Acórdão nº 06S2445 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 18 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelVASQUES DINIS
Data da Resolução18 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1. AA intentou, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, contra o I.... de E... de P.... (ex-ICERR), acção com processo comum, pedindo que seja declarado que é ilícito e nulo o seu despedimento e que ele, Autor, é trabalhador do Réu, ao abrigo de contrato sem termo, desde 3 de Dezembro de 2001; e que o Réu seja condenado a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e do direito de optar, até à data da sentença, pela indemnização de antiguidade, e a pagar-lhe os salários e subsídios que se vencerem desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidos de juros de mora, contados desde o vencimento de cada uma dessas importâncias.

Alegou, em síntese, que: - Foi admitido ao serviço do extinto ICERR (I... para a C... e E... da R... R...) no dia 3 de Dezembro de 2001, para exercer as funções de apoio na área informática, designadamente administração de sistemas, apoio aos utilizadores, resolução de avarias ou problemas de equipamento informático, sendo que, dois meses e meio depois, o Réu apresentou-lhe um contrato de trabalho escrito, a termo certo, pelo período de seis meses, que assinou, por imposição do Réu, para não perder o posto de trabalho; - Em 7 de Novembro de 2002, o Autor recebeu uma carta, vinda do Réu, em que este lhe comunicava a não renovação do contrato de trabalho a termo certo, fazendo cessar o mesmo em 2 de Dezembro de 2002; - Esta comunicação constitui um despedimento ilícito, porquanto, não sendo válido o contrato de trabalho a termo certo, a entidade patronal não instaurou qualquer processo disciplinar, não apresentou qualquer nota de culpa, nem se fundamentou em qualquer comportamento culposo do Autor.

2. Frustrada, na audiência de partes, a tentativa de conciliação, o Réu contestou, dizendo, no essencial, que: - Por razões organizativas, apenas foi possível a assinatura do contrato a termo em 21 de Fevereiro de 2002, apesar de o Autor ter iniciado o exercício das suas funções em 3 de Dezembro de 2001, sendo que, como não podia deixar de ser, o contrato reportou os seus efeitos a esta data; - O Autor sempre soube que a sua contratação seria a termo certo; - Terminando o prazo acordado em 2 de Junho de 2002, o Réu, em Maio desse ano, comunicou ao Autor a sua não renovação e, logo, a sua caducidade na data prevista; - Como o Autor comunicou ao Réu que a comunicação de não renovação foi efectuada sem respeitar a antecedência legalmente definida, o contrato renovou-se por igual período, não tendo fundamento legal as conclusões que o Autor pretende retirar; - No que tange ao motivo justificativo da contratação, o invocado acréscimo temporário da actividade do Réu foi uma realidade na segunda metade do ano de 2001, ano em que o Inverno foi particularmente chuvoso, com frequentes temporais, que danificaram as estradas sobremaneira na Região Centro do País; - No contrato a termo foram concretizadas as circunstâncias integradoras do acréscimo excepcional e temporário da actividade e do "lançamento" de nova actividade; - O Autor, interpretando a seu bel-prazer e fora de qualquer contexto legal, as normas aplicáveis, litiga de má fé, devendo ser condenado em multa e em indemnização a fixar nos termos do n.º 2 do artigo 457.º do CPC.

3. Efectuado o julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, declarando ilícito o despedimento do Autor e condenando o Réu a reconhecer a existência de um contrato de trabalho sem termo, entre as partes, com efeitos reportados a 3 de Dezembro de 2001, bem como a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, e a pagar-lhe a quantia global de € 1.9126,16 (dezanove mil, cento e vinte e seis euros e dezasseis cêntimos), a título de salários intercalares, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data de vencimento de cada uma dessas importâncias, até integral e efectivo pagamento.

4. Em recurso de apelação, o Réu impugnou a sentença, quer quanto à decisão sobre a matéria de facto, quer quanto à solução jurídica do pleito, tendo o Tribunal da Relação de Coimbra - no entendimento de que a relação juslaboral em causa está sujeita à disciplina legal constante do Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, que não consente, em caso algum, a conversão de contrato a termo em contrato sem termo, concluído que o contrato celebrado pelas partes cessou por caducidade, com a consequência de se considerar prejudicada a apreciação das demais questões propostas no recurso -, revogado a sentença e absolvido o Réu do pedido.

5. Para pedir a revogação do acórdão da Relação e a repristinação da sentença da 1.ª instância, interpôs o Autor recurso de revista, terminando a alegação com as conclusões assim redigidas: 1.ª - Por douta sentença proferida pelo Tribunal do Trabalho de Coimbra foi decidido julgar a acção emergente de contrato individual de trabalho instaurada pelo A. contra o Réu, procedente por provada e, consequentemente, condenar o R. a reintegrar o A. no seu posto de trabalho; 2.ª - Fundamentou-se a decisão de 1.ª instância - em síntese - na inexistência, no contrato de trabalho a termo certo celebrado entre Autor, ora recorrente, e Réu, ora recorrido, em 5 de Dezembro de 2001, [de alusão expressa] à concreta factualidade real da necessidade da contratação a termo, pelo que se concluiu pela nulidade da estipulação do termo e pela conversão do contrato a termo em contrato sem termo, equivalendo a denúncia daquele contrato a termo a um despedimento ilícito, uma vez que não foi sequer precedido da instauração de processo disciplinar; 3.ª - O Tribunal da Relação de Coimbra, no recurso de apelação intentado pelo R., decidiu - erradamente - que o contrato a termo cessou por caducidade por força do disposto no Decreto-Lei n.º 427/89, de 7/12, o que se não aceita; 4.ª - Não é aplicável ao R. o disposto no Decreto-Lei n.º 427/89, de 7/12, designadamente, quanto ao contrato de trabalho a termo e consequências da sua invalidade; 5.ª - Nos termos do disposto nos Estatutos do ICERR (aprovados pelo Decreto-Lei n.º 237/99, de 25 de Junho), artigo 13.º, o pessoal do ICERR está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho; 6.ª - Ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 227/2002, de 30 de Outubro (que aprovou os Estatutos do IEP e que integrou, por fusão, o ICERR), o pessoal do IEP está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho; 7.ª - O IEP foi transformado em entidade pública empresarial EP - Estradas de Portugal - EPE e, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 239/2004, de 21 de Dezembro, o seu pessoal está sujeito ao regime jurídico do contrato individual de trabalho; 8.ª - Aplicando-se, necessariamente, o regime previsto na LCCT e, actualmente, no Código do Trabalho; 9.ª - Assim, à relação laboral existente entre o A. e o R. aplica-se o regime jurídico do contrato individual de trabalho e, consequentemente, o disposto no artigo 41.º do Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/2 (com a redacção da Lei n.º 17/2002, de 3 de Julho), convertendo-se o contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho sem termo, em virtude invalidade do contrato a termo, face à ausência de motivo justificativo; 10.ª - E tanto é assim que fazem parte dos quadros de pessoal do Réu trabalhadores contratados por contrato individual de trabalho, por termo indeterminado, sem precedência de processo concursal; 11.ª - O Réu tem celebrado, actualmente, contratos de trabalho por tempo indeterminado, na sequência de acordos de integração dos trabalhadores (na mesma situação do ora Autor) no IEP no âmbito de processos judiciais que correram termos no Tribunal do Trabalho de Coimbra (Processos n.º 815/04.OTTCBR e 934104.3TTCBR do 1.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Coimbra) e sem a prévia existência de concurso público; 12.ª - Significa então que é possível a celebração inicial de contratos de trabalho por tempo indeterminado, sem a precedência de processo de concurso, mas já não é possível a conversão dos contratos a termo em contratos sem termo?!?; 13.ª - Ora, salvo melhor entendimento, tal posição implica uma desigualdade de tratamento dos trabalhadores do Réu, em manifesta violação do princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa; 14.ª - Sem prescindir e caso se entenda que ao R. é aplicável o disposto no Decreto-Lei n.º 427/89, de 7/12 - o que se não aceita, mas que se aflora como mera hipótese de trabalho -, não seria legalmente possível a conversão dos contratos de trabalho a termo em contratos de trabalho sem qualquer termo, como entendeu o Tribunal da Relação de Coimbra; 15.ª - No entanto, desconhece-se, no caso concreto dos autos, qual o preceito legal que expressamente consagre a impossibilidade da conversão dos contratos de trabalho a termo certo em contratos de trabalho sem termo, nem o regime da nulidade previsto no Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27/2, foi afastado por qualquer norma específica, designadamente, pelos Decretos-Lei n.º 237/99, de 25/6, n.º 227/2002, de 30/10 e n.º 239/2004, de 21/12, nem dos Estatutos do Ex-ICERR, do ex-IEP e da actual EP - Estradas de Portugal, EPE; 16.ª - Sendo certo que uma decisão nesse sentido, sempre seria iníqua, desde logo porque seria o próprio R., enquanto infractor à lei (ao celebrar um contrato de trabalho a termo certo em manifesta violação à lei), a beneficiar da ilegalidade que ele próprio criou e fraudulentamente manteve; 17.ª - A violação da lei determinaria, tão-só e apenas, consequências gravosas e nefastas para o próprio A., ou seja, a caducidade do contrato inválido; 18.ª - O que determinaria uma situação absurda: o contrato podia durar indefinidamente, sem qualquer benefício para o trabalhador, dado que o mesmo nunca podia ser convertido em contrato de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado; 19.ª - O R. e o próprio Estado beneficiam assim de um tratamento mais...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO
3 temas prácticos
3 sentencias

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT