Acórdão nº 07S3793 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Setembro de 2008

Magistrado ResponsávelMÁRIO PEREIRA
Data da Resolução24 de Setembro de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I - O autor AA intentou a presente acção emergente de contrato de trabalho contra a ré Sociedade Hoteleira de BB, SA, pedindo que fosse declarado ilícito o seu despedimento promovido pela Ré e que esta fosse condenada a reintegrá-lo nas suas funções de cozinheiro, sem prejuízo da sua antiguidade, e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal.

Alegou para tal, em síntese: Foi admitido como trabalhador da Ré em 4.4.97, com a categoria profissional de cafeteiro e, posteriormente, passou a exercer as funções de cozinheiro de 1ª, na cozinha do estabelecimento de indústria hoteleira denominada Hotel MM, na área de pratos quentes, cabendo-lhe substituir o chefe de cozinha CC nas ausências deste.

Em 17.10.02 ficou temporariamente incapacitado para o trabalho, por doença, tendo-lhe sido dada a respectiva baixa pela Segurança Social e esteve doente até 2.12.03, data em que foi considerado curado e apto para o serviço.

Na sequência da alta médica, apresentou-se ao serviço, vindo a ser submetido a exame médico nos serviços de Medicina no Trabalho da Ré.

Em 25.3.04, a Ré dirigiu-lhe uma carta comunicando-lhe a caducidade do contrato de trabalho, por inaptidão para o exercício das funções correspondentes à respectiva categoria profissional, o que é falso, pois encontra-se totalmente apto a exercer as funções de cozinheiro, o que determina a ilicitude do despedimento, com as inerentes consequências.

Contestou a Ré, impugnando factos da p.i. e alegando, em resumo: Como cozinheiro, o Autor tem que reunir todas as condições e requisitos especiais, nomeadamente de saúde, que lhe permitam manusear alimentos, bem como manusear e utilizar os utensílios necessários ao desempenho da sua actividade, por forma a que o restaurante pudesse funcionar eficazmente.

Nunca teve conhecimento dos motivos de saúde que impossibilitaram o Autor de prestar o seu trabalho durante a baixa.

Quando o Autor se apresentou ao serviço, demonstrava sinais de grande debilidade física, não obstante informar a Ré que não tinha qualquer tipo de doença e que estava em óptimas condições de saúde.

Foi então solicitado ao Autor que se apresentasse ao médico para que se apurasse a sua situação clínica.

Após exames realizados, no âmbito da medicina do trabalho, foi, em 19.12.03, considerado pelo médico, Dr. FR, inapto definitivamente para a profissão de cozinheiro.

Não tendo a possibilidade de atribuir outras funções ao Autor, uma vez que todas as categorias e funções estão completamente preenchidas por outros quadros de pessoal, informou o Autor que o contrato de trabalho se extinguia por caducidade, com o fundamento na impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, física e juridicamente irreversível do Autor em prestar o seu trabalho nos termos contratualmente acordados.

Não sabia qual a patologia clínica que impossibilitava o Autor, de forma definitiva, a prestar o seu trabalho, só tendo agora conhecimento que o Autor é portador do vírus HIV, o que nunca lhe houvera sido comunicado, directa ou indirectamente, nem pelo próprio Autor. Tal facto, agora do seu conhecimento, contribui ainda mais para a impossibilidade do Autor prestar a sua actividade de cozinheiro, uma vez que, tem que manipular alimentos e utilizar objectos cortantes que, desse modo, poderão contagiar outros colegas que estejam a trabalhar na cozinha do hotel.

Atendendo à formação específica do pessoal inerente a um hotel de 4 estrelas e atendendo a que todas as funções estão preenchidas por pessoal especificamente formado para o exercício de determinadas funções, como recepcionistas, mandaretes, empregados de quarto, nunca poderia atribuir outras funções ao Autor.

O Autor deveria informar imediatamente a Ré que é portador de HIV, o que nunca fez, violando assim o dever de lealdade e de informação, por ter o dever de informar o seu estado de saúde, comportamento omissivo que é ilícito.

Concluiu pela improcedência da acção e pediu a condenação do Autor como litigante de má fé.

O A. respondeu ao pedido de condenação como litigante de má fé, defendendo a sua improcedência.

Saneada, instruída e julgada a causa, foi proferida sentença que absolveu a R. do pedido.

Dela apelou o A., tendo a Relação de Lisboa confirmado a sentença. II - Novamente inconformado, o A. interpôs a presente revista em que apresentou as seguintes conclusões: 1ª. O A. exercia funções de cozinheiro no Hotel MM, estabelecimento propriedade da R., na zona de pratos quentes; 2ª. O A. é portador do vírus VIH+, tendo o seu médico assistente emitido declarações datadas de 02.12.2003 e 09.12.2003, no sentido de que podia retomar a sua actividade normal, não apresentando qualquer perigo para os Colegas; 3ª. Os autos não contêm qualquer prova definitiva e irrefutável de que o A. constituísse um perigo concreto para os Colegas e de que esteja definitivamente inapto para o exercício da sua profissão, não se fundando o entendimento do médico Dr. FR em qualquer dado concreto, mas apenas em hipóteses, sendo certo que o conhecimento directo e habilitado, senão mais, tanto como o deste clínico, por parte do médico assistente do A., devia ter sido considerado pelo tribunal.

  1. O A., apresenta uma carga viral indetectável, o que torna praticamente impossível o risco de contágio, tal como decorre da fundamentação da prova produzida na 1ª Instância por parte da Dra.HD, do Hospital Curry Cabral.

  2. Desde a data em que teve alta até à data em que a R. fez caducar o contrato de trabalho do A., não existiu qualquer situação real ou potencial de contágio a Colegas de trabalho e/ou Clientes; 6ª. E as situações de hipotético risco de contágio referidas no Acórdão não têm o menor apoio nos factos provados, pois não se provou a descrição de funções do A., quais os alimentos que manipula e mesmo sequer que existam secreções do mesmo susceptíveis de propagar a infecção, uma vez que a carga viral do A. é indetectável, não se tendo feito prova que a saliva, suor ou lágrimas do Recorrente contenham o vírus.

  3. Ao poder manipular alimentos (e o não dever é substancialmente diverso), afasta desde logo a possibilidade de caducidade do contrato de trabalho pois a impossibilidade não é absoluta; 8ª. A R. não fez qualquer prova concreta de que a prestação de trabalho do A. não podia ser realizada, mesmo que se rodeasse de cuidados em matéria de protecção pessoal; 9ª. Não existe memória ou conhecimento de qualquer caso de transmissão do vírus VIH através de Colegas de trabalho de cozinha ou através de alimentos, sendo irrelevante em termos epidemiológicos e, como tal, não é uma premissa cientificamente correcta; 10ª. Não existe qualquer prova nos autos que são frequentes, na cozinha da R., os cortes com facas e outros objectos; que, em consequência, há derrames de sangue sobre os alimentos, que o A. manipula alimentos crus, e que estes são consumidos pelos Clientes 2 a 3 minutos após terem sido confeccionados, assentando o douto Acórdão em bases cientificamente incorrectas, sem qualquer apoio nos conhecimentos médicos e científicos existentes e estando as teses do douto Acórdão contrariadas por documentos emanados das mais reputadas organizações (Center For Dieseases Control de Atlanta - Estados Unidos da América; Organização Mundial de Saúde; Conselho da Europa; Organização Internacional do Trabalho).

  4. Face à ausência da mínima prova de um risco efectivo, concreto e objectivo de contágio, não existe factos que fundamentem a caducidade do contrato de trabalho promovida pela R.

  5. Impunha-se à R. um esforço positivo na procura de uma ocupação/actividade e posto de trabalho para o A., o que não fez, tendo ocorrido um período de quatro meses em que o A. poderia ter recebido formação para ocupar outro posto de trabalho; 13ª. Na indústria hoteleira, e para mais tratando-se de um trabalhador que exercia funções para a R. há 9 anos, existem variadas profissões, designadamente todas as ligadas ao alojamento, que não envolvem nem elevada especialização técnica, nem riscos potenciais para terceiros; 14ª. A R. não fez qualquer prova de que não possuía qualquer actividade que o trabalhador pudesse executar - nenhum posto de trabalho e, muito menos, vaga aberta; 15ª. O procedimento da R. perante o A. é insuficiente para fazer proceder a caducidade invocada, já que impendia sobre a R. o dever e a iniciativa - concretizadas em factos, que não alegou - de proporcionar um posto de trabalho compatível com a sua capacidade de trabalho e não apenas uma vaga aberta; 16ª. A douta sentença recorrida fez errada interpretação e aplicação dos artigos 13º, 25º, 26º, 53º e 58º da CRP, alínea b) do artigo 387º e, consequentemente, dos artigos 429º, 436º alínea b) e n.º 4 do artigo 437º, todos do Código do Trabalho (Lei 99/2003); Termina pedindo que seja revogada a decisão recorrida e julgada procedente a acção.

A ré contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

No seu douto Parecer, não objecto de resposta das partes, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo pronunciou-se no sentido de ser concedida a revista.

III - Colhidos os vistos, cumpre decidir.

As instâncias entenderam que o contrato de trabalho que ligou as partes cessou por caducidade, nos termos da al. b) do art.º 387º do Código do Trabalho, devido a impossibilidade superveniente, definitiva e absoluta do A. em prestar o trabalho, o que afasta a verificação do alegado despedimento ilícito pela R., com a consequente absolvição dos pedidos contra esta formulados.

Desse entendimento discorda o A., pelas razões sintetizadas nas conclusões da revista, em que defende que não se verificou a dita caducidade.

Sabido que o objecto dos recursos é delimitado pelas respectivas conclusões, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso (art.ºs 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC), está em causa, na revista, a verificação ou não da cessação do contrato por caducidade, com as...

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