Acórdão nº 07P4375 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelRAÚL BORGES
Data da Resolução12 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Colectivo nº 204/02.1GDMTS, do 2º Juízo Criminal da Comarca de Matosinhos, foi submetido a julgamento o arguido AA, solteiro, vendedor ambulante, filho de C. N. O. e M. J. da S., nascido em 09.02.1983, na freguesia e concelho de Matosinhos e residente na Travessa.............., n° ....., Custóias, Matosinhos, por factos susceptíveis de integrarem, em autoria material, um crime de incêndio, explosões e outras condutas especialmente perigosas, p. p. pelo artigo 272º, nº 1, a), do Código Penal.

Por acórdão do Colectivo do Círculo Judicial de Matosinhos, de 6 de Dezembro de 2006, foi deliberado: Condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material, de um crime de incêndio, explosões e outras condutas especialmente perigosas, p. p. pelo artigo 272º, nº 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Inconformado, o arguido interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto, apresentando a motivação de fls. 315 a 318, invocando erro na apreciação da prova, previsto no artigo 410º, nº 2, alínea c), do CPP, e no âmbito da medida da pena, a não aplicação do Decreto-Lei nº 401/82, de 23-09, e por considerar a pena aplicada manifestamente excessiva.

Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de Junho de 2007, constante de fls. 353 a 365, foi negado provimento ao recurso.

De novo inconformado, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação de fls. 386 a 391, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição): I. O acórdão recorrido, padece de nulidade, que expressamente se invoca, o tribunal da Relação conhece de facto e de direito.

  1. o entender não conhecer o recurso em matéria de facto, com o fundamento que não foram indicadas as provas que impunham entendimento diferente/ bem como suportes técnicos, incorreu em omissão de pronuncia pois deveria o recorrente ser convidado a suprir as deficiências suscitadas, o que não foi o caso, devendo o processos ser re-enviado para ser dado cumprimento a tal.

  2. Caso tal não se entenda sempre se verifica o erro de fundamentação, pois não se percebe qual o raciocínio lógico encetado, pela análise exaustiva dos depoimentos, constata-se estarem os mesmos em oposição á prova documental.

  3. O reconhecimento do arguido baseou-se em prova fotográfica/ prova essa que induziu em audiência o reconhecimento, veja-se a tal propósito auto de notícia o suspeito é completamente diferente do arguido.

  4. Volvidos cinco anos sobre a prática dos factos e o inquérito que se protelou no tempo, certo é que os elementos probatórios são sobremaneira escassos/ e a prova testemunhal ouvida contraria a documental, verificando-se nesta parte erro notório nos termos do art°. Do n°. 2 C do C.P.P. (sic).

    1. A dar-se assente a matéria de facto entende a defesa que o arguido deveria ter sido condenado pelo n°. 2 do art°. 272 do C.P. e não pelo seu n°. 1.

    Porquanto: a) se o objectivo era a pessoa do arguido, não era a outra pessoa que aí se encontrava, ademais, não ficou provado que o arguido soubesse exactamente quem aí residisse, nomeadamente a pessoas que aí s e encontrava, veja-se que o incêndio foi no barraco do BB e não outro, por isso o alvo era ele, ora, se aí não se encontrava, não se deu como provado que sabia quem aí permanecia.

  5. Mais, estavam no local pessoas muito próximo e auxiliaram. O perigo no nosso modesto entendimento foi mais aparente, por outro lado não resultaram quaisquer sequelas/ferimentos, para além dos prejuízos patrimoniais.

  6. Deveria ter sido aplicado ao arguido o regime legal para jovens delinquentes, o período temporal decorrido é deveras significativo.

  7. O Tribunal não ponderou circunstâncias anteriores e posteriores ao crime que diminuem de forma acentuada a i1icitude do facto a culpa do agente ou a necessidade de pena vide art.º 72 do C.P.

  8. o arguido é jovem, toda a sua vivência posterior é demonstrativa de inserção pessoal e familiar.

    III - A pena aplicada ao arguido é desproporcional e desadequada, deveria ser reduzida no seu "quantum", razões de prevenção geral e especial, não são tão e elevadas como se patenteia no acórdão.

    IV - Termos em que tendo em conta a filosofia pedagógica e ressocializadora do nosso ordenamento jurídico vigente, deveria reduzir-se a pena e ponderar-se a suspensão da sua execução, ainda que sujeitar o arguido a deveres de conduta, nomeadamente indemnizar o lesado e outras que se entendam pertinentes e a determinar.

    O Mº Pº junto do Tribunal da Relação do Porto, a fls. 394 a 396, defendeu ser manifesta a improcedência do recurso.

    Neste Supremo Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, tendo-lhe os autos ido com vista, a fls. 399, colocou "visto".

    Colhidos os vistos e realizado o julgamento, cumpre apreciar e decidir.

    A decisão recorrida é o acórdão da Relação do Porto de 27-06-2007, que confirmou acórdão final condenatório proferido por tribunal colectivo de Matosinhos.

    Definindo os poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, dispõe o artigo 434º do CPP, que, sem prejuízo do disposto no artigo 410º, nºs 2 e 3, o recurso interposto para este Tribunal visa exclusivamente o reexame da matéria de direito.

    Conforme jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - vícios decisórios ao nível da matéria de facto e nulidades referidas no artigo 410º, n.ºs 2 e 3, do Código de Processo Penal - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que expõe e sintetiza as razões do pedido (artigo 412º, nº 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.

    Questões a apreciar Face ao teor das conclusões extraídas pelo recorrente são as seguintes as matérias a abordar no presente recurso: I - Omissão de pronúncia II - Erro notório na apreciação da prova III - Requalificação do crime IV - Da não aplicação do artigo 4º Decreto-Lei nº 401/82 V - Medida da pena Face às questões colocadas importa ter em consideração a facticidade apurada pela primeira instância e aceite no acórdão recorrido.

    Factos provados.

    1) Em data não concretamente apurada e por questões relacionadas com o tráfico de estupefacientes, o arguido, também conhecido pela alcunha de Tolinhas", desentendeu-se com BB, irmão de CC, circunstâncias em que o arguido ameaçou incendiar o barraco onde o BB vivia, o qual é anexo ao barraco da irmã deste.

    2) Neste contexto, por vingança, no dia 21 de Março de 2002, no início da noite, o arguido, acompanhado de dois indivíduos, cuja identidade não se logrou apurar, deslocaram-se ao dito barraco, sito na Viela da .... em Custóias, Matosinhos, fazendo-se transportar num veículo automóvel de cor vermelha.

    3) Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, encontravam-se no interior do barraco o irmão do BB, de nome DD, invisual, encontrando-se no barraco da irmã CC, anexo ao do BB, o marido desta, EE e o filho de ambos FF.

    4) Aí chegados, o arguido, dirigiu-se ao barraco do BB onde entrou e derramou um recipiente de combustível que trazia na mão. Após, acendeu um isqueiro com o qual ateou o fogo, que de imediato se propagou na habitação.

    5) O referido incêndio alastrou-se a toda a habitação do BB, queimando todos os seus haveres e só não se alastrou aos barracos contíguos, porque foi controlado pelos bombeiros.

    6) De seguida colocou-se em fuga em direcção do veículo onde o aguardavam os indivíduos supra aludidos, após o que os ofendidos conseguiram fugir para o exterior não tendo sofrido quaisquer queimaduras.

    7) Com a conduta descrita o arguido causou um prejuízo ao BB no valor de pelo menos € 2.000,00.

    8) O arguido agiu de forma livre e consciente, querendo incendiar o referido barraco, bem sabendo que dessa forma estava a colocar em perigo, como colocou, a vida a integridade física e o património de todos os que ali viviam, bem sabendo que a sua actuação era reprovável e punida por lei.

    9) Na altura dos factos o arguido, apesar de não ter carta de condução, possuía um veículo de marca BMW, com a matrícula ...-...-..., que conduziu, pelo menos, nos dias 2 e 31 de Maio de 2002, conforme resulta das certidões juntas aos autos a fls. 151 e ss. Factos porque foi julgado e condenado nos processos aí referidos.

    10) O arguido é casado segundo o ritual da raça cigana, tem 3 filhos de 7, 4 e 2 anos de idade, vive com a mãe da mulher, tem o 6º ano de escolaridade.

    11) O arguido foi condenado em 31.05.02, factos de 02.05.02, pela prática de um crime de condução ilegal em pena de multa; em 18.11.02, factos de 03.07.01, pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, p. p. pelo artº 6º da Lei nº 22/97, de 27.06, na pena de multa; em 23.01.03, factos de 06.01.03, pela prática de condução ilegal, na pena de multa.

    12) O arguido não demonstrou arrependimento.

    Factos não provados.

    Com pertinência e relevância ao objecto dos autos, não se provou que:

  9. No barraco onde vivia o BB vivesse também a irmã, o marido e o filho destes.

  10. O veículo em que o arguido se fez deslocar fosse da marca BMW.

  11. Aquando do incêndio a CC, o marido desta EE, o filho de ambos, FF estivessem no barraco do BB.

    Apreciando.

    I - Omissão de pronúncia Na conclusão I. a), defende o recorrente ter o acórdão recorrido incorrido em omissão de pronúncia por não ter sido convidado a suprir as deficiências aí suscitadas, devendo o processo ser reenviado a fim de ser dado cumprimento a despacho que vise colmatar tais deficiências.

    Desde já há que dizer que o recorrente incorre em manifesto equívoco, não havendo qualquer omissão de pronúncia.

    Na verdade, a imputação do recorrente baseia-se numa confusão entre três aspectos, que terão como denominador comum a sindicância da matéria de facto, mas que são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências, estando em causa o erro notório na apreciação da prova, o erro na apreciação e valoração das provas, que se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto e a impugnação da matéria de facto possível com a...

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