Acórdão nº 08P1971 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelARMINDO MONTEIRO
Data da Resolução18 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça : Em P.º comum com intervenção do tribunal comum , sob o n.º 130/06 .5 GASPS, do Tribunal Judicial de S. Pedro do Sul, foi decidido condenar os arguidos AA e BB como co-autores : 1) de um crime de homicídio qualificado, sob a forma tentada, previsto e punido pelos art.ºs 22.º nºs 1 e 2, alíneas a) e b) , 23º, nºs 1 e 2, 131° e 132º, nºs 1 e 2, alíneas h) e i), todos do C. Penal, nas penas de, respectivamente, cinco e três anos de prisão; e 2) de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos art.ºs 203º, nº 1, 204º, nº 2 alínea f) e 210º, nº 2, alínea b), todos do Código Penal, nas penas de, respectivamente, quatro anos e dois anos e seis meses de prisão.

3) Em cúmulo, foi o arguido AA condenado na pena única de seis anos e seis meses de prisão e o arguido BB, na de quatro anos e seis meses de prisão.

4) Foram ainda os arguidos condenados a pagar solidariamente ao Centro de Saúde de São Pedro do Sul e ao Hospital de São Teotónio de Viseu as quantias de , respectivamente, € 26,10 e de € 2.999, quantias a que acrescem de juros de mora à taxa legal, contados desde a notificação prevista no art.º 78.º , do Código de Processo Penal, até integral e efectivo pagamento.

I. O arguido, inconformado com o teor da decisão proferida , interpôs recurso para o Tribunal da Relação , que lhe negou provimento .

II . Ainda irresignado, o arguido interpôs recurso para este STJ, onde, por despacho, não vinculativo, do seu Exm.º Cons.º Vice Presidente, em procedência de reclamação contra a não admissão do recurso em 2.ª instância , se ordenou a posterior remessa dos autos a esta instância última de recurso , apresentando o arguido na motivação as seguintes conclusões : O acórdão recorrido enferma de nulidade porque não conheceu de questão de que devia, pois que se insurgiu contra a matéria de facto , tratando-o o Tribunal recorrido como se versasse matéria de direito , sendo que cumpriu o ónus de impugnação de matéria de facto .

O acórdão recorrido viola o art.º 32.º n.º 2 d) , da CRP , cruzado com a decorrência de os co-arguidos depõrem como testemunhas -art.º 133.º n.º1 a) , do CPP e o facto de o art.º 345.º n.º 1 , do mesmo diploma, retirar do contraditório dos defensores dos restantes arguidos a inquirição do depoente , bem como a consequência de a confissão processual , em caso de pluralidade dos arguidos , não repercutirem sobre todos eles -art.º 244.º n.º3 a) , do CPP .

O art.º 345.º n.º 4 , do CPP , na redacção da Lei n.º 48/2007 , de 29/8 , veio reputar como meio proibido de prova , em certos casos o depoimento do co-arguido , em desfavor do outro .

Ou então , mais moderadamente , pela inexistência de corroboração , por falta de confirmação exógena dos factos , por circunstâncias alheias ao arguido , redundando numa falta de fundamentação , também ela causadora de nulidade -art.º 379.º n.º 1 a) , do CPP .

Sacrificou-se o princípio da presunção de inocência do arguido , consagrado no art.º 32.º n.º 2 da CRP.

Nenhum arguido está obrigado a provar a sua inocência , impondo a actuação do princípio " in dubio pro reo " a sua absolvição .

Mostra-se violado disposto no art.º 132.º n.º 2 h) , do CP , porque o meio insidioso na consumação do crime é um meio de actuação sobre a vítima subreptício , enganador , dissimulado ou oculto .

Ora não se imputa ao co-arguido BB a circunstância de se apresentar como carteiro ante a vítima , consubstancia traição concorrendo para a impossibilidade de se defender .

Se o putativo acordo entre si e o co-arguido BB consistia em abordagem rápida para retirar a vida à vítima , pode aceitar-se que o recorrente dominasse o facto relativamente ao homicídio simples não já quanto à forma alegadamente subreptícia como veio a ter lugar , tal elemento não cabe , sequer ao nível semiótico , no acordo a que teriam chegado , em violação do art.º 26.º , do CP .

Mostram-se violados os art.ºs 210.º n.º 2 b) , 203.º n.º 1 e 204.º n.º 2 f) , do CP , quanto ao crime de roubo por que foi condenado .

Na perspectiva do recorrente a subtracção de bens da esfera jurídico da vítima apenas se erige , apenas , como um ataque ao património e já não com as consequências peculiares ao crime de roubo .

Se o homicídio é cometido antes da apropriação , visando prepará-la , facilitá-la ou executá-la , a mesma apropriação já não deve ser qualificada pela violência , na medida em que bem subjacente a esta já tina a respectiva protecção contida na punição do homicídio -cfr. AC. da Rel . Coimbra , de 11.2.87 , in BMJ 364 , pág. 449 .

Haverá concurso entre as duas espécies criminais se o agente usa de violência para subtrair o bem, e, depois , mata para encobrir o roubo .

A medida concreta da pena peca por excesso , porque não levou em conta a prevenção especial ao nível da ressocialização se achar sensivelmente diminuída , face à idade do arguido e à sua integração social, familiar e laboral , em infracção aos art.ºs 71.º n.º 1 e 40.º n.º 2 , do CP , preceitos que inculcam uma teleologia essencialmente preventiva temperada pela ideia de culpa .

III . Contramotivou o Exm.º Procurador Geral-Adjunto , defendendo o acerto da decisão recorrida e nesta instância a Exm.ª Procuradora Geral -Adjunta apõs o seu visto .

IV. Colhidos os legais vistos , cumpre decidir , considerando-se que o tribunal considerou provada a seguinte factualidade: 1) O arguido Nuno é o elemento mais velho de uma fratria de três irmãos.

2) O pai José António de Almeida Cardoso trabalhou até algum tempo atrás na Pensão Avenida das Termas de S. Pedro do Sul, propriedade do avô do arguido.

3) A mãe é funcionária pública na Conservatória do Registo Civil de S. Pedro do Sul.

4) O casal divorciou-se por sentença decretada em 5 de Janeiro de 2000, transitada em julgado no dia 17 de Janeiro de 2000.

5) A mãe teve uma nova relação, da qual nasceu uma filha.

6) Também assim o pai do mesmo arguido, o qual em 24.06.2004 casou com a assistente CC.

7) Esta situação foi mal aceite pelo arguido AA, o qual não concordava com o relacionamento amoroso daqueles.

8) O arguido AA, ao tempo dos factos, encontrava-se de relações esfriadas com o seu pai DD e a assistente, sua madrasta, CC, estes dois residentes no lugar de Pinhal Novo, freguesia de Várzea, concelho de São Pedro do Sul.

9) Embora mantivesse um relacionamento próximo com os seus avós paternos, EE e FF, ao tempo dos factos o arguido AA residia com a mãe e as duas irmãs em S. Pedro do Sul.

10) Em data não concretamente apurada, mas situada em finais do ano de 2005, o arguido AA cogitou a possibilidade de pôr termo à vida de seu pai DD.

11) Em data não concretamente apurada, mas situada nos primeiros quinze dias do mês de Maio de 2006, o arguido AA soube que o seu pai se encontrava ausente numa viagem para Moçambique.

12) Pensou então aliciar o arguido BB, seu amigo, pois sabia que se encontrava numa situação financeira difícil e que, por isso, poderia concordar em tirar a vida àquele DD a troco de dinheiro.

13) Em data indeterminada, mas situada na segunda semana de Maio de 2006, o arguido AA em conversa telefónica que manteve com o arguido BB disse a este último que pretendia pôr termo à vida do seu pai DD e das razões que tinha para assim agir.

14) Mais lhe disse que se ele (arguido DD) o matasse, receberia em contrapartida uma dada quantia em dinheiro.

15) O arguido BB, porque se encontrava em grandes dificuldades financeiras, logo combinou com o arguido AA que passaria o fim de semana de 13 e 14 de Maio de 2006 em casa de sua mãe (M H. A. A.), sita na Rua da F....., Bloco ..., .... Dtº, Chelagoense Parchal, em Lagoa, e na segunda-feira seguinte (dia 15) viria para São Pedro do Sul.

16) Mais combinaram que o arguido AA o iria então buscar à estação de camionagem de Viseu, trazendo-o depois para São Pedro do Sul.

17) Assim, tal como combinado, na manhã desse dia 15 de Maio de 2006, o arguido AA, conduzindo o veículo automóvel de sua pertença de marca "Seat", modelo "Ibiza FR", de cor preta, com o número de matrícula ...-...-..., foi buscar à central de camionagem, sita em Viseu, o arguido BB, tendo-o nesse mesmo dia transportado para São Pedro do Sul.

18) Uma vez em São Pedro do Sul, aquele BB ficou hospedado numa casa de habitação sita na Rua ...., nº...., em Sul, São Pedro do Sul, pertença de GG e cujo filho, HH, era amigo do arguido BB.

19) De resto, dias antes daquele dia 15 de Maio de 2006, o arguido José perguntara ao dito HH se poderia pernoitar por alguns dias, a partir daquela data - 15 de Maio de 2006 - na sua casa de habitação, ao que aquele seu amigo respondeu afirmativamente.

20) Nesse dia 15 de Maio de 2006, como entretanto tivesse resolvido por termo à vida da assistente, sua madrasta, (e não do seu pai) e soubesse que a mesma se encontrava sozinha na sua (dela) casa de habitação, o arguido AA, vendo essa altura como propícia para concretizar aquele propósito, procurou determinar o arguido BB a matá-la.

21) Para tanto disse-lhe que no interior da casa, onde ela morava, se encontrava um cofre com cinquenta mil euros em dinheiro, para além de diversas peças em ouro, e que se ele, BB, tirasse a vida à assistente poderia ficar para si com metade desse dinheiro e metade desse ouro, ficando o restante para o arguido AA.

22) Convencido que aquilo que o arguido AA lhe dizia era verdade, o arguido BB acedeu, logo nesse dia, matar a assistente a troco daqueles vinte e cinco mil euros e metade do ouro que ali encontrasse.

23) E assim combinaram entre si que o arguido BB mataria a assistente quando esta se encontrasse sozinha na sua (dela) casa.

24) O arguido AA disse ainda para o arguido BB que o assassinato deveria ser cometido com uma faca, e não através do uso de uma arma de fogo, pois daquela forma os vizinhos mais próximos não seriam alertados pelo barulho proveniente dos disparos de tal arma, tendo o arguido BB concordado com tal.

25) Na mesma altura os arguidos mais combinaram entre si que o arguido Nuno transportaria, no...

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