Acórdão nº 06P1398 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 25 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução25 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Em processo comum (Pº 838/00.9TALSD), a 19/5/2005, o Tribunal de Círculo de Paredes condenou a arguida AA, pela prática de um crime de infracção de regras de construção, agravado pelo resultado, p. e p. pelos arts. 277.°, n.°s 1, al. a), e 2, e 285.°, do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos.

Absolveu os seus co-arguidos BB, CC e DD da prática de qualquer crime.

Mais julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização cível deduzido e, em consequência, condenou a arguida/demandada AA e o demandado Município de Lousada a pagarem, solidariamente, à assistente EE a quantia de € 62 500,00 (sessenta e dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora desde a notificação dos demandados para contestar o pedido cível até integral pagamento, sendo à taxa de 7% até 30-04-2003 e à taxa de 4%, ou outra que legalmente venha a estar em vigor, a partir de 01-05-2003, absolvendo-os do restante pedido. Absolveu os co-arguidos acima referidos, do pedido cível, que também fora deduzido contra estes.

A) DECISÕES RECORRIDAS 1) Acórdão final I - MATÉRIA DE FACTO a) Factos provados (transcrição): «1. O arguido BB era, em Março de 2000, vereador da Câmara Municipal de Lousada, órgão executivo do Município de Lousada, sendo o responsável pelo pelouro das águas, saneamentos e serviços urbanos; 2. Dentro das suas competências encontrava-se, para além do mais, a determinação e supervisão de todas as obras da competência da Câmara Municipal, a efectuar por administração directa, relativas ao saneamento básico cuja realização fosse deliberado levar a cabo; 3. O arguido CC é engenheiro civil e, no mesmo período - Março de 2000 - era o director do Departamento de Águas, Serviços Urbanos e Ambiente da mesma Câmara Municipal de Lousada; 4. Por seu turno, a arguidaAA é igualmente engenheira civil e também em Março de 2000 era a chefe da Divisão de Águas; 5. O arguido DD era, na mesma época, canalizador da Câmara Municipal de Lousada, operando integrado na mesma Divisão de Águas, sendo o encarregado da obra de abertura de vala e instalação de colectores de águas residuais que ocorreu no lugar da Costa, em Boim, Lousada; 6. De acordo com a deliberação aprovada na Assembleia Municipal de Lousada no dia 25 de Setembro de 1998, publicada no Diário da República n.º 260, de 10 de Novembro de 1998, II série, apêndice n.º 142, que aprovou a alteração da Estrutura e Organização dos Serviços Municipais (aviso n.º 6989/98), compete aos Directores de Departamento da Câmara Municipal de Lousada, para além de tudo o mais, dirigir o pessoal do departamento, elaborar propostas de regulamentos necessários ao exercício das actividades do departamento e cumprir e fazer cumprir as disposições legais e regulamentares relativas às atribuições do departamento; 7. Segundo o mesmo diploma, compete aos chefes de divisão, entre tudo o mais, assegurar a direcção do pessoal e cumprir e fazer cumprir as disposições legais e regulamentares relativas às atribuições da divisão; 8. Em 15 de Novembro de 1999, quando todos os arguidos citados desempenhavam na Câmara Municipal de Lousada as funções supra aludidas, a Assembleia Municipal de Lousada deliberou a aprovação genérica do plano de actividades, no qual se incluía a rubrica grande reparação e ampliação da rede de saneamento; 9. No âmbito deste plano de actividades e da referida rubrica incluiu-se a realização de uma obra de instalação de águas residuais, consistindo na abertura de uma vala e na instalação de colectores, a levar a cabo no lugar da Costa, freguesia de Boim, em área desta comarca de Lousada, complementando tais trabalhos a execução do arruamento; 10. A referida obra, cuja supervisão directa e imediata estava a cargo da arguidaAA, que era a respectiva directora, iniciou-se em Março de 2000 e foi realizada pela Câmara Municipal de Lousada por administração directa; 11. A obra em causa foi marcada por esta mesma arguida, que se deslocou ao local acompanhada pelo arguido DD - que era o encarregado directo da obra - no dia 14 de Março de 2000, designadamente no que respeita à localização das respectivas caixas; 12. No âmbito das suas respectivas funções competia à arguida AA providenciar no sentido de serem assegurados aos trabalhadores do município de Lousada que iriam executar, no âmbito das suas funções laborais, a obra já aludida, todos os mecanismos de segurança individuais e colectivos com vista a evitar a ocorrência de acidentes de trabalho, designadamente a realização de um plano de segurança e saúde da obra, que sabia ser obrigatório, nos termos do art. 6° do D.L. 155/95, de 01/07; 13. O arguido DD, enquanto encarregado da execução da obra, era responsável directo e imediato sobre JP, LB e AF, dando aos mesmos ordens directas sobre a execução do seu respectivo trabalho; 14. O arguido DD respondia hierarquicamente perante a arguidaAA, dela recebendo ordens concretas relativas à execução das obras de canalização da Divisão de Águas, que respeitavam ao município de Lousada, tal como a obra em causa nos autos; 15. Por seu turno, esta arguida recebia ordens do arguido CC, seu superior hierárquico, relativas à boa execução das obras camarárias em curso na sua Divisão, sendo estes procedimentos controlados e dirigidos, ao nível da determinação das obras a realizar, pelo arguido BB, vereador do pelouro respectivo e principal responsável pela determinação concreta das obras que em cada momento deveriam ser executadas; 16. O Município de Lousada, em Outubro de 1999, empregava 279 trabalhadores; 17. A execução propriamente dita da obra aludida nos pontos 9, 10 e 11 iniciou-se no dia 15 de Março de 2000, pelas 9 horas, de acordo com as instruções e orientações dos arguidosAA e DD à equipa de trabalhadores constituída por JP, LB e AF, todos canalizadores; 18. Estes funcionários executavam as suas funções sob a direcção e orientação concreta dos arguidos DD eAA, nos moldes antes expostos; 19. Assim, a partir daquela data, a aludida equipa de trabalhadores ao serviço do Município de Lousada, acompanhados de FA, operador da retroescavadora de apoio, iniciou a abertura de uma vala com cerca de dois metros de altura e setenta centímetros de largura, com vista à colocação de tubo colector de águas residuais; 20. Tal obra foi iniciada e continuou até 16 de Março de 2000 sem que a arguidaAA, responsável pela sua concretização, enquanto directora da obra, tivesse diligenciado pela elaboração do respectivo plano de segurança e saúde com vista à minimização da possibilidade da ocorrência de acidentes de trabalho no seu desenvolvimento, mediante a adopção das competentes medidas de protecção individuais e colectivas dos trabalhadores; 21. No dia 16 de Março de 2000 estavam já escavados cerca de 8 metros de comprimento da aludida vala, com as mencionadas dimensões - 2 metros de altura e 70 centímetros de largura -, e com um ângulo de inclinação de aproximadamente 90 graus; 22. Na execução de tal trabalho não dispunham os aludidos trabalhadores de qualquer protecção colectiva ou individual de segurança que permitisse prevenir e diminuir ou congeminar os riscos de acidentes de trabalho, designadamente o risco de soterramento; 23. Efectivamente, na aludida frente de trabalho e antes do seu início ou durante a sua execução até àquela data, não foi efectuado ou instalado qualquer escoramento ou entivação, nem tal vala foi objecto de qualquer outra medida de segurança que visasse proteger os trabalhadores contra desabamentos, aluimentos ou desprendimentos de terra, e nem tal estava previsto; 24. No referido dia 16 de Março de 2000, cerca das 10.45 horas, encontravam-se a laborar no interior da vala, de acordo com as directrizes inicialmente traçadas pela arguidaAA e transmitidas pelo arguido DD, JP e LB, que caminhavam no interior e no fundo da mesma, preparando-se para dela sair, vindo este atrás daquele; 25. Nesse momento, ocorreu o desprendimento de uma massa compacta de solo, no sentido do escoamento das águas, que comprimiu e soterrou parcialmente o JP contra uma das paredes da própria vala, apenas ficando com a cabeça livre de terra; 26. Também LB ficou com as pernas presas pelo mesmo aluimento de terras, conseguindo, no entanto, libertar-se e sair do interior da vala; 27. Como consequência directa do facto descrito no ponto 25, JP sofreu, para além das restantes lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 8 a 13, politraumatismo toraco-abdominal com extensa hemorragia consequente a laceração pulmonar, cardíaca e do baço, o que lhe determinou, de forma necessária e directa, a morte; 28. O aludido desprendimento daquela massa compacta de solo ocorreu devido ao facto de na sua abertura a vala ter interceptado transversalmente terreno remexido, do tipo aterro de origem em solos graníticos, respeitante a uma vala que naquele local fora aberta momento anterior, para encaminhamento de águas pluviais, por outro departamento da Câmara Municipal de Lousada; 29. Na verdade, no local existiam dois solos distintos, embora da mesma origem, um o solo natural de origem granítica e outro, em virtude da abertura da anterior vala, solo remexido de tipo aterro de origem em solos graníticos, dando-se um descolamento na zona de ligação entre o aterro e o terreno natural e consequentemente o aludido desprendimento do solo; 30. Tal descolamento do solo poderia ter sido evitado pela identificação da existência da vala anteriormente aberta e pelo afastamento da abertura da nova vala em relação ao local daquela; 31. Naquele mesmo arruamento, cerca de dois anos antes, pela mesma Divisão onde trabalha a arguidaAA e o arguido DD, fora aberta uma outra vala para execução de uma obra relativa ao abastecimento de água, tendo aquela, em face desse facto, determinado o afastamento da abertura da nova vala relativamente ao local onde aquela fora anteriormente efectuada; 32. Os arguidosAA e DD não tinham conhecimento da abertura da vala para encaminhamento de águas...

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