Acórdão nº 08B2002 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Julho de 2008

Magistrado ResponsávelSALVADOR DA COSTA
Data da Resolução03 de Julho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I O Condomínio do prédio sito na Rua .., n° 5, em Lisboa, instaurou, no dia 12 de Novembro de 2003, contra a Companhia de Seguros AA, SA, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, pedindo a declaração de que a casa de habitação da porteira identificada pela letra D seja considerada parte comum, da nulidade da escritura de constituição de propriedade horizontal no que toca ao rés-do-chão frente como fracção autónoma, a determinação do cancelamento do registo predial relativo àquela fracção e a condenação da ré a entregar-lha e a pagar-lhe € 3 646,16 e as importâncias que se vencerem até à sua entrega.

Motivou a sua pretensão na circunstância de a ré, na constituição da propriedade horizontal do referido prédio haver declarado ser a referida fracção predial autónoma, em contrário do projecto camarário que foi aprovado, e no recebimento de rendas, a esse título, invocando que tal fracção predial é comum, destinada à porteira.

A ré, em contestação, afirmou, por um lado, ter adquirido ao anterior proprietário todo o prédio e alienado depois quase todas as fracções, que por lapso dos seus serviços nunca foi requerida a alteração do uso da referida fracção D, que pretendia a constituição daquela fracção como autónoma, acreditando que bastava indicá-lo como tal na respectiva escritura e fazê-lo assim constar do registo predial, nunca ter a renda daquela fracção sido paga ao condomínio e que este sempre a reconheceu como proprietária dela.

E, por outro, que tal fracção predial sempre foi destinada a habitação, no projecto e depois no licenciamento do prédio para casa de porteira, a pertencer às áreas presumivelmente comuns, e no título constitutivo da propriedade horizontal para habitação como fracção autónoma, e que por isso era inaplicável o nº 3 do artigo 1418º do Código Civil e o Assento de 10 de Maio de 1989, e que, se assim não fosse, sempre estaria vedado ao autor alegar a nulidade do título constitutivo por tal configurar abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium.

E, em reconvenção, para o caso de acção ser julgada procedente, pediu a condenação do autor a pagar-lhe € 32 500, correspondente ao valor da fracção predial, com base no enriquecimento sem causa.

O autor, na réplica, invocou irregularidades formais da contestação e da reconvenção, e afirmou não se verificar a má fé, o abuso do direito ou o enriquecimento sem causa, e a ré, na tréplica, afirmou dever ser desentranhada por não ter alterado o pedido nem a causa de pedir nem deduzido qualquer excepção.

Fixado o valor da causa, em incidente oficiosamente determinado pelo juiz, em € 40 200, no despacho saneador, meramente tabelar, foi mandado devolver o instrumento de tréplica.

Realizado o julgamento da matéria de facto controvertida seleccionada, foi proferida sentença no dia 7 de Março de 2008, por via da qual foi declarada, por um lado, a nulidade da escritura de constituição da propriedade horizontal no respeitante à autonomização do rés-do-chão como fracção autónoma e passar o mesmo a integrar as partes comuns do edifício.

E, por outro, ordenado o cancelamento no registo predial daquela fracção na titularidade da ré, reconhecido o direito de propriedade dos condóminos sobre ela e condenada a ré a entregar-lha e a pagar-lhe € 175 desde Maio de 2002 e pelo número de meses correspondentes àqueles em que a mesma recebeu tal montante de PG, a liquidar em execução de sentença.

Apelou a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 22 de Novembro de 2007, negou-lhe provimento ao recurso.

Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação: - a base Instrutória omitiu factos alegados pela recorrente constantes dos artigos 21º, 22º, 44º, 48º, 55º, 57º, 60º, 63º, 66º e 67º, 72º e 73º, 75º a 77º, 81º e 82º, 117º e 118º, essenciais para a decisão da causa, o que motivou reclamação da recorrida, parcialmente indeferida; - deveriam ter sido aditados à base instrutória, ordenando-se, nos termos do nº 4 do artigo 712º do Código de Processo Civil, a ampliação da matéria de facto e a repetição do julgamento, com anulação da decisão do tribunal a quo, a fim de evitar contradições na decisão; - por virtude dos artigos 393º, nºs 1 e 2, e 394º, nº 1, Código Civil, a prova testemunhal, praticamente a única oferecida pelo recorrido, não podia ser eficaz para afastar a força probatória produzida pelos documentos em causa; - a Relação violou os artigos 511º, nº 1, e 712º, nº 4, Código Processo Civil, 371º e 377º do Código Civil, que fixam a força probatória plena das actas referidas; - face aos elementos fornecidos pelo processo, a resposta aos quesitos 7º, 8º e 9º a 14º devia ser a de provado, em vez das respostas constantes dos nºs 29 a 31 e 34 e que restringem e desvirtuam os factos constantes dos quesitos; - face às actas do condomínio, instrumento de prova plena, além do mais por envolverem confissão extrajudicial, deviam ser declarados provados os quesitos 2º a 4º na parte em que refere que era por conta, e 5º e 6º, e não o que ficou a constar sob os nºs 23, 24 e 26; - ao manter a decisão da 1ª instância, o acórdão violou as normas que fixam a força probatória dos documentos juntos, pelo que, ao abrigo do nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil, deve ser revogado e substituído por outro que assim considere; - face aos elementos do processo, o quesito 17 devia ser declarado provado, porque o valor nele indicado foi corroborado pelas testemunhas da recorrida, questão que a Relação não apreciou, limitando-se a decidir globalmente as questões da alteração das respostas aos quesitos sem a análise do que a recorrente expôs; - a decisão da Relação sobre esta matéria é uma conclusão, que sempre deveria ser antecedida por uma abordagem das questões de facto e de direito que são levantadas pela recorrente e, como tal, determinar a nulidade da sentença, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e d) do artigo 668º do Código de Processo Civil, o que deverá ser declarado; - a fracção predial preenche os requisitos previstos nos artigos 1414º e 1415º do Código Civil, pelo que podia ser constituída como fracção autónoma, e as dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro podem ser fracções autónomas, que o artigo 1421º do Código Civil não considera partes comuns do prédio, mas somente as presume como tal, presunção essa que afastou; - não é sempre necessária a prévia alteração da licença municipal de utilização sob pena de o título constitutivo ser nulo por não cumprir os requisitos legalmente exigidos conforme o previsto no artigo 1416º do Código Civil, pois que, ao obter-se tal autorização, deixa de fazer sentido falar-se em dependências destinadas ao uso e habitação do porteiro, passando a tratar-se, simplesmente, de dependências destinadas a habitação ou a outro fim; - as normas do Regime Geral das Edificações Urbanas têm em vista assegurar as condições de segurança, a estética e a salubridade das edificações, submetendo-as a licenciamento e fiscalização das câmaras municipais; - o destino da fracção em causa é o de habitação, a Câmara Municipal não impôs no projecto de construção a habitação da casa de porteira, nem resulta da legislação em vigor qualquer exigência nesse sentido; - não foi violado o interesse público, antes se está perante meros interesses privados na disciplina da propriedade horizontal, o que se integra na disponibilidade das partes, e o que está em causa não é o simples uso ou fim, mas a titularidade de certo espaço de um prédio, já que a fracção sempre foi destinada a habitação; - o título constitutivo não é nulo, foi a recorrente quem deu pelo lapso alertou o recorrido e este os condóminos reconheceram-na durante mais de dez anos como única proprietária da fracção, informando-a primeiro de que assinariam qualquer documento necessário para resolver a situação e lhe permitisse aliená-la e, posteriormente, de que pretendiam adquiri-la para que ficasse, de facto, a ser casa da porteira; - foi somente devido ao interesse que o recorrido manifestou na aquisição da fracção em causa e os fins que lhe indicou serem os pretendidos, que a recorrente deixou a situação arrastar-se tanto tempo; - a constituição da propriedade horizontal em causa é anterior ao disposto no artigo 1418º, nº 3, do Código Civil; - ao reconhecer a recorrente como proprietária da fracção durante cerca de dez anos - desde que esta lhe comunicou não ter ocorrido a supressão da casa de porteira - e agir pela forma acima referida, pretendendo invocar a nulidade do título constitutivo e, em consequência, obter para si o imóvel, sem qualquer compensação à recorrente, age com abuso do direito; - declarando-se a nulidade parcial do título constitutivo e passando a fracção a parte comum, sob pena de enriquecimento ilegítimo do recorrido, tem a recorrente direito a receber dele € 32 500, valor que o imóvel em causa tinha, consequência da nulidade e seu efeito retroactivo, nos termos do artigo 289º, nº 1 do Código Civil; - o acórdão recorrido violou os artigos 289º, 292º, 334º, 358º, 376º, 371º, 377º, 393º, 394º, 473º, 1414º, 1415º, 1416º, 1418º, 1421º do Código Civil e 511º, 659º e 712º do Código de Processo Civil, pelo que deverá ser revogado e substituído por outro que conceda integral provimento recurso.

Respondeu o recorrido, em síntese de conclusão de alegação: - deve improceder o recurso por virtude de nele serem repetidas as conclusões de alegação do recurso de apelação sem que a Relação tenha decidido por remissão para a sentença; - a base instrutória contém toda a matéria de facto controvertida relevante para a boa decisão da causa; - na fixação dos factos provados, o tribunal da primeira instrutória e a Relação valoraram a prova de forma racional de crítica, de acordo com as regras da lógica e da razão, tendo por base a apreciação crítica e conjugada do depoimento das testemunhas conjugado criticamente com os documentos juntos...

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