Acórdão nº 07P2030 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 08 de Outubro de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS MONTEIRO
Data da Resolução08 de Outubro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça AA, menor, actualmente de 16 anos, interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, em 14 de Março de 2007, no P.° n.° 4118/06-4.ª Sec, em que se decidiu que não havia que proceder ao desconto, na duração da medida tutelar de internamento que, a final, lhe foi aplicada, no P.° Tutelar Educativo n.° 468/06.1TMPRT, do 2.° Juízo do Tribunal de Menores e Família do Porto, do tempo da duração da medida cautelar de guarda em centro educativo, em regime aberto, nos termos do art.° 56.°, da LTE (Lei Tutelar Educativa ) , em oposição ao acórdão (fundamento) da Relação de Lisboa, de 4.11.2004, da 9.ª Sec. do Tribunal da Relação do Porto, exarado no P.° n.° 6359/2004-9, onde se decidiu que na duração da medida de internamento se devia imputar, descontando, o tempo de guarda em centro educativo sofrido pelo menor.

  1. Declarada, em conferência, a oposição de julgados entre as decisões, depois de individualizado pelo recorrente qual o acórdão fundamento e resolvido incidente sobre a tempestividade do recurso, prosseguiu este, e, no ritualismo legal sequente, o M.° P.° pugnou, alegando, pela fixação de jurisprudência com o alcance do acórdão recorrido, no sentido da inaplicabilidade do instituto de desconto, com consagração no art.° 80.°, do CP, reclamando solução de sinal contrário o menor recorrente, em contraalegação .

    Para tanto alegou aquele Exm.° Magistrado que: Era característica essencial do sistema tutelar concentrado na OTM o tríplice objectivo de protecção, assistência e educação, sem distinção entre situações em que a criança se achasse carente de protecção daquelas em que fosse autora do facto qualificado por lei como crime ou contravenção; Só em 1982, com a l.ª revisão da CRP, passaram estas tríplices finalidades a ter assento no art.° 27.°, pela adição da al. d) ao seu n.° 3.

    Com a entrada em vigor da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo e da Lei Tutelar Educativa, distingue-se entre intervenção promotora e protectora dos direitos da criança em situação de perigo, da intervenção tutelar educativa, relativa a situações em que a criança, com idade compreendida entre 12 e 16 anos, pratica facto qualificado pela lei como crime.

    As medidas tutelares educativas têm como finalidade "a educação do menor para o direito e a sua inserção de forma digna e responsável na vida em comunidade".

    Mas a intervenção tutelar educativa não é encarada como punição do mal causado, antes surge como intervenção responsabilizadora da criança, ordenada ao seu superior interesse, enquanto titular do direito ao desenvolvimento positivo da personalidade em formação.

    Apesar da prova da prática de facto qualificado pela lei como crime, a imposição de uma medida tutelar educativa só se torna imperiosa se a necessidade da conformação ao direito, ao dever - ser jurídico e se verificar ainda no momento da decisão - princípios da necessidade e actualidade, sendo que o grau de necessidade é de ponderar no momento da "escolha" da medida, nos termos do art.° 6.° n.°s 1 e 2 , da LTE .

    Os critérios de escolha fundam-se no interesse do menor, no princípio da intervenção mínima e na procura da adesão.

    Além disso as medidas tutelares educativas são obrigatoriamente revistas e, verificados os seus pressupostos de lei, podem ser mantidas, modificadas no seu regime de execução, substituídas, aumentadas ou reduzidas na sua duração ou mesmo extintas, em função da sua adequação à evolução das necessidades educativas da criança.

    A LTE consagra, diversamente do regime anterior, os princípios da tipicidade, adequação, necessidade, proporcionalidade, subsidiariedade e adequação, determinando os seus pressupostos, formalidades, prazos de duração, revisão e extinção.

    As medidas acham-se previstas, de forma taxativa, no art.° 57.°, als.a), b) e c).

    A duração da medida cautelar de guarda em centro educativo não pode exceder três meses, prorrogável até ao prazo máximo de seis meses em casos de especial complexidade devidamente fundamentada.

    São razões radicadas em imperativos de justiça material que justificam no sistema penal que as medidas processuais restritivas de liberdade sejam descontadas no cumprimento da pena de prisão que vier a ser aplicada, por se traduzirem em restrições de liberdade, impostas por motivos cautelares, a presumido inocente.

    Na tensão existente entre o apelo às exigências de justiça e a salvaguarda das exigências de prevenção especial, o nosso sistema penal de há muito optou pela prevalência do imperativo de justiça material ao estabelecer a obrigatoriedade de desconto.

    Na LTE não existe a obrigatoriedade de qualquer desconto na medida de internamento do tempo de permanência em centro educativo enquanto medida cautelar.

    Uma interpretação sistemática, ancorada na globalidade do sistema tutelar educativo, considerando na sua especificidade do seu âmbito, finalidades, natureza e respectivos instrumentos de realização dá resposta, por si, à questão presente afastando a ideia de lacuna.

    O sistema tutelar educativo, em virtude dos princípios que o enformam, particularmente os da necessidade e da actualidade, assume uma especificidade que implica uma autonomia fundamental em relação à ordem jurídica penal.

    O sistema tutelar educativo recorre a alguns elementos da ordem jurídico-penal, porém o âmbito e sentido do recurso a esses elementos não podem conflituar como os valores, princípios e fins próprios do sistema tutelar educativo, descaracterizando-o e comprometendo-o.

    E tal sucederia pelo encurtamento da duração da medida pelo desconto automático e aritmético do tempo de duração da medida cautelar de guarda em centro educativo.

    A natureza, pressupostos e finalidades da intervenção tutelar educativa pressupõem que a decisão a que se alude no art.° 118.°, da LTE considere todo o percurso da criança, englobando necessariamente o tempo em que esteve de guarda em centro educativo .

    Se o tribunal tendo em apreço a globalidade do percurso da criança, impõe uma medida tutelar educativa de internamento com uma certa duração, é porque considera ser ainda necessário, para uma correcta realização das finalidades da referida medida tutelar educativa, um internamento com a duração que naquele momento fixa.

    A medida tutelar educativa não constitui um sucedâneo do direito penal e que é primacialmente ordenada ao interesse do menor; interesse fundado no seu direito à realização de condições que lhe permitam desenvolver a sua personalidade de forma socialmente responsável.

    Por isso toda a intervenção tutelar educativa está necessariamente orientada nesse sentido.

    Daí que as normas processuais tenham de o reflectir e respeitar.

    Por isso a medida cautelar de guarda em centro educativo tem de tomar em consideração o direito à criança da criação das condições que lhe permitam a interiorização dos valores fundamentais da vida em sociedade e da essencialidade seu respeito.

    Na verdade, visando o sistema tutelar educativo promover as condições de realização do interesse da criança na sua educação para o direito e sua inserção, de forma digna e responsável, na vida em comunidade, as limitações ao seu direito à liberdade e à autonomia impostas pelo Estado só podem decorrer em consonância com esses interesses pressupostos pelo sistema tutelar educativo.

    Não pode haver hiatos que, restringindo a sua liberdade, descurem por períodos não excedente a 6 meses a prossecução dos seus interesses.

    A medida não pode visar apenas interesses processuais em dissonância com os interesses e finalidades da intervenção tutelar educativa.

    A execução da medida tutelar de guarda em centro educativo tem necessariamente de ter em conta e prosseguir finalidades educativas da criança sujeita a medida cautelar de internamento.

    Tem de se inserir no espírito educativo da intervenção tutelar.

    A ser diferentemente ter-se-ia que entender que o menor foi sujeito a uma medida de prisão preventiva aplicada uma criança com idade inferior a 16 anos sem suporte constitucional.

    Uma interpretação sistemática que considere particularmente: -a implicação dos princípios da necessidade e actualidade; -a intervenção tutelar educativa só se legitima se proporcionar à criança condições que levem à interiorização dos valores fundamentais da vida em comunidade e da essencialidade do seu respeito, pelo que também a execução da medida cautelar de guarda em centro educativo tem em conta e prossegue finalidades educativas da criança a ela sujeita; -nos termos do art.° 118.° da LTE tem de ser considerado todo o percurso da criança, englobando o que faz parte da situação em que esteve em guarda em centro educativo; -que se o tribunal aplica uma medida internamento com dada duração é porque considera ser ainda necessário para realização dos interesses da criança em vista da interiorização dos valores fundamentais da vida em sociedade e da essencialidade do seu respeito, com tal duração.

    E assim deve ser fixada jurisprudência no sentido de que no sistema tutelar educativo não há lugar ao desconto do tempo de duração da medida cautelar de guarda em centro educativo na medida de internamento em centro educativo, por inexistência de lacuna.

  2. Por seu turno o recorrente alegou no sentido de: O tempo de privação de liberdade imposta ao menor para a sua educação, a título de medida cautelar de guarda e que teve como pressuposto o cometimento de um facto delituoso, deve ser descontado na execução da medida tutelar de internamento.

    O art.° 80.° do CP determina que a detenção , prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação são descontadas por inteiro no tempo da pena de prisão que lhe for cominada.

    Trata-se de determinação expressa, derivada de imperativos de justiça material, na medida em que tal medida importa um sofrimento para o arguido semelhante à pena em que é condenado e esse sacrifício decorre do mesmo facto que integra ou devia integrar o mesmo facto.

    ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT