Acórdão nº 08A343 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelALVES VELHO
Data da Resolução16 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. - "AA, SA" intentou acção declarativa contra BB e CC, pedindo a condenação dos RR. a pagarem-lhe, solidariamente, a importância de € 12.912,68, acrescida de € 2.036,93 de juros vencidos e € 81,47 de imposto de selo sobre estes juros, e, ainda, os juros que sobre a dita quantia de € 12.912,68 se vencerem, à taxa anual de 25,59%, incluindo a cláusula penal, desde 10/01/2002, e o imposto de selo que, à taxa de 4%, sobre estes juros recair.

Fundamentando as suas pretensões, alegou, em resumo, ter celebrado com o R. BB, marido da R. CC, um contrato de mútuo, mediante o qual lhe emprestou esc. 3 000 000$00, com juros à taxa de 21,59%, que este se obrigou a pagar em 48 prestações mensais e sucessivas, do montante de esc. 95.880$00 cada uma, com vencimento no dia 10 de cada mês e início em Abril de 2000, mais tendo ficado acordado que a falta de pagamento de uma prestação no respectivo vencimento implicava o vencimento das restantes e que, em caso de mora, seria aplicável a taxa de juro contratual acrescida de quatro pontos percentuais. A vigésima segunda prestação não foi paga, em 10-01-2002, vencendo-se, então, todas, ascendendo as prestações em débito a € 12.912,68.

Alegou ainda serem os RR. casados entre si e ter o empréstimo revertido em proveito comum do casal por o veiculo se destinar ao património comum do casal.

Contestou apenas a Ré CC impugnando a factualidade constante da petição inicial, e invocando a sua ineptidão, designadamente no que toca ao proveito comum, fundamento do pedido contra si dirigido.

A acção procedeu parcialmente e apenas contra o Réu BB com a condenação deste "no pagamento à Autora de uma quantia a liquidar em execução de sentença, correspondente às prestações de capital não pagas, acrescidas de juros moratórios, à taxa anual de 21,59%, desde 10-01-002 até integral pagamento, bem como o correspondente imposto de selo".

A decisão foi impugnada pela Autora, mas a Relação julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença.

A Autora interpôs recurso de revista, pedindo a revogação do acórdão e a procedência total da acção.

Das extensas conclusões formuladas, com conteúdo repetido, extrai-se a seguinte síntese útil: 1. 1. - As Condições Gerais acordadas no contrato de mútuo dos autos, que se encontravam já integralmente impressas quando o 1º R. ora recorrido o assinou, não constituem qualquer formulário onde se possa inserir ou preencher o que quer que seja. Formulário onde se podem inserir cláusulas constitui a frente do contrato onde estão as Condições Específicas do mesmo e se encontra a assinatura do R., pelo que não existe qualquer violação do disposto na alínea d) do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro.

  1. 2. - Deve, por isso, aplicar-se aquilo que consta e foi expressamente acordado nas condições gerais do contrato dos autos, ou seja, para além do mais, o que consta das alíneas b) e c) da cláusula 8ª: vencimento imediato de todas as prestações por falta de pagamento de uma, na data do respectivo vencimento; e, a título de cláusula penal moratória, indemnização correspondente à taxa de juro contratual, acrescida de quatro pontos percentuais; 2. Mesmo que se considerassem excluídas as cláusulas gerais incluídas no contrato, mesmo sem a cláusula penal, sempre a A. teria direito a juros moratórios à taxa de 23,59% (21,59+2), nos termos do n.º 1 do art. 7º do DL n.º 344/78, de 17/11 (redacção do DL n.º 83/86, de 6/5); 3. 1. Ainda com a exclusão das cláusulas gerais acordadas, haveria lugar à aplicação do disposto no art. 781º C. Civil segundo o qual, para que se verifique o vencimento de todas as prestações, basta que se verifique a falta de pagamento de uma delas, não sendo necessária qualquer interpelação para que tal vencimento se verifique.

  2. 2. Ainda que se entendesse estarem excluídas as condições gerais e que para efeitos de vencimento das prestações por via do art. 781º era necessária a interpelação do R. para esse efeito, sempre tal interpelação terá ocorrido pelo menos com a citação para a acção; 4. 1. É errado e infundado o "entendimento" de que o vencimento antecipado das prestações de um contrato de mútuo oneroso por via do artigo 781º do Código Civil, apenas importa o vencimento das fracções da divida de capital e não dos respectivos juros remuneratórios, porquanto o referido preceito legal não faz, nem permite fazer, qualquer distinção entre o vencimento de fracções de capital ou o vencimento de fracções de juros, bem como não diz ou sequer indicia, por exemplo, que apenas se aplica aos mútuos gratuitos e não aos mútuos onerosos, ou vice-versa.

  3. 2. O preceito legal apenas fala em "obrigação", "prestações" e no "vencimento" de todas as prestações mediante a falta de realização de uma delas, e aplica-se a todos os tipos de mútuo, excepto se for afastada pelas partes, já que se trata de norma supletiva, pelo que não se vê, nem há, pois, qualquer fundamento para se entender que o disposto no artigo 781º do Código Civil distingue entre fracções de capital ou fracções de juros, e menos ainda, que apenas se aplica a fracções de capital ou apenas a fracções de juros.

  4. 3. Num mútuo oneroso a "obrigação" do mutuário para com o mutuante é precisamente a restituição da quantia ou da coisa mutuada, mais a retribuição do empréstimo que as partes acordaram, ou seja, habitualmente, os juros.

  5. 4. Assim, no caso de mútuo oneroso liquidável em prestações, é a obrigação do mutuário (restituição da coisa mutuada + retribuição do mútuo acordada) que é repartida por tantas fracções (prestações) quantas as partes acordarem, e que, se não "ab initio", pelo menos em caso de incumprimento de uma delas, se vencem na totalidade.

  6. 5. Pelo que, num contrato de mútuo oneroso em que as partes acordaram no cumprimento da obrigação do mutuário (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo) em prestações, é manifestamente errado e contra a própria natureza jurídica do mútuo oneroso, querer proceder-se a qualquer distinção entre "capital" e "juros", ou melhor, entre restituição da quantia ou coisa mutuada e a respectiva remuneração do mútuo acordada, tanto mais que, pela sua própria natureza a obrigação do mutuário num mútuo oneroso é só UMA! - (restituição da quantia ou coisa mutuada + retribuição do mútuo).

  7. 6. Ao fazer-se tal distinção está-se, errada, indevida e artificialmente, a equiparar as consequências do incumprimento de um mútuo oneroso com as de um mútuo gratuito 4. 7. Bastará ao mutuário incumprir um contrato de mútuo como o dos autos, para que esse mesmo mútuo se transforme, de facto e automaticamente, num mútuo gratuito, passando o mutuário a ter apenas de pagar então os juros moratórios sobre o capital em divida, e isto enquanto quiser, ou seja, enquanto durar a mora.

  8. 8. Ao perfilhar-se tal "entendimento", está-se a incentivar e premiar o incumprimento do contrato de mútuo por parte do mutuário, que, assim, e por causa do seu próprio incumprimento, deixa de ter de pagar a remuneração do mútuo em que as partes acordaram, para passar a ter apenas de restituir a quantia ou coisa mutuada, o que é um perfeito contra-senso jurídico.

  9. 9. A Lei não só prevê e regula a gratuitidade ou onerosidade do mútuo, como expressamente prevê no artigo 1147º do Código Civil que "No mútuo oneroso o prazo presume-se estipulado a favor de ambas as partes, mas o mutuário pode antecipar o pagamento, desde que satisfaça os juros por inteiro." 4. 10. Assim, é manifestamente errado pretender ou permitir que no caso de o mutuário incumprir o contrato não tem já que pagar os mesmos juros por inteiro; 4. 11. Se se tiver em consideração que o que nos autos está em causa é um mútuo oneroso comercial ou, mais precisamente, bancário, e se se atentar naquilo que foi expressamente acordado pelas partes no contrato de mútuo dos autos, então é ainda mais errado aquele dito "entendimento".

  10. 12. Com efeito, não está aqui sequer em causa a mera aplicação do artigo 781º do Código Civil.

  11. 13. Na verdade, o vencimento imediato de todas as prestações do contrato de mútuo dos autos, mediante o não pagamento de uma delas na data do respectivo vencimento, dá-se não sequer, ou apenas, por via do referido artigo 781º do Código Civil, mas sim por via do expressamente acordado entre as partes na clausula 8ª, alínea b) do contrato de mútuo dos autos.

  12. 14. Pelo que, mesmo que se entendesse que o disposto no dito artigo 781º do Código Civil distingue entre capital e juros e apenas implica o vencimento do montante do empréstimo e não da respectiva remuneração acordada (o que manifestamente não distingue e é um erro, como se procurou já explicitar), o certo é que, atento o expressamente acordado no contrato de mútuo dos autos, dúvidas não restam de que, vencida uma prestação todas as outras prestações se vencem imediatamente sem qualquer distinção entre capital e juros ou montante do empréstimo e remuneração do empréstimo.

  13. 15. Aliás, o próprio Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro (arts. 2º-d) e e) e 4º), que regula os contratos de crédito ao consumo como o dos autos, prevê e estabelece o calculo do "custo total do crédito" que engloba precisamente o montante do empréstimo, os juros acordados e as restantes despesas ou encargos a cargo do mutuário, sendo que é esse montante global, desde logo achado e calculado, que é repartido em prestações uniformes que o mutuário se obriga a pagar. (cfr. artigos 2º, alínea d) e e), e artigo 4º do referido Decreto-lei n.º 359/91, de 21 de Setembro), sendo que tal apenas reforça, ainda mais, aquilo que já antes se explicitou, ou seja, que tal como no mútuo oneroso meramente civil, a obrigação do mutuário fraccionada em prestações engloba o capital e a respectiva remuneração. É essa a obrigação do mutuário "ab initio"; 4. 16. A A. é uma instituição de crédito, pelo que pode proceder à capitalização de juros, sendo que pode - como o fez - pedir juros moratórios sobre o valor total das prestações em débito...

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