Acórdão nº 08P1228 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelARMÉNIO SOTTOMAYOR
Data da Resolução16 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

Na comarca de Castelo de Paiva foram julgados, por tribunal colectivo, no âmbito do proc. 193/05.0TACPV, os arguidos AA, BB e CC. Após audiência, o arguido BB foi absolvido dos crimes que lhe eram imputados. O arguido AA foi absolvido da instância quanto ao crime de ameaças, p. e p. pelo art. 153º nºº 1 do Código Penal, por falta de legitimidade do Ministério Público e foi condenado, como autor de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 21º n.º1 e 25º alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas anexas I-A e I-B, na pena de 26 meses de prisão; como autor de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art. 6º, nº 1, da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, na pena de 12 meses de prisão; como autor de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 275º, nº1, do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão; e como autor de um crime de receptação, p. e p. pelo art. art. 231º, nº1, do Código Penal, na pena de 12 meses de prisão; efectuado o cúmulo na pena única de 3 anos e nove meses de prisão. O arguido CC foi condenado como autor de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo arts. 21º nº 1 e 25º al. a) do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 1 ano de prisão.

Inconformados, quer o Ministério Público, quer o arguido AA recorreram para o Tribunal da Relação do Porto. O recurso do arguido foi julgado improcedente, tendo sido dado provimento ao recurso do Ministério Público, e, em consequência, o arguido AA foi condenado, como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21° n°1 do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, na pena de 4 (quatro) anos de prisão; como autor material de dois crimes de detenção ilegal de arma p. e p. pelo artigo 6°. da Lei nº 22/97 de 22 de Junho, aplicável á data dos factos, na pena de 1 (um) ano de prisão por cada um deles; como autor material de um crime de detenção de arma proibida p. e p. pelo artigo 275° nº 1 do Código Penal, aplicável à data dos factos, na pena de dois anos de prisão; como autor de um crime de receptação p.e p. pelo artigo 231° n. 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão e como autor material de um crime de coacção grave na forma tentada p. e p. pelos artigos 154° n° 1 e 155° nº. 1 al. a), com referência aos artigos 146° e 22°, 23° e 73°, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão. Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Permanecendo irresignado, o arguido AA recorre ao Supremo Tribunal de Justiça, tendo extraído da motivação do respectivo recurso as conclusões seguintes: 1- Contrariamente ao entendimento sufragado pelo douto acórdão da Relação do Porto, considera o recorrente, com o devido respeito, que a análise correcta dos factos e a sua subsunção ao direito foi feita pelo Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo de Paiva.

2- Como sabiamente se referiu no douto acórdão desse Tribunal, o que o legislador pretendeu distinguir foi o "grande tráfico" do tráfico como aquele de que tratam os autos, que em epígrafe o sobre dito artigo 25° denomina de "Tráfico de menor gravidade".

3- A ilicitude consideravelmente diminuída tem, pois, de resultar de uma realidade tão-somente objectiva, aquela que a análise do artigo 25°, no seu confronto com o artigo 21º, projecta e faz entender.

4-A título meramente exemplificativo, e não taxativo, a ilicitude do facto mostra-se consideravelmente diminuída, tendo em conta: -os meios utilizados; -a modalidade ou as circunstâncias da acção; e -a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações 5- o Tribunal ora recorrido omitiu qualquer referência às quantidades das substâncias estupefacientes que foram objecto de tráfico, sendo incontestável que não está provado que o arguido tenha vendido grandes quantidades delas, como é certo serem pequenas quantidades aquelas que lhe foram apreendidas.

6-Ainda que tão-somente levando em conta as quantidades de estupefacientes vendidas pelo arguido e a ele apreendidas, chega-se à inequívoca conclusão de que a ilicitude do facto, no caso dos presentes autos, se mostra consideravelmente diminuída.

7- O Tribunal da 1ª Instância condenou o arguido apenas num crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo artigo 6°, n° 1 da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, fazendo correcta aplicação do direito aos factos 8- De facto, consta do ponto 27 dos factos provados que "O arguido AA gosta de Armas" e foi esse gosto que o levou a adquirir todas as armas por si detidas.

9 - A unidade ou pluralidade de crimes afere-se pela unidade ou pluralidade de juízos de censura 10- E há pluralidade de juízos de censura sempre que há pluralidade de resoluções do projecto criminoso, tendo em conta as condições em que elas se podem afirmar.

11- Os factos dados como provados não permitem concluir que exista mais do que uma resolução criminosa por parte do arguido resultante da detenção das 4 armas.

12- E assim é, porque da aquisição da espingarda R...B... pelo arguido ninguém pode retirar a ilação de que ele, por virtude dessa aquisição, renovou o processo de motivação de deter armas.

13- O arguido não cometeu o crime de coacção grave p. e p. pelos artigos 154°, nº 1 e 155°, n° 1, alínea a) do C. Penal, pelo qual foi condenado pelo Tribunal ora recorrido.

14- Na verdade, após se ter iniciado a audiência de julgamento e antes de proferir o seu douto acórdão, o Tribunal da 1ª Instância alterou a qualificação jurídica constante dos pontos 9, 10, 11 e 12 descritos na acusação como tendo, por eles, o arguido cometido um crime de coacção grave p. e p. pelos artigos 154°, nº 1 e 155°, n° 1, alínea a) do C. Penal, para passar a imputar-lhe um crime de ameaças, p. e p. pelo artigo 153°, nº 1 do C. Penal, tendo dado cumprimento ao disposto no artigo 358°, nºs 1 e 3 do C. P. Penal.

15-Por força dessa alteração da qualificação jurídica dos factos constantes dos pontos 9, 10, 11 e 12, foi o arguido julgado, não pela prática do crime de coacção grave p. e p. pelos artigos 154°, nº 1 e 155°, nº 1 do C. Penal, pelos quais antes vinha acusado, mas pela prática de um crime de ameaças, p. e p. pelo artigo 153°, nº 1 do C. Penal.

16-Nem o arguido, nem o Ministério Público recorreram do douto despacho que alterou a qualificação jurídica desses factos, pelo que o mesmo transitou em julgado, razão pela qual não pode o arguido ser condenado pelo crime de coacção grave na forma tentada.

17- De qualquer modo, os factos dados como provados nos pontos 9, 10, 11 e 12 do douto acórdão da 1ª Instância não consubstanciam a prática do referido crime de coacção p. e p. pelos artigos 154°, n° 1 e 155°, n° 1, mas tão somente do crime de ameaças p. e p. pelo artigo 153°, n° 1 do C. Penal.

18- Em primeiro lugar, porque não é possível enquadrar os factos num crime de coacção grave por ter o arguido apontado na direcção de DD a caçadeira, ao mesmo tempo que lhe dizia: "tens até à noite para me dares o dinheiro e as chaves da tua mota, senão vou atrás de ti".

19-Não é possível concluir do comportamento do arguido que, ao agir como agiu, pretendia ele significar que caso o DD não cumprisse com o que lhe ordenava iria atrás dele e sobre ela dispararia, causando-lhe a morte.

20- O arguido não disse fazer tal coisa, e é verdade que se, na sua mente, ao apontar a arma na direcção daquele indivíduo, quisesse significar-lhe isso mesmo, tê-lo-ia dito.

21- O gesto do arguido o mais que se pode dizer é que traduzia em si descontentamento, e não uma significação de manifestação de vontade da prática de qualquer crime na pessoa do visado.

22- Em segundo lugar, não há tentativa da prática do referido crime, dado que, no caso vertente, não se verificam os pressupostos do artigo 22° do C. Penal, por inexistirem actos de execução do pretenso crime de coacção grave.

23 -De facto, como vem referido, o comportamento do arguido não se pode ter como significando uma manifestação de vontade de praticar qualquer crime na pessoa do DD, designadamente, um crime contra a integridade física deste, como consta do ponto 10 dos factos dados como provados.

24-Em terceiro lugar, não há prova nos autos, ou seja, factos, que digam que o DD se sentiu ou foi constrangido à prática da acção querida pelo arguido AA.

25- E a conclusão retirada pelo Tribunal ora recorrido - que não é um facto - está claramente contrariada pela conduta do DD, que "não satisfez o pretendido pelo AA".

26-Em quarto lugar, se assim não fosse, e é, os factos dados como provados jamais permitem concluir que o arguido cometeu um crime de coacção grave, na sua forma tentada, dado que está provado, no ponto 10 dos factos provados, que "O arguido AA, ao proferir tais expressões, actuou deliberada, livre e conscientemente, com a intenção de obrigar DD a entregar-lhe dinheiro e as chaves do seu motociclo, por meio de ameaça com a prática de um crime contra a integridade física daquele".

27-A ameaça do AA era perpetrada contra a integridade fisica do DD, sabendo-se que o crime contra a integridade física é punido com pena de prisão até 3 anos pelo artigo 143°, n° 1 do C. Penal.

28- Ora, a ameaça prevista no artigo 155°, n° 1, alínea a) do C. Penal, para o crime de coacção grave, tem de ser ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos 29- Deste modo, a conduta do arguido nunca seria subsumível a este preceito.

30- O Tribunal ora recorrido deu sem efeito, por o considerar nulo, indevidamente e sem fundamento legal, o douto despacho do Tribunal da 1ª Instância, de fls. 1182 a 1184., que se encontra devidamente fundamentado e em conformidade com o disposto no artigo 380°, nº 1, alínea a) do C. P. Penal.

31- Dado o exposto, deve revogar-se o douto acórdão ora recorrido e manter-se a pena de 3 anos e 9 meses de prisão que foi aplicada ao arguido pelo Tribunal da 1ª Instância, devendo, no entanto, essa...

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