Acórdão nº 08B1849 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 10 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelALBERTO SOBRINHO
Data da Resolução10 de Julho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA, C.R.L., intentou, a 28 de Novembro de 2005, a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra - BB - GESTÃO DE INVESTIMENTOS, S.A.; e - CC, S.A., pedindo que sejam condenadas, solidariamente, a indemnizarem-na no montante de 7.984.372,70 €, correspondente ao dobro das quantias entregues a título de sinal, acrescido de juros moratórios desde a data da citação até integral pagamento.

Para fundamentar esta pretensão alega, no essencial, ter celebrado um contrato-promessa de compra e venda com a ré BB, tendo por objecto um empreendimento habitacional a construir, com a possibilidade desta ré ceder a sua posição contratual à 2ª ré, contrato que esta ré infundadamente resolveu. Pretende, por isso, receber em dobro a quantia que entregou a título de sinal.

Contestou a ré BB alegando que a autora não pagou pontualmente as prestações a que estava vinculada.

Por sua vez, a ré CC invoca igualmente a falta de pagamento atempado, por parte da autora, das prestações a que se vinculara, o que motivou a resolução do contrato-promessa.

E pretende ver legitimada esta resolução contratual com direito a fazer suas as quantias entregues a título de sinal, bem como ser indemnizada pelos atrasos da autora no cumprimento contratual a que se vinculara, no total de 391.485,02 €, pretensões que formula reconvencionalmente.

Replicou a autora para manter a posição inicialmente assumida e, consequentemente, pugnar pela improcedência da reconvenção.

Saneado o processo, procedeu-se à selecção da matéria de facto, com fixação dos factos que se consideraram assentes e dos controvertidos, tendo lugar, por fim, a audiência de discussão e julgamento.

Na sentença, subsequentemente proferida, foi a acção julgada improcedente e as rés absolvidas do respectivo pedido.

E a reconvenção parcialmente procedente e a autora condenada a pagar à ré/reconvinte a quantia de 64.756,40 €.

Inconformadas com o assim decidido, apelaram autora e ré/reconvinte, tendo o Tribunal da Relação do Porto julgado improcedente a apelação da autora e parcialmente procedente a da ré, condenando a autora a pagar ainda à ré quantia a determinar em posterior liquidação decorrente do atraso na realização das escrituras.

Ainda irresignadas, recorrem agora de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela procedência da acção e improcedência da reconvenção a autora e pela procedência total da reconvenção a ré/reconvinte.

A ré/reconvinte fez juntar dois pareceres de direito.

Contra-alegaram autora e ré nos recursos interpostos pela parte contrária, defendendo a improcedência desses recursos.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir II. Âmbito do recurso A- De acordo com as conclusões, a rematar as respectivas alegações, o inconformismo das recorrentes radica, em síntese, no seguinte: autora 1- O Tribunal da Relação acolheu parcialmente a posição da primeira instância quanto à existência de abuso de direito, acolhendo também parcialmente o recurso da recorrente quanto à ilegalidade de esvaziamento do direito desta sem a fixação de um quantum a pagar pela 2ª Ré.

2- No entanto, decidiu julgar a apelação da autora improcedente e confirmar a sentença recorrida por considerar não se estar perante um incumprimento definitivo da ré.

3- Mas a verdade é que a 2ª ré, que singularmente resolveu o contrato, incumpriu o contrato, designadamente não prestando as devidas garantias, e apenas por isso é que não foi efectuado mais nenhum pagamento para além do efectuado adiantadamente, nem entregue o remanescente do preço de venda, a que se refere a al. f) da cláusula 5ª do contrato.

4- A 2ª ré violou os princípios da boa fé e actuou com manifesto abuso já que criou dificuldades financeiras à autora e procurou aproveitar-se na medida em que nem sequer cumpriu com o que contratualmente estava obrigada.

5- Quanto ao pedido reconvencional, sempre que as escrituras foram realizadas foi imediatamente pago pela recorrente o valor devido, contrariamente à ré que reteve indevidamente os valores que deveria entregar à recorrente.

6- Por outro lado, os prédios que pretendia escriturar apresentavam defeitos.

7- Estando em posição de incumprimento das suas obrigações, não podia a ré obrigar a autora a realizar as escrituras de prédios que apresentavam defeitos nem solicitar a realização das mesmas sem ter entregue à autora o remanescente do preço de venda, não podendo, por isso, exigir qualquer indemnização pelo atraso na realização das escrituras.

ré/reconvinte 1- Ficou demonstrada a impossibilidade económico-financeira da recorrida pagar o reforço do remanescente do sinal em dívida na alínea c) da cl. 5ª do contrato, sem prévio recurso a financiamento bancário.

2- A tentativa de convencer o promitente vendedor, aqui recorrente, a transferir para o promitente comprador a propriedade de dois lotes de terreno, por forma a poder dá-los de hipoteca de possível empréstimo bancário, ou a prestar garantia pessoal a esse eventual empréstimo, não estava prevista contratualmente.

3- As garantias bancárias previstas na al. g) da cl. 5ª do contrato visavam apenas acautelar o incumprimento definitivo do contrato por parte do promitente vendedor, aqui recorrente.

4- A recorrente só estava obrigada a apresentar as garantias bancárias previstas contratualmente no momento do pagamento dos reforços de sinal por parte da recorrida.

5- O não pagamento, de facto, do remanescente do sinal em dívida pelo promitente comprador, por facto só a este imputável, constitui mora do devedor.

6- A conversão da mora em incumprimento definitivo fez-se pela interpelação admonitória, em termos válidos e eficazes, tendo o contrato sido resolvido nos termos legais.

7- De qualquer forma, a excepção de não cumprimento do contrato, não poderia conduzir, sob pena de exercício abusivo, à reclamação do cumprimento de uma obrigação alheia, sem estar em condições (por incapacidade financeira) de cumprir a sua.

8- Tendo a recorrida reiterado expressamente e em termos unívocos a sua anterior declaração de recusa de cumprimento, ficou a recorrente legitimada a resolver o contrato com fundamento legal.

9- Verificou-se, assim, no caso sub júdice, um incumprimento definitivo por parte da recorrida, sendo a declaração de resolução a consequência natural da perturbação do interesse de cumprimento.

10- Deste modo é válida a retenção do sinal pelo promitente vendedor, nos termos do disposto no artigo 442°, n°2 do Código Civil e da cl. 10ª, n°3, do contrato, sem prejuízo das cláusulas moratórias previstas na mesma cláusula contratual.

B- Face ao teor das conclusões formuladas, as verdadeiras questões controvertidas a decidir reconduzem-se, no essencial, a averiguar se foi ou não fundamentada a resolução contratual operada pela ré/reconvinte, cessionária da promitente-vendedora, e se lhe é ou não devida a indemnização arbitrada pelo atraso na realização das escrituras do contrato prometido.

A solução a dar à primeira questão implica determinar previamente se a promitente vendedora incumpriu, por sua parte, o contrato-promessa.

  1. Fundamentação A- Os factos Foram dados como provados no acórdão recorrido os seguintes factos: 1. Entre a autora e a 1ª ré, "BB", foi celebrado o contrato constante de fls. 5 a 20, tendo, no seguimento desse contrato, a autora pago à ré o valor de € 249.398,95.

    1. Igualmente no seguimento do mesmo contrato, a autora entregou à 2ª ré o valor de € 2.992.787,40 para pagamento da quantia prevista na al. b) da cláusula 5ª do mesmo contrato, tendo a autora prescindido, para este pagamento, da apresentação da garantia bancária prevista na mesma.

    2. A autora entregou à 2ª ré o valor de € 750.000,00.

    3. No final de 2004, autora e 2ª ré encetaram reuniões no sentido de procurar resolver o contrato supra referido, por mútuo acordo, tendo havido diversos contactos entre ambas sem sucesso.

    4. A 2ª ré assumiu, após o dia 18/7/01, a posição contratual da 1ª, tendo adquirido, por escritura pública outorgada no 1ª Cartório Notarial de Vila do Conde, em 31/8/01, os prédios urbanos identificados na cláusula primeira do contrato referido em 1.

    5. Nesses prédios, e de acordo com o projecto e caderno de encargos aceites pela autora, iniciou a 2ª ré a construção de um empreendimento habitacional com a área bruta de construção acima do solo de 42.867m2, que prometeu vender, na íntegra, à autora ou a quem esta viesse a indicar até à data da escritura pública de compra e venda, pelo preço global de €37.962.485,41 (ao tempo...

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