Acórdão nº 08S933 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução18 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I 1.

Pelo 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa intentou AA contra AETLP - Associação Empresa de Trabalho Portuário (ETP) Lisboa, acção de processo comum, solicitando a declaração de ilicitude, por inexistência de justa causa, do despedimento de que o autor foi alvo por parte da ré, com a consequente condenação desta a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar-lhe todas as prestações pecuniárias vencidas e vincendas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, acrescidas de juros.

Invocou, em síntese, que ele, autor, que foi admitido em Agosto de 1999 para trabalhar sob as ordens e direcção da ré como trabalhador portuário - o que já fazia com carácter de regularidade, assiduidade e continuidade desde 6 de Fevereiro de 1996, embora fosse, então, designado de «trabalhador temporário» -, foi objecto de despedimento, que lhe foi comunicado por carta registada recebida em 29 de Setembro de 2005, na sequência de processo disciplinar que lhe foi movido, sendo-lhe imputados determinados comportamentos que, além de serem vagos, imprecisos ou conclusivos, não correspondiam à verdade, pelo que inexistiu justa causa de despedimento e, mesmo que se admita ter ocorrido infracção disciplinar, não seria a sanção de despedimento a adequada, sendo certo que é prática disciplinar a ré aplicar penas de suspensão com perda de vencimento e não penas de despedimento, razão pela qual a imposta ao autor violou a regra da proporcionalidade.

Após contestação da ré, que impugnou a factualidade aduzida pelo autor, veio a ser proferido despacho saneador e vieram a ser elaboradas a matéria assente e base instrutória.

Houve reclamação do autor quanto a estas últimas peças processuais, pretensão que foi desatendida por despacho de 27 de Junho de 2006. Prosseguindo os autos seus termos, veio, em 26 de Março de 2007, a ser proferida sentença, que, julgando improcedente a acção, absolveu a ré dos pedidos formulados, o que motivou o autor a, do assim decidido, apelar para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo, na alegação que produziu, inter alia, sustentado que foram incluídos na base instrutória factos não constantes da nota de culpa nem na decisão de despedimento e, bem assim, que foram omitidos naquela base factos alegados pelo autor na petição, razão pela qual peticionava a revogação do despacho que indeferiu a reclamação que deduzira.

Aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 14 de Novembro de 2007, concedeu provimento ao recurso.

Para tanto, após começar por entender que os factos não constantes da nota de culpa e da decisão de despedimento não deveriam ter sido vertidos na base instrutória, razão pela qual se não poderia dar atendimento às respostas aos pontos 18º a 23º da aludida base, concluiu que a matéria de facto a que se deveria atender não permitia um juízo segundo o qual houvera, no caso, uma justa causa de despedimento.

Sequentemente, julgando ilícito o despedimento, condenou a ré a reintegrar o autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar-lhe as prestações pecuniárias vencidas e vincendas desde trinta dias antes da propositura da acção e até ao trânsito em julgado da decisão final, deduzidas das importâncias eventualmente auferidas pelo autor no desempenho de actividades laborais ou recebidas a título de subsídio de desemprego, tudo a liquidar, se necessário, em execução de sentença, ao que acresciam os juros.

  1. Inconformada, vem agora a ré pedir revista, finalizando a alegação adrede produzida com o seguinte núcleo conclusivo: - "1. Tendo o A. reclamado de determinados factos contidos na base instrutória, pois entendia que os mesmos não se encontravam vertidos na nota de culpa, foi[-]lhe dada razão pelo Acórdão da Relação que desatendeu os quesitos 13 e 14 e 18 a 23.

  2. Concentrando-nos no quesito 13, quesito importante para a análise do presente processo, podemos dizer que na nota de culpa refere-se que no decurso de operação portuária, o A. dirigiu-se ao Sr.BB em estado de grande exaltação, insultando-o e agredindo-o sem qualquer razão aparente.

  3. O quesito nº 13 da base instrutória refere que no decurso de operação portuária o A. agrediu o Sr. BB, coordenador operacional da empresa SILOPOR, com pontapés, cabeçadas e socos, o que lhe fez saltar o capacete.

  4. Os factos constantes do artigo 13 da base instrutória encontram-se já vertidos na nota de culpa. Os factos vertidos no ponto 13 da base instrutória não são mais que uma densificação factual relativamente à invocada agressão. São, por isso, factos de desenvolvimento das circunstâncias que rodearam a infracção.

  5. Ao ter feito aplicação do artigo 435 nº 3 do Código de Trabalho, que determina que na acção de impugnação do despedimento, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão comunicada ao trabalhador, o Acórdão do Tribunal da Relação errou na determinação da norma aplicável, pois no caso em apreço não é devida a aplicação da presente norma. (Cf artigo 721º nº 2 do [C]ódigo de Processo Civil.) 6. Conforme é jurisprudência dos Tribunais, ‘os Tribunais de Trabalho podem conhecer factos instrumentais ou circunstâncias não descritas na nota de culpa, ou factos que mais não sejam do que desenvolvimento ou meras circunstâncias que rodearam a prática da infracção, desde que alegado pelas partes. (Cfr. Ac. Tribu Relação de Lisboa de 9/3/2006, Apelação 11427/2005 - 4, in http.)' 7. Deve ser mantido na base instrutória o quesito 13, sendo os factos dados como provados susceptíveis de integrar justa causa de despedimento, nos termos dos artigos 367 e 396 n.º 3 I) do Código de Trabalho.

  6. Contrariamente ao entendido pelo Acórdão da Relação, os factos constantes do processo, mesmo sem os vertidos nos quesitos reclamados, são suficientes para a existência de justa causa de despedimento.

  7. Os factos em causa referem, por um lado, a agressão do A. ao Sr. BB e, por outro, que o A. no caminho para a portaria partiu um dos vidros de um dos contentores adaptado para servir de suporte aos trabalhadores portuários, ferindo-se na mão.

  8. A expressão agressão é acessível e perfeitamente compreendida por qualquer pessoa, não implicando o seu uso corrente, na linguagem falada e escrita, especiais conhecimentos jurídicos é de considerar como integrando apenas matéria de facto. Cf. Ac. STJ, de 30.11.1983 BMJ, 332.º - 520 11. A agressão, bem como quebra de vidro de um contentor são factos que podem ser valorados sendo capazes de conduzir ao despedimento por tornar insustentável a relação laboral.

    12 Deveria o Acórdão da Relação, contrariamente ao que fez, ter aplicado a estes factos artigos 367 e 396 n.º 3 I) do Código de Trabalho, confirmando a sentença de 1ª instância que manteve o despedimento do A.

    " Respondeu o autor à alegação da ré sustentando o acerto do decidido pela Relação, formulando, nessa resposta, as seguintes «conclusões»: - "1 - A matéria de facto está, definitivamente, decidida pelo Tribunal recorrido dado que não se verifica nenhuma das excepções previstas na 2ª parte do nº 2 do artº 722º do C. P. Civil.

    2 - A matéria de facto dada como provada é vaga e imprecisa, sem discriminação dos comportamentos e das suas circunstâncias, o que não permite conhecer em que consistiram, como eles ocorreram e qual o grau de culpa.

    3 - A sanção de despedimento com justa causa é manifestamente desproporcionada (artº 367º do C. Trabalho) tanto mais que o mesmo Código permite no seu artº 368º nº 3 a sanção de 30 dias de suspensão com perda de retribuição por cada infracção e o C.C.T. para o sector portuário aplicável às relações de trabalho entre A e R permite que essa sanção vá até aos 90 dias.

    4 - O douto ac[ó]rdão recorrido não violou qualquer disposição legal, fez criteriosa e adequada aplicação da lei aos factos pelo que deve ser negado provimento ao recurso.

    " A Ex.ma Magistrada do Ministério Público neste Supremo exarou «parecer», no qual propugnou pela improcedência da revista.

    Notificado esse «parecer» às partes, somente veio a recorrente a emitir, sobre ele, pronúncia, continuando a defender o seu ponto de vista, já explanado na alegação.

    Corridos os «vistos», cumpre decidir.

    II 1.

    A sentença proferida na 1ª instância deu por apurada a seguinte factualidade: - - a) a ré tem como fim exclusivo a cedência de mão-de-obra portuária de trabalhadores portuários às empresas de estiva [ponto A) da matéria assente]; - b) para o exercício da actividade de movimentação de cargas na zona portuária, as empresas de estiva requisitam trabalhadores à ré, para que estes, juntamente com os trabalhadores portuários das empresas de estiva, executem a tarefa para a qual a empresa de estiva foi contratada [ponto B) da matéria assente]; - c) o autor foi admitido para trabalhar sob a autoridade e direcção da ré em Agosto de 1999, [a fim de] exercer as funções de trabalhador portuário, como trabalhador efectivo, pertencendo ao quadro permanente da empresa [ponto C) da matéria assente]; - d) o autor já trabalhava sob a autoridade e direcção da ré, com carácter de regularidade, assiduidade e continuidade, desde 6 de Fevereiro de 1996, embora fosse designado de trabalhador temporário [ponto D) da matéria assente]; - e) quer como efectivo, quer como temporário, o pagamento das retribuições auferidas pelo autor era feito mensalmente [ponto E) da matéria assente]; - f) o autor esteve com «baixa», por acidente de trabalho, em regime de ITA, desde 3 de Fevereiro de 2005 até à data da cessação do contrato; [ponto F) da matéria assente]; - g) o autor auferia a remuneração base mensal de € 1.101,63, € 21,79 de uma diuturnidade e € 201,32 de subsídio de turno, tudo somando a remuneração mensal fixa de € 1.324,74 [ponto G) da matéria assente]; - h) o autor tinha ainda direito ao subsídio de refeição de € 8,85, por cada turno efectivo de trabalho, o que perfazia o valor mensal de € 194,70, correspondente a vinte e dois turnos de trabalho normal por...

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