Acórdão nº 07P4822 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS CABRAL
Data da Resolução29 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça AA veio, ao abrigo do artº 437° nº 1 e 4 do Código de Processo Penal, interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, para o pleno das secções criminais, invocando as seguintes razões: 1) Por Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13 de Fevereiro de 2007, objecto do presente recurso considerou-se que o prazo de 30 dias previsto no nº6 do artigo 328 do Código de Processo Penal para retoma da audiência adiada, sob pena de perder a eficácia a produção de prova já realizada, apenas se dirige aos casos de oralidade pura de audiência e não de oralidade documentada.

2) Pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13 de Março de 1991 entendeu-se que o principio da continuidade da audiência na previsão do actual Código de Processo Penal não sofre qualquer excepção derivada do registo da prova.

Respondeu o Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça nos termos do disposto no art. 439.° nº 1, do Código de Processo Penal requerendo o prosseguimento dos autos.

No exame preliminar considerou-se admissível o recurso e existente a invocada divergência entre o acórdão recorrido e o acórdão para fixação de jurisprudência.

Oportunamente realizou-se a conferência a que alude o artigo 441.º do Código de Processo Penal na qual se decidiu ser o recurso admissível atenta a oposição de julgados e se determinou o prosseguimento dos autos nos termos dos artigos 442º e seguintes do Código de Processo Penal, considerando a necessidade de fixar jurisprudência.

O Ministério Público apresentou alegações, subscritas pela ExªMª Procuradora-Geral-Adjunta, defendendo o entendimento de que: 1 Tomado no seu sentido subjectivo ou formal, o princípio da imediação «determina que o juiz deverá tomar contacto imediato com os elementos de prova, ou seja, através de uma percepção directa ou pessoal», a qual proporciona uma maior possibilidade de apreensão e compreensão dos elementos trazidos ao conhecimento do Tribunal, que são sempre mediatizados pelo acto de personalidade que a prova por declarações implica.

  1. Os princípios da oralidade e da concentração cumprem, concomitantemente com o princípio da plenitude da assistência (ou da identidade) do juiz, a função de realização da imediação. São instrumentais do princípio da imediação.

  2. Mas para que a imediação produza os seus frutos e não venha a ser desvirtuada, é necessário que o referido contacto oral entre o Tribunal e os participantes processuais se concentre no tempo, assim se procurando evitar que as vantagens decorrentes da imediação e da oralidade não sejam defraudadas devido às normais limitações da memória humana.

  3. Iniciada uma audiência de julgamento, ela deve decorrer sem quebras de continuidade, sem interrupções ou adiamentos, por forma a permitir ao Tribunal uma percepção viva, directa e global, não fragmentária ou atomística, do material base da decisão a proferir.

  4. A regra da continuidade da audiência de julgamento é, assim, um dos meios de fazer actuar o princípio da concentração. Por isso, um adiamento não pode ser tão dilatado no tempo que venha a colocar em causa a apreciação unitária da prova, a reter enquanto durar a audiência.

  5. O Código de Processo Penal de 1986 veio trazer um reforço efectivo dos princípios da imediação, da oralidade e da concentração.

  6. No Relatório do Novo Código de Processo Penal salientam-se, como promotoras da desejável aceleração processual, «a nova disciplina em matéria de prazos, com cominações que se espera eficazes», e a estruturação da audiência de julgamento e «o seu desenvolvimento em termos de continuidade e concentração reforçada».

  7. Nos termos do artigo 328.°, a audiência de julgamento tem de decorrer sem quebras de continuidade, sendo porém admitidas algumas situações de interrupção e de adiamento. Contudo, os adiamentos absolutamente necessários não podem ser tão espaçados que coloquem em causa uma correcta apreciação unitária da prova. Compreende-se, por isso, que a lei tenha também previsto a preclusão da prova já realizada quando o adiamento excedesse trinta dias.

  8. A documentação das declarações orais constituía um princípio geral. Contudo, na versão original do Código de Processo Penal de 1986, estando em causa audiência perante o Tribunal Colectivo ou o Tribunal do Júri, só haveria lugar a documentação das declarações prestadas oralmente em audiência se o Tribunal dispusesse de «meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral daquelas».

  9. Compreendia-se que assim fosse. Por um lado, era uma decorrência da conhecida insuficiência dos meios técnicos de gravação magnetofónica; por outro lado, dos acórdão finais proferidos pelo Tribunal do Júri e pelo Tribunal Colectivo não era admissível recurso para o Tribunal da Relação, mas apenas recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça, estando, por seu lado, os poderes de cognição do Supremo, em sede de questão de facto, restritos à verificação da suficiência ou insuficiência da matéria de facto provada, da existência ou não de contradição insanável na fundamentação ou do cometimento ou não de erro notório na apreciação da prova, podendo apenas concluir pela existência de qualquer destes vícios com base no texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum.

  10. A documentação das declarações prestadas oralmente em audiência não se propunha um único objectivo. Com a referida documentação visava-se: a. Permitir ao Tribunal da Relação, em sede de matéria de facto, o controlo do julgamento levado a cabo pelo Tribunal Singular.

    1. Colocar também ao serviço do Tribunal Colectivo e do Tribunal do Júri um meio de controlo da prova perante eles produzida.

  11. A partir de meados da década de noventa - sobretudo na decorrência das exigências que a entrada em vigor do Decreto-Lei n.o 39/95, de 15 de Fevereiro, implicava -, os Tribunais começaram a dispor dos meios técnicos de gravação magnetofónica em ordem a assegurar a reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência.

  12. As alterações introduzidas ao Código de Processo Penal pela Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, espelham a adopção e crescente apetrechamento dos meios de gravação magnetofónica em todos os Tribunais.

  13. Estando reunidas as condições para a criação de um verdadeiro e efectivo segundo grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto, relativamente aos crimes mais graves - puníveis então com pena de prisão superior a cinco anos e cujo julgamento era da competência do Tribunal Colectivo -, passou a prever-se a possibilidade de recurso para o Tribunal da Relação, em sede de matéria de facto, prevenindo-se assim também uma declaração de inconstitucionalidade, por violação das garantias de defesa consagradas no artigo 32.°, n.o 1, da Constituição, das normas conjugadas dos artigos 433.° e 410.°, n.os 2 e 3, do Código de Processo Penal, versão original, que a evolução da jurisprudência do Tribunal Constitucional então fazia prever.

  14. Estando implementados em todos os Tribunais os meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência, com as alterações ao Código de Processo Penal introduzidas pela Lei n. ° 48/2007, de 29 de Agosto, culmina-se o percurso encetado em meados dos anos noventa: determina-se agora que a documentação das declarações orais prestadas em audiência é sempre obrigatória, sob pena de nulidade.

  15. Com o aludido imperativo pretende-se, por um lado, garantir um verdadeiro e efectivo 2.° grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto; por outro lado, procura-se que o Tribunal disponha sempre - seja Singular, Colectivo ou do Júri - de um meio de controlo da prova perante si produzida.

  16. No nº 6 do artigo 328.° determinam-se: a) O prazo de duração máxima de um adiamento - trinta dias.

    1. A consequência de não ter sido retomada a audiência decorrido que seja esse prazo de duração máxima de adiamento. Contemplam-se, por isso, duas realidades diversas, com implicações distintas.

  17. A norma prevista no nº 6 do artigo 328.°, evocando as palavras da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n. ° 21/IV, sob o ponto 33, é uma norma disciplinadora, «visando a prossecução do princípio da continuidade, verdadeiro garante da aceleração processual nesta fase».

  18. Ao tempo da entrada em vigor do novo Código de Processo Penal, o apetrechamento dos Tribunais com os meios técnicos idóneos a assegurar a reprodução integral das declarações prestadas oralmente em audiência estava ainda muito longe de se ter iniciado.

  19. Tendo presente, nomeadamente, os casos de julgamentos com prova complexa e as consabidas limitações da memória humana, que o decurso do tempo potencia, aceita-se que a lei considerasse um período superior a trinta dias favorável ao esquecimento do conteúdo das declarações prestadas oralmente em audiência, bem como das impressões vivas colhidas quando da sua produção, e adverso à apreciação, que se pretende global e não atomista, da prova produzida.

  20. Compreende-se, por isso, que, embora negando o princípio da celeridade, se tenha dado prevalência ao princípio da imediação, de que o da concentração é instrumental, e se tenha cominado com a perda de eficácia da produção de prova já realizada sempre que a audiência não pudesse ser retomada no aludido prazo de trinta dias.

  21. Mesmo que o Juiz, na marcação da data para a continuação de audiência adiada, não tivesse infringido a norma constante da 1ª parte do artigo 328.°, n.o 6 - o adiamento não pode exceder trinta dias -, se não fosse possível, por qualquer motivo, ainda que ponderoso, retomar a audiência no aludido prazo de trinta dias, perdia eficácia a produção da prova realizada.

  22. E aceita-se que assim fosse, pois o adiamento não pode ser tão espaçado que, por implicar a possibilidade de frustração de uma apreciação unitária, acabe por defraudar o princípio processual da imediação, e os que dele são instrumentais, indispensáveis ao julgamento.

  23. Percebe-se, pois, a opção da lei no...

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