Acórdão nº 08A1057 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelURBANO DIAS
Data da Resolução10 de Julho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1. Relatório Banco AA, S.A. deduziu oposição à execução que lhe moveu o Condomínio do Prédio Constituído em Propriedade Horizontal, sito na R. ..., nºs 132 a 314, e na R. ..., 163, Porto, alegando, em síntese, que não lhe são exigíveis as importâncias por este reclamadas, mas sim à locatária que foi das fracções indicadas, BB - Empresas de Construção S. A., e daí, desde logo, a sua ilegitimidade para ser responsável pelo pagamento das mesmas, para além de que nunca fôra convocada para as assembleias-gerais do condomínio e de que tais despesas sempre foram suportadas por aquela firma, locatária financeira das fracções determinantes das mesmas, até ao momento em que lhe foram devolvidas por via da procedência de uma providência cautelar que, entretanto, contra ela instaurara, certo que o pagamento das ditas despesas são, de acordo com o preceituado no artigo 10º, nº 1, alínea b) do Decreto-lei nº 149/95, de 24 de Junho, da responsabilidade do locatário financeiro. Mais disse que a locatária foi declarada insolvente, tendo a exequente reclamado no processo de verificação e graduação de créditos o crédito correspondente ao montante aqui peticionado.

Contestou o exequente, alegando, além do mais, desconhecer a relação jurídica entre a executada e aquela empresa, e que a obrigação de pagamento das prestações não desaparece pelo simples facto de ter visto o seu crédito aprovado no processo de recuperação.

Em sede de saneador, foi a executada julgada parte legítima ad causam e, em consonância com tal posição, após instrução, a oposição foi julgada parcialmente procedente, ficando a quantia exequenda reduzida a 29.250,42 € e juros.

Estas decisões motivaram recursos para o Tribunal da Relação do Porto, aquela de agravo e esta de apelação.

O provimento daquele determinou a absolvição da instância da oponente pelo facto de ter sido julgada parte ilegítima.

Na base desta decisão esteve, sobretudo, a consideração da natureza jurídica da locação financeira imobiliária que "visa o financiamento da aquisição da fracção pelo locatário financeiro", tal como ficou sublinhado num acórdão da mesma Relação e cujo relator foi o então Desembargador Fonseca Ramos, e, mais concretamente, o dispositivo legal supra citado, na medida em que o mesmo, "em vigor à data da celebração dos contratos é cogente, imperativo, por as suas normas serem gerais e abstractas, não tendo eficácia meramente obrigacional, antes se impondo a terceiros, logo, in casu, ao condomínio".

Foi a vez desta recorrer para este Supremo Tribunal, tendo, para o efeito, apresentado a sua minuta que fechou com as seguintes conclusões: - O locador financeiro só deixará de ser o real e efectivo proprietário do bem locado no final do contrato de locação, caso o locatário exerça o correspondente direito de opção de compra.

- Não é, pois, correcta a afirmação de que apenas o locatário financeiro de fracções autónomas colhe vantagens das despesas comuns pois, se o contrato de locação não chegar ao seu termo (como sucedeu no caso dos autos - cfr. ponto 12 da factualidade dada como provada) ou se, aí chegado, o locatário não optar pela aquisição do bem locado, quem colhe as vantagens das aludidas despesas comuns é, por um lado, o locatário, enquanto tiver o seu gozo e, por outro, o locador por continuar a ser o seu proprietário.

- Nos termos do art. 1424°, nº 1, Código Civil, as despesas comuns são pagas pelos condóminos em proporção do valor das suas fracções, sendo que condóminos são, como resulta do nº 1 do art. 1420° do mesmo diploma, os diversos proprietários das fracções que compõem o edifício.

- Tal disposição em nada foi derrogada pelo art. 10° n°1 al. b) Decreto-Lei nº 149/95 (com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 265/97), pois tratam-se de normas de diferente natureza: "a primeira tem natureza real, vinculando «erga omnes» dada a conexão funcional entre a obrigação e o direito real - é obrigado quem é titular do direito real, - a segunda reveste natureza obrigacional, vinculativa inter-partes" (neste sentido, o Ac. STJ de 19.3.2002, in proc. 361/01-6).

- Aliás, se dúvidas existissem acerca do alcance do art. 10° Decreto-Lei nº 149/95, o vertido na parte final do respectivo preâmbulo eliminava-as ao dizer: "enunciam-se mais completamente os direitos e deveres do locador e do locatário, de modo a assegurar uma maior certeza dos seus direitos e, portanto, a justiça da relação" (sublinhado nosso).

Isto posto, - Como é evidente, o problema da responsabilidade do locador financeiro pelo pagamento das despesas comuns apenas se coloca nos casos de incumprimento do contrato de locação por parte do locatário.

- Assim, a aceitar-se o entendimento perfilhado no acórdão recorrido no sentido de que o locador financeiro de fracções autónomas não é responsável pelo pagamento das respectivas despesas comuns, o mesmo (que é proprietário das fracções autónomas locadas) estaria, no que diz respeito às despesas do condomínio, a transferir para os demais condóminos o risco do negócio que celebrou com o locatário, na medida em que ficaria desonerado do pagamento de tais despesas quer o mesmo fosse ou não efectuado por este último e, melhor do que isso, não deixava de beneficiar com as despesas de conservação e/ou de beneficiação suportadas pelos demais condóminos.

- Ou seja, pelo entendimento proposto no acórdão recorrido, o dono das fracções, porque escolheu mal o locatário, via as mesmas conservadas ou beneficiadas sem ter que despender um tostão.

- É evidente que não poderá ser assim, sob pena de se admitir que o locador financeiro enriqueça sem causa à custa dos demais condóminos.

- E não se diga, como se diz no acórdão recorrido, que o entendimento acabado de expôr "peca, por um lado pela desconsideração de que também o proprietário pode incorrer em incumprimento, não sendo essa uma situação invulgar, e, por outro, porque o locador está nos antípodas da posição de proprietário em relação à coisa: não escolhe o bem, não determina as suas características, não se preocupa com a sua rentabilidade são tudo assuntos que dizem respeito ao utente/locatário".

- Na verdade, o locador sempre terá a responder pelo seu incumprimento pelas fracções autónomas de que é proprietário, ao passo que o locatário pode não ser dono de coisa nenhuma, pelo que a probabilidade de o condomínio obter o pagamento das despesas comuns do locador é, em regra, significativamente maior do que de o obter do locatário.

- Depois, porque o locador, apesar de não escolher o bem locado, conforma-se com a escolha feita pelo locatário, não se vislumbrando, pois, que diferença possa haver entre as duas situações.

- Em face do exposto, deve entender-se que o locador financeiro de fracções autónomas é responsável, perante o condomínio, pelo pagamento das correspondentes despesas comuns.

- Entendendo diferentemente, o acórdão recorrido fez errada aplicação do artigo 10° n°1 alínea b) Decreto-Lei nº 149/95 (com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 265/97) e violou o disposto nos artigos 1420°, nº 1, e 1424°, nº 1, Código Civil, pelo que deve ser revogado e, consequentemente, mantido o decidido em 1ª Instância.

Em defesa do aresto impugnado, contra-alegou a recorrida.

  1. As instâncias deram como provados os seguintes factos: 1 - A executada é proprietária das fracções autónomas designadas pelas letras AGM, AGN, AGO, AGP, AHH, AHI, AHJ, AHL, AID, AIE, AIF, AIG, SH, SI, SJ, SL, SM, SN, SO, SP, SR, SS, ST, SU, SV, e SX do prédio constituído em propriedade horizontal sito na Rua ... 132 a 314 e na Rua ..., Massarelos, Porto, com a permilagem num total de 48,5.

    2 - Não foram pagas as quotas das despesas de condomínio relativas a essas fracções autónomas respeitantes a todos os trimestres do ano de 2001, do 1º trimestre do ano de 2002, o valor de € 2.627,08 do 2º trimestre de 2002.

    3 - Não foi pago até ao dia 8 do primeiro mês do respectivo trimestre as quotas de despesas de condomínio de todos os trimestres do ano de 2000 e do 3º trimestre do ano de 2002.

    4 - As quotas do ano de 2000 respeitantes às referidas fracções foram do montante de 14.901,62 €, conforme o teor da deliberação da assembleia de condóminos de 04.01.1999, conforme o teor do documento de fls. 27 a 29 dos autos executivos que aprovou o orçamento para 1999, o qual vigorou também em 2000.

    5 - As quotas do ano de 2001 respeitantes às mesmas fracções foram do montante de 13.409,76 €, conforme o teor da acta de fls. 30 a 50 da execução.

    6 - As quotas trimestrais do ano de 2002 respeitantes às mesmas fracções foram do montante de 3.652,65 conforme o teor do documento junto a fls. 51 a 67 da execução.

    7 - Os mesmos valores vigoraram para o ano de 2003.

    8 - Dá-se por integralmente reproduzido e integrado o teor do Regulamento do Condomínio junto a fls. 1 a 26 da execução.

    9 - As preditas fracções estiveram por todo o período a que se reportam as quotas e despesas de condomínio peticionadas, dadas de locação financeira à sociedade BB - Empresa de Construções e Obras Públicas CC, S.A., conforme o teor do contrato junto a fls. 13 a 25.

    10 - Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos documentos juntos a fls. 26 a 69.

    11 - A BB foi convocada pela Administração do Condomínio exequente para as reuniões, ordinárias e extraordinárias das Assembleias de Condóminos.

    12 - Em 22 de Maio de 2002 as fracções referidas foram restituídas à oponente.

    13 - Todos os contactos, convocatórias, avisos, actas e diligências relativos ao condomínio aqui em causa, eram dirigidos directamente, pela exequente à Sociedade BB, S.A.

    14 - Relativamente ao 3º trimestre de 2003, a oponente pagou o valor de 3.641,46 €.

    15 - A exequente enviou à oponente a carta datada de 30-10-2003, junta a fls. 96 a 97, a qual foi recebida pelo oponente em 31-10-2003.

    16 - A oponente enviou à exequente a carta junta a fls. 100.

    17 - A exequente enviou à oponente a carta junta a fls. 102.

    18 - A oponente enviou à exequente a carta datada de...

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