Acórdão nº 08S1297 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Novembro de 2008

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução12 de Novembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I 1. AA, intentou, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, em 20 de Janeiro de 2005, a presente acção emergente de contrato de trabalho contra "BB, S.A.

", pedindo se declare ilícito e abusivo o despedimento de que foi alvo e a condenação da Ré: - A reintegrar a Autora ao seu serviço, sob a cominação de sanção pecuniária compulsória que se tenha por adequada, ou, se essa for a opção da Autora, a pagar-lhe a indemnização de antiguidade em dobro, actualmente 90 dias úteis x 12 meses; - A pagar-lhe as retribuições vencidas, somando, à data da propositura de acção, € 19.683,38, bem como as que viessem a vencer-se até ao trânsito em julgado da sentença; - A pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00; - A pagar-lhe juros de mora, à taxa legal, desde o despedimento.

Alegou, em síntese, que trabalhou por conta e sob a autoridade e direcção da Ré desde 15 de Março de 1993 até 9 de Fevereiro de 2004, ultimamente com categoria profissional de Chefe de Secção, e que a Ré a despediu, com a invocação de justa causa, sendo que o processo disciplinar instaurado caducou nos termos previstos no n.º 1 do artigo 31.º da LCT (designação abreviada do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho anexo ao Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de Novembro de 1969), e, de todo o modo, os factos nele imputados improcedem na sua globalidade, não existindo justa causa para o seu despedimento, que é ilícito e abusivo já que não cometeu qualquer infracção. Aduziu, outrossim, ter sofrido danos não patrimoniais em consequência deste despedimento.

Na contestação que, no tocante aos factos que motivaram o despedimento, veio a ser aperfeiçoada - na sequência de despacho nesse sentido -, a Ré invocou, em suma, que não se verifica a caducidade do processo disciplinar e que o despedimento foi operado com fundamento em comportamentos atribuídos à Autora que configuram justa causa para a extinção da relação laboral.

Proferido despacho saneador e dispensada a condensação, realizou-se a audiência de discussão e julgamento - durante a qual a Autora optou pela indemnização de antiguidade, em substituição da reintegração -, veio a ser proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo: "[...] Pelo exposto, e tendo em atenção as disposições legais citadas, julgo parcialmente procedente por provada a presente acção e, consequentemente, decido: 1) Julgo improcedente por não provada a deduzida excepção peremptória de caducidade da acção disciplinar; 2) Declaro ilícito o despedimento da Autora, AA por improcedência da justa causa invocada; 3) Condeno a Ré, "BB, SA" a pagar à Autora, AA as seguintes quantias: a) € 40.610,72, pelas importâncias que deixou de auferir desde 2004-12-20 e liquidadas até 2007-03-30, sem prejuízo das retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado desta decisão, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, contados desde tal data e até integral e efectivo pagamento; b) € 10.150,00, por indemnização por antiguidade, sem prejuízo da que se vencer até ao trânsito em julgado desta sentença, e correspondente a um mês de remuneração base por cada ano de antiguidade ou fracção a contar de 2007-03--15, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, contados desde o trânsito em julgado desta sentença e até integral e efectivo pagamento; c) € 1.900,78, por férias e subsídio de férias respeitante ao trabalho prestado no ano de 2006, e por férias e subsídio de férias proporcional ao tempo de trabalho prestado no ano de 2007, liquidados até 2007-03-30 e sem prejuízo dos que se vencerem até ao trânsito em julgado desta decisão, acrescida de juros de mora à taxa de 4%, contados desde o trânsito em julgado desta sentença e até efectivo e integral pagamento; d) € 380,15, por subsídio de Natal proporcional ao trabalho prestado no ano de 2007, liquidado até 2007-03-30, e sem prejuízo do que se vencer até ao trânsito em julgado desta decisão, acrescido de juros de mora à taxa de 4%, contados desde o trânsito em julgado desta sentença e até efectivo e integral pagamento.

4) Absolvo a Ré, "BB, SA" dos restantes pedidos contra si formulados pela Autora, AA." [...]" 2. A Ré apelou da sentença, sem êxito, pois o Tribunal da Relação de Lisboa confirmou integralmente a decisão da primeira instância, incluindo a impugnação que a Ré deduzira sobre a matéria de facto.

Dessa decisão veio a mesma Ré pedir revista, terminando a sua alegação com as conclusões assim redigidas: 1. A Recorrente requereu que fosse atribuído efeito suspensivo à presente revista, tendo sido atribuído pelos Ilustres Desembargadores efeito meramente devolutivo e nos termos dos Art.os 687.º n.º 4, 700.º n.º 1, alínea b), e 701.º n.º 1, do C.P.C, requer que seja modificado o efeito do recurso; 2. De acordo com o art.º 83.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho: "A apelação tem efeito meramente devolutivo, sem necessidade de declaração; o apelante poderá contudo, obter o efeito suspensivo se, no requerimento de interposição de recurso, requerer a prestação de caução da importância em que foi condenado por meio de depósito efectivo na Caixa Geral de Depósitos, ou por meio de fiança bancária.

"; 3. A Recorrente prestou caução no âmbito do recurso de apelação que efectuou para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo sido atribuído efeito suspensivo ao referido recurso; 4. Enquanto houver a possibilidade de a Recorrente, poder vir a ser condenada no processo, a caução terá de manter-se como forma de garantia do pagamento da quantia em que venha a ser eventualmente condenada e, independentemente, de a apelação ter sido julgada procedente ou improcedente; 5. Neste sentido propugna o Ac. Rel. Lx 28/01/2004 - Processo: 1270/2002-3, in www.dgsi.pt, bem como F. Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil, 2.ª Edição, 2001, págs. 165 e ss. "uma vez atribuído efeito suspensivo ao recurso, na sequência da prestação de caução pelo apelante, fica suspensa a exequibilidade da sentença recorrida até ao trânsito em julgado da decisão, mesmo que venha a ser interposto recurso de revista do acórdão da Relação.

"; 6. Ao abrigo do disposto nos Art.os 687.º n.º 4, 700.º n.º 1, alínea b), e 701.º, n.º 1, do C.P.C., deve ao presente recurso ser atribuído efeito suspensivo; 7. O douto Acórdão recorrido faz uma incorrecta interpretação e aplicação da lei aos factos provados, uma vez que, objectivamente, o comportamento da Recorrida foi consciente e culposo, comprometendo irremediavelmente, pela sua gravidade e consequências, a subsistência da relação de trabalho que a ligava à Recorrente.

  1. No que diz respeito ao acolhimento do gato consideram os Venerandos Desembargadores que "o comportamento assumido pela Autora/Apelada de acolhimento e tratamento, durante um período de 3 dias, de um pequeno gato, com pouco tempo de vida, encontrado por uma outra sua colega de trabalho nas instalações do estabelecimento da Ré/Apelante onde ambas trabalhavam, gato esse que fora encontrado em estado de extrema fraqueza e debilidade já que não conseguia andar, embora pudesse ser merecedor de alguma censura atendendo a que a actividade da Ré/Apelante se relacionava directamente com o comércio de diversíssimos produtos, designadamente de natureza alimentar e destinados ao consumo público e, portanto, susceptível de ser incompatível com as correctas práticas em termos de cuidados higiénicos e sanitários na comercialização desses produtos, de modo algum justificava a adopção da sanção mais gravosa de despedimento imediato da Autora/Apelada. Acresce que menos se justifica a adopção de uma tal sanção disciplinar quando demonstrado ficou que, frequentemente, nos armazéns da Ré/Apelante apareciam gatos e que, não obstante isso, esta nunca deu instruções aos seus trabalhadores"; 9. Ora, foi a trabalhadora CC que encontrou um gato pequeno e sub nutrido no Armazém da Loja e tal não era novidade, sendo ao invés um problema sanitário, uma vez que era corrente a presença de gatos tanto no armazém como na Loja, rasgando embalagens de comida, defecando, urinando, provocando um mau cheiro, devido aos dejectos que efectuavam.

  2. A situação era de tal modo grave que a Recorrente chegou a falar com um veterinário da Câmara para saber qual a melhor maneira de apanhar gatos, bem como chegou a montar uma gaiola com comida para apanhar os gatos (mas estes nunca entraram na gaiola); 11. A trabalhadora CC deu conhecimento deste facto à Recorrida, sua superior hierárquica, para que esta resolvesse a situação, providenciando pelo remoção do gato da Loja e posterior acolhimento em casa daquela ou por outra qualquer família, na medida em que já noutras situações tal se tinha verificado; 12. Se é certo que não havia instruções escritas ou precisas indicações quanto a que medidas adoptar quando fosse[m] encontrados gatos na Loja ou no armazém, não é menos certo que tal facto jamais poderia legitimar ou tornar aceitável a permanência de um gato nas instalações da Recorrente; 13. A Recorrida, à semelhança da generalidade dos seus colegas de trabalho, sabia que a sua entidade patronal não autorizava a manutenção de gatos, ou de quaisquer outros animais, nas suas instalações. É uma regra tácita, implícita, que não deriva de um capricho, mas sim de imposições de salubridade e saúde pública, que decorre do senso comum e da mínima responsabilidade inerente a quem trabalha num estabelecimento que vende géneros alimentícios e que dispensa, pois, uma regra escrita; 14. Existem outro tipo de regras que os funcionários devem observar e que também não estão escritas, tais como é proibido roubar, ou é proibido tratar mal os clientes, ou é proibido cuspir para cima dos alimentos vendidos na Loja. Tratam-se de normativos gerais de conduta, de senso comum, mas cuja violação faz incorrer o trabalhador na violação dos seus deveres laborais. Acresce que havia um conjunto de medidas tácitas de que os colaboradores tinham pleno conhecimento tais como a existência de uma gatoeira na Portaria (no átrio), onde os referidos...

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