Acórdão nº 08S1426 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelALVES CARDOSO
Data da Resolução10 de Julho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra BB - Formação Profissional, Unipessoal, Ld.ª, pedindo que se declare que (a Autora) resolveu o contrato de trabalho com a Ré com justa causa e que se condene esta a pagar-lhe a quantia de € 48.253,42, sendo € 22.950,00 relativos a indemnização de antiguidade e o restante relativo a férias, subsídios de férias e de Natal e proporcionais, e juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.

Alegou, para o efeito, em síntese, que foi admitida ao serviço da Ré em Setembro de 2002, para exercer as funções de Directora de Marketing, e que, em 14 de Abril de 2006, resolveu o contrato de trabalho com invocação de justa causa, por a Ré lhe ter baixado a categoria profissional e por nunca lhe ter pago as férias, respectivos subsídios e os subsídios de Natal.

Após infrutífera audiência de partes, a Ré contestou, sustentando, em suma, a inexistência de contrato de trabalho entre as partes, que a Autora era uma trabalhadora comissionista e que, sem a oposição da mesma, os impostos e contribuições devidos pela sua actividade foram pagos em Espanha.

Contudo, ainda que se considere a existência de um contrato de trabalho, a invocação e a reclamação de direitos por parte da Autora configuram abuso de direito.

Finalmente, afirmou que, a haver contrato de trabalho, inexiste fundamento para a resolução do contrato com justa causa, pelo que deduziu, subsidiariamente, pedido reconvencional com fundamento na falta de aviso prévio para a resolução do contrato.

A Autora respondeu, reafirmando o que invocara na petição inicial, e ampliou o pedido, acrescentando-lhe comissões respeitantes às vendas efectuadas de Setembro de 2005 a Abril de 2006, no montante de € 3.272,00, para além dos correspondentes juros desde a citação.

A Ré respondeu a este articulado.

Por despacho de fls. 218 foi considerada como não escrita a resposta da Autora à contestação e admitida a ampliação do pedido.

Os autos prosseguiram os seus termos, vindo a ser proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor: "a) Julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência: 1. Julgar procedente e provada a justa causa para resolução do contrato de trabalho por iniciativa da demandante; 2. Condenar a R. a pagar à A. a quantia de € 26.464,33 (vinte e seis mil, quatrocentos e sessenta e quatro euros e trinta e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde o vencimento de cada uma das respectivas quantias parciais supra calculadas, até integral pagamento; 3. Absolver a R. do restante pedido: b) Julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pela R. e, em consequência, absolver a A. do mesmo".

Inconformada com a decisão, a R. interpôs dela recurso para o Tribunal da Relação do Porto, mas sem êxito.

De novo inconformada, veio a Ré recorrer de revista, tendo formulado nas suas alegações as conclusões que se transcrevem: "1 - Dado que este Supremo Tribunal, só poderá apreciar a matéria de direito, importa sintetizar os factos dados como provados, e que na opinião da recorrente permitiriam uma diferente decisão de direito da tomada no douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto pelos Venerandos Senhores Juízes Desembargadores.

2 - São os seguintes os pontos de direito a apreciar: - Contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviços; - Ilicitude da resolução do contrato (de trabalho); - Procedência da reconvenção; - Abuso de direito.

3 - Os factos, aqui relevantes, dados como provados (fls 17 a 20 do douto acórdão do TRP ou fls 480 a 483 dos autos) estabelecem que: "1. (...) 2. A ré admitiu ao seu serviço a autora em Setembro de 2002, por contrato verbal, para exercer, sob as suas ordens, direcção e responsabilidade, actividade na área da publicidade, "call center" e vendas nos seus escritórios no Porto, mediante o pagamento de uma quantia mensal fixa, que em Abril de 2006 se cifrava em € 900,00, a que acrescia uma importância mensal variável consoante as vendas que realizasse ..." 3. (...) 4. " A A. exerceu, desde o início, as funções para que foi contratada com diligência, dedicação, zelo e muito empenho, até ao dia 13 de Abril de 2006, data em que resolveu o contrato de trabalho, com invocação de justa causa, por comunicação escrita entregue em mão própria, que foi recepcionada pela ré, com o seguinte teor: "Encontro-me em Portugal a trabalhar para esta empresa desde Setembro do ano 2002, recebendo neste último ano um salário médio mensal de 2,295,10 euros. Foi por mim verificado que não procederam aos descontos legais para a segurança social, sendo certo que não me pagaram os subsídios de férias e natal durante o período em que estive a trabalhar para esta empresa. Por fim alteraram as minhas funções que vinha exercendo dentro da empresa e, quando alertados para este facto despediram-me".

(...) 9. A ré tem como única sócia uma sociedade Espanhola denominada "BB, SL, que se dedica desde 1994, em Espanha, à actividade de prestação de serviços na área da formação, tendo como objecto a venda de cursos de ensino, formação à distância e in loco" 10. No dia 29 de Julho do ano de 2002, a A. outorgou com a sociedade Espanhola, "BB, SL", um acordo que denominaram "contrato mercantil", mediante o qual ficou estabelecido entre ambas: a) Que a comissionista (autora) dedicar-se-á à venda ao domicílio de livros e cursos de ensino à distância; b) Que a comissionista (autora) manifesta, atenta a natureza do seu vínculo contratual, estar de acordo em ser sujeita ao regime de trabalhadores independentes da segurança social e ao imposto das actividades económicas, correndo por sua conta e responsabilidade, o pagamento da segurança social, e demais obrigações legais; c) Que ambas as partes, e designadamente a autora, reconhecem a inexistência de qualquer contrato de trabalho, reconhecendo a autora ser uma profissional independente; d) (...) g) A comissionista (autora) executará a sua actividade com plena autonomia, sem sujeição a horários ou itinerários, nem a instruções prévias, excepto quanto às condições gerais de preço e condições de venda determinadas pela BB, SL (Espanha); h) Sobre o preço das vendas confirmadas, obtidas por mediação directa da autora, com exclusão das vendas indirectas, receberá a comissionista (autora) uma comissão por venda, calculada segundo as tabelas de comissões da BB, SL; j) Os gastos decorrentes do desenvolvimento da sua actividade como comissionista, como quilómetros, estão incluídos no preço das comissões, e a comissionista utilizará o seu próprio veículo, custos que correrão por sua conta; I) O presente contrato mercantil não tem prazo, devendo as partes denunciá-lo com um mês de antecedência; (...) 11. Este contrato foi assinado pela autora, que a ele aceitou submeter-se de forma livre, tendo logo com a outorga do contrato passado a exercer essa actividade de comissionista na região de Málaga, vendendo cursos e livros comercializados pela BB, SL (Espanha) e ganhando a sua comissão pelas vendas efectuadas; 12. A autora é de nacionalidade Espanhola e, na ocasião, vivia maritalmente com um cidadão de nacionalidade Portuguesa de nome João Paulo Galvão, que na mesma empresa exercia também a actividade de comissionista, igualmente na região de Málaga, Espanha.

13. A referida BB, SL (Espanha) havia entretanto decidido, em meados de 2001, expandir a sua actividade ao território Português, e por isso decidiu constituir a ré;" 14 - A autora que até então era comissionista da BB, SL (Espanha) na região de Málaga, Espanha, a partir de Setembro de 2002 passou a desempenhar para a ré as funções descritas nos pontos 2º e 3º, supra na região do Porto; 15. A autora, entre Setembro de 2002 e 13 de Abril de 2006, sempre recebeu mensalmente as quantias do contrato aludido em 2º da empresa BB, SL (Espanha), emitiu facturas correspondentes a esses valores, pagou os impostos daí decorrentes em Espanha e efectuou os pagamentos para a segurança social de Espanha como trabalhadora independente".

ASSIM, NATUREZA DO VINCULO CONTRATUAL ENTRE A RECORRIDA E A RECORRENTE: CONTRATO DE TRABALHO OU PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS; 4 - Não obstante os factos provados no ponto 2 da matéria provada, afigura-se à recorrente que o contrato dos autos deve ser qualificado como contrato de prestação de serviços.

5 - É que, além do ponto 2 (cuja nulidade adiante se peticiona), estão igualmente provados os factos constantes do ponto 9, 10, e 15.

6 - Não tendo sido provado que a autora recorrida tivesse um horário de trabalho; ou que os instrumentos de trabalho que utilizava fossem essencialmente fornecidos pela ré recorrente; 7- 0 Meritíssimo Juiz deu como provado que a autora (recorrida) em Espanha, trabalhando para a BB, SL (Espanha), outorgou de forma, livre esclarecida e ponderada (outorgou) o contrato denominado contrato mercantil, (comissionista) dado como reproduzido no ponto 10 dos factos provados.

8 - Deu como provado que em Setembro de 2002, a ré (recorrente), BB, (Portugal) admitiu ao seu serviço, por contrato verbal (ponto 2 dos factos provados); 9 - Deveria ter considerado que a BB, SL (Espanha), é considerada a empresa dominante, e domina a BB, (Portugal), até porque a BB, SL é a única sócia da BB, Unipessoal, Lda, vide ponto 9 dos factos provados; 10 - Daí a recorrente entender que o contrato de prestação de serviços, outorgado de forma livre, esclarecida e ponderada pela autora (recorrida), com a BB, SL, não foi revogado ou denunciado.

11 - Está provado, que a autora recorrida recebia mensalmente as suas comissões pela BB, SL (Espanha), que emitia facturas correspondentes a esses valores, que pagou os impostos daí decorrentes em Espanha, e que efectuou os pagamentos para a segurança social de Espanha como trabalhadora independente, (Vide ponto 15 dos factos provados.) Acresce que, 12 - Nunca a autora (recorrida) -...

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