pena de prisão, declarando-se como inexistente a condição imposta e abolindo o pagamento da multa; 19. No douto acórdão foi também violado o art. 72° do Código Penal, uma vez que não foram considerados os pagamentos efectuados pelos Recorrentes, nem a situação fiscal e contributiva actual , que desde finais de 2005 é irrepreensível, cumprindo com todo o esforço os pagamentos de IVA e IRS/ IRC; 20. A actuação dos Recorrentes é um indicio claro e manifesto da desnecessidade da pena, e que não pode ser descurado para efeitos da sua aplicação; 21. 0 aumento do passivo que causará o efectivo cumprimento da decisão do tribunal a quo, apenas prejudica e dificulta a vida económica e financeira da sociedade Recorrente;.

  3. 0 douto acórdão recorrido deve, pois, ser revogado, nos termos do disposto no artigo 410° n.09 1, 2 e 3 do C.P.P., por violação dos artigos 36°, 51° n.° 2 e 79° do Código Penal, 105° n.os 1 e 5 do R. G. I. T. e 1o do Decreto Lei n.° 29/99 de 12 de Maio.

    Face ao exposto, deverá ser dado provimento ao presente recurso revogando-se o douto acórdão condenatório proferido pelo meritíssimo tribunal da relação, absolvendo-se os recorrentes ou, em alternativa, revogando a condição imposta mediante a qual foi suspensa a execução da pena de prisão em que foram condenados, sendo certo que vossas excelências, farão a costumada justiça." II) Por sua vez, BB apresentou as conclusões seguintes (transcrição): "1. O Venerando Tribunal recorrido reconheceu a nova condição objectiva de punibilidade do crime por que vem a Recorrente condenada, prevista pelo art. 105.° n.° 4, ai. b) do R.G.I.T. na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.° 53-A/2005 de 29 de Dezembro.

  4. Na perspectiva da sucessão de duas leis penais no tempo, veio admitir o regime em concreto mais favorável à arguida, já que se encontra na eventualidade de não vir a ser punida, pelo que determinou a notificação prevista naquele normativo, acordando em oficiar junto da Direcção de Finanças de Alcobaça a fim de informar sobre a verificação da referida condição objectiva de punibilidade.

  5. Sucede que nem a sociedade arguida...

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