Acórdão nº 08P2851 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução16 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Em processo comum com o n° 924/06.1S5LSB da 2ª Vara Criminal de Lisboa, o arguido AA, nascido a 30.07.1985, foi submetido a julgamento de tribunal colectivo, a 28 /6/2007, e condenado pela prática de um crime de homicídio p. e. p. pelo art.° 131.° do Código Penal, na pena de 9 anos de prisão, e no pagamento à demandante BB, da quantia de € 45.189,26, a título de indemnização.

Interposto recurso da decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 10/10/2007 ficou anulada aquela decisão. Foi ordenado que se juntasse aos autos o resultado de perícia a uma zaragatoa bucal, para se saber se o recorrente estava, à data dos factos, sujeito à influência de estupefacientes, e bem assim que, reaberta a audiência, se ouvissem testemunhas, "decidindo-se depois em conformidade, nos termos referidos".

Por falta de condições técnicas para o fazer, o Instituto Nacional de Medicina Legal solicitado devolveu as amostras enviadas, e o exame pericial em questão não teve lugar (fls 717).

A 13 de Março de 2008 a primeira instância produziu nova decisão, mantendo no entanto a decisão proferida. Interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, foi o mesmo considerado improcedente, confirmando-se o já decidido.

É deste aresto que o arguido agora recorre para o Supremo Tribunal de Justiça.

A - DA DECISÃO DA PRIMEIRA INSTÂNCIA, Extrai-se a seguinte factualidade dada por provada (transcrição): "1. O Arguido e CC mantinham desde o final do mês de Agosto de 2006 uma relação afectiva de natureza homossexual.

  1. No dia 2 de Outubro de 2006 o Arguido deslocou-se até à casa de CC sita na Av. Mouzinho de Albuquerque, n.°..., 2o Dto., nesta cidade e comarca de Lisboa.

  2. A determinada altura o Arguido e CC começaram a discutir, acabando por se envolver em agressões mútuas.

  3. O Arguido desferiu vários pontapés em diversas partes do corpo de CC, sendo que um deles fez com que este caísse.

  4. Estando CC caído no chão o Arguido continuou a pontapeá-lo na zona da cabeça e face.

  5. Durante o decurso da troca de agressões, CC foi à cozinha buscar uma faca.

  6. A determinada altura, no decurso da luta, o arguido agarrou num objecto e com o mesmo atingiu CC na zona do tórax e pescoço.

  7. CC tentou atingir o arguido com a faca que empunhava na mão.

  8. No entanto, o Arguido logrou aparar o golpe e forçar CC a desviar a lâmina, dessa forma sofrendo um golpe na mão.

  9. Dessa forma, o Arguido apoderou-se da faca e, virando-a para CC, com ela desferiu um golpe na zona do abdómen do CC, tendo este caído no chão de imediato.

  10. Uma vez caído ao chão, o Arguido continuou a desferir-lhe vários pontapés por todo o corpo, de forma violenta.

  11. Sem perder a consciência CC ficou prostrado no chão.

  12. De seguida, o arguido constatou que a sua roupa estava toda manchada de sangue pelo que a despiu e vestiu umas calças e uma t-shirt da vítima, após o que abandonou o local levando consigo uma mochila pertença de CC que continha no seu interior vários objectos da vítima, entre eles um telemóvel, dinheiro e vários comprimidos de cor azul com logótipo em forma de borboleta.

  13. No mesmo dia, o arguido procedeu à restituição da mochila na PSP, quando aí se apresentou acompanhado da sua irmã e cunhado.

  14. Nessa circunstância o Arguido apresentava-se combalido, apoiado pelos familiares, não falava, e não reagia, mesmo quando interpelado directamente, tendo recebido assistência do INEM, tanto mais que também apresentava uma ferida na mão, com hemorragia.

  15. Em resultado da acção do arguido, CC sofreu as seguintes lesões: a) Hábito externo: - Escoriações interessando a região frontal, do lado direito, a hemiface direita, o dorso do nariz, os lábios, do lado direito, o mento, a região supra clavicular e face antero-lateral do pescoço, do lado esquerdo, situando-se a maior aqui, com uma área semelhante à da palma da mão de uma criança; - Escoriação "modelada" do colar que trazia ao pescoço; - Ferida cortante na orelha esquerda, mais ou menos horizontal, medindo 1,2 centímetros.

    - Ferida cortante na face lateral esquerda do pescoço, no terço superior, antero posterior, medindo 0,5 centímetros.

    - Ferida cortante na face anterior do hemitórax direito, situada 24 centímetros abaixo do plano horizontal do ombro e 4 centímetros para a direita da linha médio esternal. A ferida é oblíqua para baixo e para dentro, medindo 0,6 centímetros, com tradução na t-shirt.

    - Ferida cortante na face posterior do braço direito, mais ou menos vertical, medindo 2,2 centímetros.

    - Ferida corto-perfurante no hipocôndrio esquerdo, situada 5,5 centímetros abaixo do rebordo costal inferior esquerdo, oblíqua para baixo e para fora, medindo 1,5 centímetros, com tradução no vestuário que cobria esta região.

    - Quatro feridas punctiformes na parede abdominal anterior, duas no quadrante direito e duas no médio.

    - Ferida punctiforme no dorso da mão direita ao centro.

    - Unhas de bordos regulares e intactos, com sangue sub-ungueal; - Queimadura do primeiro grau, com características post-mortem, interessando o ombro e o terço superior, anterior e lateral direita do tórax.

    1. No Hábito Interno: - Infiltração sanguínea do terço posterior do músculo temporal direito, com um diâmetro de cerca de 4 centímetros; - Infiltrações sanguíneas, ténues, das leptomenínges na base dos lobos occipitais, com maior expressão à esquerda; - Fractura do corno superior do osso hióide com infiltração sanguínea perifocal; - Encéfalo pálido; - Infiltração sanguínea da musculatura da parede abdominal anterior; - Hemoperitoneu (cerca de 1500 cc de sangue líquido); - Extenso e espesso hematoma retro-peritoneal; - Ferida corto-perfurante, transfixiva, do mesentério e da aorta abdominal; - Ferida corto-perfurante, transfixiva, da grande curvatura gástrica, com infiltração sanguínea perifocal; - Vísceras anemiadas; - Hemorragias sub-endocárdicas; 17. A morte de CC foi devida às graves lesões traumáticas abdominais, produzidas por um instrumento de natureza corto-perfiirante.

  16. O arguido agiu deliberada, livre e conscientemente.

  17. Ao actuar da forma descrita, o arguido procedeu com o propósito de tirar a vida a CC.

  18. Sabia o arguido que os vários e persistentes pontapés que desferiu sobre CC em diversas partes do corpo, bem como o golpe infligido com a faca no abdómen, e com a profundidade com que o atingiu, eram susceptíveis de lhe provocar várias lesões traumáticas adequadas a causar a morte, o que veio a suceder.

  19. O arguido agiu ciente das características corto-perfurantes da faca com a qual desferiu o golpe descrito e ciente ainda de que na área em que foi desferido se alojam órgãos vitais cuja lesão seria susceptível de causar a morte, resultado que o arguido quis, previu e alcançou como consequência do seu comportamento.

  20. Sabia ser tal conduta proibida e punida por lei.

  21. CC era filho de BB 24. Era formado pelo Instituto Politécnico de Setúbal/Escola Superior de Ciências Empresariais na área da informática.

  22. À data dos factos trabalhava como freelancer na criação de páginas na Internet, cumulando esse trabalho com o de formador de modelos e com a de manequim.

  23. CC tinha 28 anos de idade à data dos factos.

  24. Os rendimentos de CC constituíam uma ajuda no orçamento familiar, com a qual contava a sua mãe.

  25. Para além da mãe, ora requerente, a vítima deixou um irmão de 14 anos de idade.

  26. BB sofreu imensa dor em consequência da morte do seu filho, e das circunstâncias de violência que a mesma envolveram, vivendo angustiada.

  27. Também o irmão menor sofreu e continua a sofrer intensamente a perda de CC.

  28. BB inscreveu, apenas por 3 meses, o seu filho DD no Colégio dos Plátanos.

  29. Por a sua situação financeira o não permitir teve que retirar o seu filho DD desse colégio.

  30. BB pagou € 1.441,43 ao Colégio dos Plátanos pelo tempo que o seu filho DD frequentou tal colégio.

  31. Em consequência dos factos, e da violência que os mesmos envolveram, BB teve que substituir diversas mobílias, reparar portas e janelas, bem como pintar grande parte da casa para ocultar manchas de sangue.

    3 5. Para tanto pagou € 109,00 com a compra de uma tv/vídeo.

  32. €140,60 em vidros.

  33. € 296,00 na substituição do beliche e do colchão do quarto.

  34. € 165,71 na substituição da esteira que se encontrava no chão do quarto.

  35. €150,00 na substituição do sofá do quarto.

  36. € 48,75 com a substituição da fechadura do quarto.

  37. Despendeu ainda com a reparação e pintura das divisões afectadas € 1.669,80.

  38. Nestas reparações referidas no facto 40., incluem-se a colocação de vidros na janela do quarto e de vidros na janela da marquise das traseiras 43. BB pagou ainda € 2.750,00 pelo o funeral de CC.

  39. O arguido é o mais novo de cinco irmãos e provém de uma família de baixo estatuto sóció-económico e cultural. Beneficiou de dinâmicas integradoras/protectoras, com valorização da formação pessoal.

  40. Cerca dos 3 anos de idade do arguido ocorreu a separação dos pais, mantendo-se a existência de laços com ambos os progenitores 46. Ao nível escolar regista percurso estável, encontrando-se no 2º ano do curso de gestão, do Instituto Superior de Economia e Gestão, com algumas cadeiras em atraso. Apenas com a inserção no ensino superior começa a registar algum absentismo, bem como mais saídas, designadamente ao fim-de-semana e para discotecas, com amigos que não frequentavam a sua casa. Inicia então o consumo de ecstasy.

  41. Tem experiência de trabalho em ocupações esporádicas.

  42. Vive com a mãe num apartamento da Câmara, na zona de Cheias. Beneficia dos afectos de toda a família, materna e paterna.

  43. Revela facilidade ao nível da comunicação interpessoal, bem como capacidade de descentração, constatando-se a aquisição de competências pessoais e sociais que aparentemente lhe terão conferido uma sociabilidade dita "normativa".

  44. Demonstra, contudo, algumas dificuldades de afirmação, ou em lidar com opções pessoais do foro da sua intimidade, que não partilhou com a família.

  45. Conta na retaguarda com o apoio incondicional da sua família nuclear e alargada, que acredita no seu potencial...

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