Acórdão nº 07A3965 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelPAULO SÁ
Data da Resolução09 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Plenário das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça: I.

- Banco M... S.A.

instaurou, em Janeiro de 2001, na 1.ª Vara Cível de Lisboa, acção executiva contra AA, para cobrança coerciva da quantia de 3.696.973$00, acrescida de juros vincendos e encargos, referentes a mútuo para aquisição de veículo automóvel, indicando à penhora, entre outros bens, o veículo objecto do contrato.

Penhorado este e constatando que sobre esse veículo incidia reserva de propriedade a favor do exequente, o juiz a quo convidou-o a fazer prova da renúncia a tal reserva, convite que o mesmo não aceitou (não obstante afirmar expressamente essa renúncia), pelo que foi decretada a suspensão da execução quanto a esse bem, até se mostrar cancelado o registo da reserva de propriedade.

Inconformado, agravou o exequente concluindo, em síntese, pela falta de fundamento da decretada suspensão, tendo a Relação de Lisboa confirmado a decisão da 1.ª instância.

De novo inconformado, o exequente interpôs da referida decisão novo recurso de agravo, nos termos dos artigos 754.º, n.º 2, 762.º n.º 3 e 732.º-A e 732.º-B do Código de Processo Civil.

O agravante conclui, em síntese, as suas alegações do seguinte modo: 1. Nos autos em que sobe o presente recurso foi logo de início requerida a penhora sobre o veículo automóvel com a matrícula ...-...-HS, penhora que foi ordenada pelo Juiz em 1.ª instância, e que foi devidamente registada.

  1. Não é por existir uma reserva de propriedade sobre o veículo dos autos em nome do ora recorrente que, para efeitos da execução prosseguir, é necessário que este requeira o cancelamento da dita reserva.

  2. O facto de a reserva de propriedade estar registada não impede o prosseguimento da execução, pois de acordo com o disposto nos artigos 824.º do Código Civil e 888.º do Código de Processo Civil, aquando da venda do bem penhorado, o Tribunal deve, oficiosamente, ordenar o cancelamento de todos os registos que sobre tal bem incidam.

  3. No caso de surgirem dúvidas sobre a propriedade dos bens objecto de penhora, deve agir-se de acordo com o que se prescreve no artigo 119.º do Código do Registo Predial, caso a penhora tenha sido realizada.

  4. Tendo a ora recorrente optado pelo pagamento coercivo da divida em detrimento da resolução do contrato e do funcionamento da reserva de propriedade para chamar a si o bem sobre o qual a mesma incide - o que, como referido, seria, neste caso, ilegítimo; tendo a exequente renunciado ao "domínio" sobre o bem - pois desde o início afirmou que o mesmo pertencia à recorrida; tendo, como dos autos ressalta, a reserva de propriedade sido constituída apenas como mera garantia, e para os efeitos antes referidos; prevendo-se nos artigos 824.º do Código Civil e 888.º do Código de Processo Civil, que aquando da venda do bem penhorado, o Tribunal deve, oficiosamente, ordenar o cancelamento de todos os registos que sobre tal bem incidam; e não se prevendo no artigo 119.º do Código do Registo Predial que se notifique o detentor da reserva de propriedade para que requeira o seu cancelamento, é manifesto que o acórdão recorrido, ao sancionar o decidido em 1.ª instância, errou e decidiu incorrectamente.

  5. Caso, assim, não se entendesse, sempre se dirá, que deveria o exequente titular da reserva de propriedade - ter sido notificado nos termos do disposto no artigo 119.º, n.º 1, do Código do Registo Predial.

  6. O acórdão recorrido, ao confirmar o decidido em 1.ª instância violou, pois, e erradamente interpretou e aplicou o disposto no artigo 888.º do Código de Processo Civil, violou também o disposto nos artigos 5.º, n.º 1, alínea b) e 29.º do Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro, os artigos 7.º e 119.º do Código do Registo Predial e 408.º, 409.º, n.º 1, 601.º e 879.º, alínea a), todos do Código Civil.

  7. Impõe-se pois, a procedência do presente recurso e a substituição do acórdão recorrido por outro que reconheça e decida que o facto de existir registo de reserva de propriedade em favor do exequente em autos de execução em que o veiculo foi penhorado e a penhora registada, para efeitos da execução prosseguir não é necessário que o exequente proceda ao cancelamento do mesmo, aliás, a ordenar sempre posteriormente, nos termos do artigo 888.º do Código de Processo Civil, desta forma se UNIFORMIZANDO JURISPRUDÊNCIA.

    Não houve contralegações.

    O Senhor Presidente deste Tribunal determinou o julgamento alargado do recurso e o Ministério Público foi de parecer que o conflito fosse resolvido no sentido de que: "Verificando-se que sobre veículo automóvel que fora penhorado incide registo de reserva de propriedade a favor do próprio exequente, a acção executiva não pode prosseguir sem que previamente tal averbamento se mostre cancelado, designadamente através de renúncia do exequente ao direito registado".

    Por entender indispensável ao esclarecimento das questões em debate, o Relator notificou o recorrente para apresentar certidão da petição inicial e dos documentos que a acompanharam, da decisão que constitui título executivo, bem como do documento que serviu de base ao registo de reserva de propriedade.

    Dos documentos apresentados, para além de se ter esclarecido qual a matéria de facto fixada pelas instâncias, constatou-se que, no requerimento-declaração para registo de propriedade, a T... assina como vendedora do veículo e que, no contrato de mútuo, se identifica o veículo financiado e o respectivo fornecedor (não referido como vendedor) não se referindo aí, no campo das garantias, a reserva de propriedade.

    Cabe apreciar e decidir.

    II.

    Fundamentação De Facto II.A.

    A factualidade relevante é a alegada na petição inicial e provada documentalmente, uma vez que a ré não contestou.

    Em síntese: - O A. Banco M..., tinha anteriormente a designação de T... - Financiamento de Aquisições a Crédito, S.A. e era uma sociedade financeira para aquisições a crédito, tendo por objecto exclusivo o exercício das actividades referidas nos artigos 1.º e 2.º do Decreto-Lei n.º 206/95, de 14 de Agosto; - No exercício da sua actividade comercial e com destino à aquisição do um veículo automóvel concedeu à R. crédito directo, sob a forma de um contrato de mútuo, no montante de 2.000.000$00; - Nos termos do aludido contrato o empréstimo vencia juros à taxa nominal de 16,99% ao ano, devendo a importância do empréstimo e os juros respectivos, bem como o prémio do seguro de vida, serem pagos, em 60 prestações, mensais e sucessivas, no valor de 50.840$00, vencendo-se a primeira em 10 de Novembro de 1999 e as seguintes nos dias 10 dos meses subsequentes; - A importância de cada uma das referidas prestações deveria ser paga, conforme ordem irrevogável logo dada pela referida R. para o seu Banco, por transferência bancária a efectuar, aquando do vencimento de cada uma das referidas prestações; - A falta de pagamento de qualquer das referidas prestações na data do respectivo vencimento implicava o vencimento imediato de todas as demais prestações; - Em caso de mora sobre o montante em débito, a título de cláusula penal, acrescia uma indemnização correspondente à taxa de juro contratual ajustada, acrescida de 4 pontos percentuais, ou seja, um juro à taxa anual de 20,99%; - Das prestações referidas, a R. não pagou a 7.ª e seguintes, vencida a primeira em 10 de Maio de 2000, vencendo-se então todas.

    II.B.

    De Direito II.B.1.

    Atento o teor da decisão recorrida e das conclusões do recorrente apenas está em questão saber se: Verificando-se que sobre veículo automóvel que fora penhorado incide registo de reserva de propriedade a favor do próprio exequente, pode a execução prosseguir, para as fases de concurso de credores e venda, sem que este, previamente, inscreva no registo a extinção da referida reserva? II.B.2.

    A resposta à questão colocada pressupõe os seguintes patamares de análise: 1. Contradição de acórdãos sobre as mesmas questões fundamentais de direito; 2. Perspectiva da doutrina e da jurisprudência sobre as questões; 3. Apreciação crítica das teses em confronto na sua aplicação ao caso concreto.

    II.B.3.

    A primeira questão a resolver nos recursos ampliados para efeitos de uniformização de jurisprudência é a de saber se existe ou não oposição entre a decisão recorrida e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.

    Ocorre a identidade da questão, se à aplicação normativa está subjacente uma situação de facto substancialmente idêntica.

    No caso vertente está em discussão se a execução pode prosseguir em bem com registo de reserva de propriedade a favor do exequente, sem que este inscreva no registo a extinção do direito registado.

    O conflito terá que se colocar entre a decisão proferida nestes autos e o acórdão invocado como fundamento.

    O acórdão invocado como fundamento é o proferido em 17 de Maio de 2007, no processo n.º 3450/2007, da 6.ª Secção, do Tribunal da Relação de Lisboa, no qual se decidiu não haver fundamento para impor ao exequente, a favor do qual se encontra registada a reserva de propriedade sobre um veículo, que renuncie ao direito registado nem para a suspensão da execução, enquanto tal renúncia não ocorrer, considerando-se haver lugar ao cancelamento oficioso desse registo.

    Tanto basta que para que estejam reunidos os pressupostos para a uniformização de jurisprudência pretendida, sendo certo que a delimitação de uniformização deve pautar-se pelos próprios limites da divergência que são estes: vinculação ou não do exequente ao cancelamento do registo da reserva de propriedade, inscrita a seu favor sobre o bem designado à penhora.

    Adite-se ainda que, também neste tribunal, se verifica a divergência jurisprudencial apontada.

    Assim, no sentido do acórdão recorrido, se pronunciaram os acs. de 12.01.99, Proc. 1111/98-2.ª (Rel., Cons. SIMÕES FREIRE); de 27.05.04, Proc. 1865/04-2.ª (Rel., Cons. MOITINHO DE ALMEIDA); de 13.01.05, Proc. 3754/04-2.ª (Rel., Cons. ABÍLIO VASCONCELOS); de 12.05.05, Proc. 993/05-7.ª (Rel., Cons. ARAÚJO BARROS); de 10.01.06, Proc. 3188/05-6.ª (Rel. Cons...

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