Acórdão nº 08A1471 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelGARCIA CALEJO
Data da Resolução10 de Julho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA, residente no Bairro do Pinhal, Lote 5, Carapinheira, Igreja Nova, propôs a presente acção com processo ordinário contra Empresa-A, Lda, com sede na Rua Tierno Galvan, ... ... Lisboa e Empresa-B, SA, com sede na Avenida 5 de Outubro, ..., Lisboa, pedindo a condenação solidária das RR. a pagar-lhe a quantia de 42.250.000$00 líquidos de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, acrescida de juros de mora desde a citação e até integral pagamento.

Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que concorreu e foi seleccionada para participar no concurso televisivo "Quem quer ser Milionário", produzido pela 1ª R. (responsável pela selecção dos concorrentes e organização do concurso) e publicitado pela 2ª R. (responsável pelo pagamento dos prémios). No concurso respondeu correctamente a 11 perguntas e estava a ganhar a quantia de Esc. 3.500.000$00 quando respondeu à pergunta que lhe daria Esc. 7.500.000$00. A resposta foi considerada errada pelo computador e, consequentemente foi eliminado, passando de Esc. 3.500.000$00 que já havia ganho, para apenas Esc. 1.750.000$00. Posteriormente constatou que a resposta dada havia sido correcta, comunicando tal facto à 1ª R., tendo obtido como resposta que o renunciara ao recurso, porquanto assinara uma declaração nesse sentido. A declaração foi assinada no estúdio, minutos antes de ser iniciada a gravação e enquanto era maquilhado na sala de caracterização, sendo que nenhuma cópia lhe foi dada. Ficou prejudicado com o erro cometido pelas RR. e o comportamento destas para consigo constitui manifesta violação do princípio de boa-fé pela qual se deviam pautar. Em concursos em que só há uma resposta certa, a mesma tem quer ser indubitável e indiscutível. Tem direito a ser ressarcido pelos danos emergentes - viu reduzido de Esc. 3.500.000$00 a Esc. 1.750.000$00, deixando de atingir Esc. 7.500.000$00, valor que deveria ter recebido caso as RR. tivessem reconhecido o erro na formulação da pergunta e/ou respostas e pelos lucros cessantes, por ter sido impedido de chegar aos Esc. 50.000.000$00, onde pela sua experiência, cultura geral, curriculum em concursos, facilidade deste concurso em concreto, e questões colocadas que deram os 50 mil contos aos concorrentes, teria com toda a probabilidade chegado A R. Empresa-A contestou, sustentando que a decisão em causa é insusceptível de impugnação judicial, quer quanto à admissão, quer quanto à atribuição do prémio, nos termos do art. 463 nº 2 do C. Civil, sendo que o concurso tem a natureza de concurso público e, por isso, a decisão sobre a admissão dos concorrentes ou a concessão do prémio a qualquer deles pertence exclusivamente às pessoas designadas no anúncio ou, se não houver designação ao promitente.

Impugnou no demais os facto articulados pelo A., acrescentando que nenhuma das partes pode afirmar e provar quais as perguntas que iriam ser colocadas caso o A. se mantivesse em jogo e se este teria acertado nas perguntas, inexistindo qualquer expectativa juridicamente tutelada de ganho do prémio máximo.

Termina pedindo a improcedência da acção.

A R. Empresa-B excepcionou a sua ilegitimidade, tendo concluído pela absolvição da instância e do pedido.

No mais, aduziu, de essencial, a argumentação da R. Empresa-A.

O A. replicou sustentando a legitimidade da 2ª R., defendendo ainda que a interpretação da norma prevista no art. 463º C. Civil não pode ser interpretada da forma em que o foi pelas RR. sob pena de colocar em causa o princípio da boa-fé e a tutela da confiança.

Manteve, no mais, a posição assumida na p.i.

Foi proferido despacho saneador-sentença que absolveu as RR. do pedido.

Não se conformando com a decisão, apelou o A. para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 8-7-2004, julgou procedente a apelação determinando-se o prosseguimento do processo, com vista à averiguação dos factos necessários a novo e ulterior julgamento da acção.

O processo seguiu os seus regulares termos, tendo-se procedido à audiência de discussão e julgamento, após o que se respondeu à matéria de facto controvertida e se proferiu a sentença.

Nesta parcialmente procedente a acção e, em consequência, condenou-se solidariamente as RR. a pagarem ao A. o equivalente em euros à importância de 5.750.000$00 respeitante ao capital em dívida acrescida de juros moratórios legais sobre esta quantia, desde a citação (21-11-2000) até integral e efectivo pagamento e à importância de 3.125.000$00 respeitante ao capital em dívida acrescida de juros moratórios legais sobre esta quantia, desde a prolação da sentença e até integral e efectivo pagamento.

Não se conformando com esta decisão, dela recorreram as R. e o A., subordinadamente, para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo-se aí, por acórdão de 22-11-2007, julgado parcialmente procedentes as apelações e, em consequência, revogou-se a sentença recorrida condenando as RR. a pagar ao A. a quantia de 37.409,84 €, acrescida de juros de mora desde a citação e até integral e efectivo pagamento, à taxa de juros legal.

1-2- Não se conformando com este acórdão, dele recorreram as RR. e o A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

A recorrente Empresa-A alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- O art. 463.° do Código Civil refere-se a todo e qualquer concurso público através do qual alguém promete uma prestação a quem se encontrar em determinada condição, a quem possuir determinadas características ou capacidades ou a quem praticar certo facto (positivo ou negativo), incluindo responder acertadamente a perguntas, sejam elas de conhecimento geral, específicas de determinada área ou genéricas: 2ª- As regras constantes do artigo 463° do Código Civil são aplicáveis ao concurso dos autos, o "Quem Quer Ser Milionário" 3ª- O concurso "Quem Quer Ser Milionário" é, na sua essência, um mero entretenimento, um passatempo e juridicamente, deve ser encarado como um jogo lícito: 4ª- Determina o art. 1245.° do Código Civil que o jogo e a aposta, quando lícitos, são fonte de obrigações naturais; 5ª- As obrigações emergentes de concursos ou passatempos televisivos, na medida em que se tratam de jogos, são meramente naturais e não verdadeiras obrigações civis susceptíveis de serem judicialmente apreciadas ou coactivamente impostas: 6ª- A configuração do caso em apreço como um verdadeiro "concurso público" na acepção do art. 463.° do Cód. Civil pressupõe a irrecorribilidade das decisões do júri ou do promotor do concurso, inclusivamente no que diz respeito à concessão do prémio; 7ª- Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão recorrido o disposto nos artigos 463°, 402° e 1245° do Código Civil: 8ª- Nem o Regulamento do Concurso nem a Declaração de Participação, em particular as suas cláusulas 3. e 7., consubstanciam qualquer nulidade já que aqueles documentos não alteram nem inovam as normas resultantes do art. 463º do Cód. Civil constituindo meras clarificações do regime lega!: 9ª- Não existe, naquelas cláusulas, qualquer violação das disposições do art. 280° nº 1 do C. Civil e do diploma sobre cláusulas contratuais gerais - na medida em que não estamos perante um contrato - nem do disposto no art. 20° nº 1 da CRP; 10ª- O Autor, ora recorrido, tinha o ónus de alegar e provar factos pelos quais se concluísse (i) que a resposta Zorro estava errada e (ii) que a resposta Tarzan estava certa.

  1. - E para tal, teria sido necessário provar inequivocamente, (i) quantas vezes a personagem Zorro foi recriada pelo cinema e (ii) quantas vezes a personagem Tarzan foi recriada pelo cinema.

  2. - Da matéria provada pelas instâncias não se conclui nem um facto nem outro - cfr. as respostas dadas aos quesitos 3° a 6º, 12° e 21º 13ª- Apenas com o conhecimento destes elementos de facto se poderia retirar um conceito de direito de "certo" ou "errado".

  3. - Os conceitos de certo ou "errado", de "resposta certa" ou "resposta errada" não são conceitos de facto, mas de direito.

  4. - Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão recorrido o disposto no art. 342º Código Civil; 16ª- O douto Acórdão recorrido condenou a ora Recorrente no pagamento solidário da quantia de 7.500.000$00 (ou € 37.409.84) correspondente ao valor que seria pago se a resposta fosse considerada certa.

  5. - Porém, não tomou em consideração o prémio já recebido e efectivamente pago ao Autor, ou seja 1.750.000$00 (ou € 8.728,97) pelo patamar atingido e perante a sua prestação no concurso (cfr. alíneas 1) e ac) e resposta ao quesito 14).

  6. - Assim, mesmo que porventura o Autor houvesse logrado provar os factos constitutivos do seu direito (não logrou) o valor real dos danos sofridos nunca seria superior a esc. 5.750.000$00 (ou € 28.680,88).

  7. - Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão recorrido o disposto nos arts. 561° e 563° do Código Civil; 20ª- A causa de pedir, tal como a configurou o Autor, não consubstancia responsabilidade aquiliana e a ora Apelante não era responsável pelo pagamento dos prémios (cfr. alínea e) da Matéria Assente); 21ª- A obrigação de pagamento dos prémios não é uma obrigação solidária; 22ª- Ao decidir como decidiu, violou o douto Acórdão recorrido o disposto nos artigos 798° e 562° do Código Civil; A recorrente Empresa-B alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- A decisão recorrida, ao proceder à distinção entre "concursos de habilidade" e "concursos de conhecimento", aplica de forma contra legem a norma do artigo 463°, do Código Civil, a qual não prevê esta diferenciação, por se referir a todo e qualquer concurso através do qual alguém se oferece a efectuar uma prestação a quem se encontrar nas condições publicitadas por prévio anúncio público, sendo, as decisões acerca da admissibilidade dos concorrentes ou da concessão de prémios aos mesmos, da competência exclusiva das pessoas designadas no anúncio aludido ou, em caso de falta de designação, do promitente.

  8. - A...

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