Acórdão nº 08S601 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Junho de 2008

Magistrado ResponsávelBRAVO SERRA
Data da Resolução04 de Junho de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I 1.

Pelo Tribunal do Trabalho de Lisboa intentou AA contra TAP - Air Portugal, S.A.

, acção de processo comum, solicitando a declaração de ilicitude do despedimento de que ele, autor, foi alvo por parte da ré e o reconhecimento do direito à sua reintegração, sem prejuízo da opção, em substituição dessa reintegração, pela indemnização de antiguidade.

Invocou, em síntese, que: - - em Janeiro de 1996, foi admitido pela ré para, sob as ordens e direcção desta, exercer as funções de operador de rampa e terminais, auferindo o vencimento mensal líquido de € 1.130,38; - em 17 de Julho de 2001, veio a ser preso preventivamente à ordem de um processo-crime, por suspeita de envolvimento num crime de tráfico de estupefacientes, não tendo, durante o período em que se encontrou nessa situação - a qual perdurou até 6 de Janeiro de 2003 -, podido comparecer ao serviço; - naquele dia 6 de Janeiro de 2003, data em se realizou a audiência de julgamento naquele processo-crime, foi o autor posto em liberdade, dado que foi absolvido do crime de autoria de tráfico de estupefacientes que lhe era imputado, sendo-lhe, porém, imposta pena, por se ter entendido que a sua actuação configurava a figura da forma criminosa de cumplicidade; - do acórdão condenatório foi interposto recurso, o que era do conhecimento da ré, vindo ela a instaurar processo disciplinar, no qual concluiu que o autor fora condenado em pena de prisão e que as suas ausências ao serviço, no período de prisão preventiva que sofreu, lhe eram imputáveis, pois que decorrentes de uma situação provocada pela sua conduta, da qual era inteira e exclusivamente responsável; - a razão do despedimento em causa, baseado nas faltas dadas ao serviço, não pode ser considerada como integrando justa causa, uma vez que, face ao não trânsito da condenação, e não sendo lícito presumir a culpabilidade do autor, tais faltas não se podem traduzir numa violação dos seus deveres enquanto trabalhador, porquanto, em virtude da prisão preventiva, lhe não era possível comparecer ao trabalho.

Após contestação da ré (que, em súmula, invocou que o autor nunca lhe deu conhecimento da sua situação de prisão preventiva, a qual a contestante desconhecia, só apresentando o justificativo da não comparência em 16 de Janeiro de 2003, ou seja, dez dias depois de se ter apresentado ao serviço, e que tem sido defendido que as faltas dadas em consequência de prisão preventiva são de considerar injustificadas, porque decorrentes de motivos imputáveis ao trabalhador), prosseguindo os autos seus termos, veio a ser proferida sentença que, julgando improcedente e não provada a acção, absolveu a ré dos pedidos contra si formulados.

Irresignado, apelou o autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, impugnando também a matéria de facto.

Tendo aquele Tribunal de 2ª instância, por acórdão de 24 de Outubro de 2007, dado por procedentes os fundamentos da impugnação da matéria de facto e, na procedência da apelação, declarado ilícito o despedimento do autor e condenado a ré a reintegrá-lo sem prejuízo da sua categoria e antiguidade e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento, pediu revista a ré.

  1. Rematou a ora recorrente a sua alegação com as seguintes «conclusões»: - "1) A Recorrente considera que o Acórdão do Tribunal da Relação não ajuizou correctamente a matéria de facto dada como provada, atendendo ao Direito aplicável.

    2) No período que decorreu entre o dia 16 de Julho de 2001 e 6 de Janeiro de 2003, o A. estava preso preventivamente.

    3) Resulta provado que a mãe do Recorrido apenas comunicou à Recorrente a prisão preventiva em reunião ocorrida dias depois da detenção daquele, o que faz com que não possa ter nunca comunicado as faltas ao serviço após os vários reexames dos pressupostos da prisão preventiva que foi necessário efectuar de três em três meses.

    4) Tendo o Recorrido faltado ao serviço entre 16 de Julho de 2001 e 6 de Janeiro de 2003 porque esteve preso preventivamente no âmbito de um processo crime no qual veio a ser condenado a dois anos de prisão por cumplicidade no crime de tráfico de estupefacientes (vide facto provado sob o n.º 12), deverão as mesmas faltas ser consideradas como injustificadas.

    5) Esta impossibilidade de prestar serviço terá sempre de ser imputada ao Recorrido que agiu conscientemente e de forma voluntária para a prática do crime em que foi condenado.

    6) A conduta do Recorrido foi manifestamente grave e socialmente censurável, tendo o mesmo agido conscientemente para a prática do crime em que foi condenado.

    7) Para além da conversa ocorrida com a mãe do Recorrido dias depois da detenção, a Recorrente não teve nenhuma outra informação sobre a situação daquele, fosse da mãe do Recorrido, fosse da Policia Judiciária, designadamente sobre a manutenção ou não da prisão preventiva ou até mesmo das razões da mesma.

    8) Provou-se ainda que o Recorrido nunca apresentou à Recorrente qualquer documento comprovativo da razão da sua ausência ao serviço (facto provado sob o n.º 17).

    9) Mesmo que as faltas fossem consideradas justificadas, no que não se concede, a verdade é que as faltas dadas pelo Recorrido após os primeiros três meses de prisão preventiva, bem como a reapreciação dos pressupostos da mesma, nunca foram comunicadas à Recorrente, nos termos do que actualmente dispõe o artigo 228.º do Código do Trabalho e anteriormente o artigo 25.º da LFFF, o que faz com que, as mesmas, fossem, em última instância, sempre faltas injustificadas.

    10) Apesar de, ao tempo, o Acórdão que condenou o Recorrido não ter transitado em julgado, aquele teve que ser notificado não só do mesmo, como ainda da revalidação da medida de coacção de prisão preventiva que de três em três meses foi sendo feita, pelo que sempre poderia apresentar a justificação das faltas.

    11) O Recorrido nunca quis que se soubessem os motivos da sua ausência ao serviço porque o mesmo estava preso preventivamente no âmbito de um processo crime, onde foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e porque se provou que não só usava o seu local de trabalho, como usava também os conhecimentos que tinha da actividade da Recorrente para realizar os seus propósitos criminosos através de malas transportadas nos aviões daquela e que este manuseava.

    12) O comportamento do Recorrido é de tal modo grave que impossibilita de forma imediata a subsistência da relação laboral, uma vez que os factos que estão na base da condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes se traduzem em violações graves dos deveres de zelo, diligência, cooperação e honestidade a que o Recorrido não poderia deixar de estar obrigado em toda a sua actuação e conduta.

    13) O despedimento imediato, com justa causa, é uma sanção adequada e proporcionada aos factos dados como provados na medida em que as faltas dadas ao serviço para cumprir a prisão preventiva no âmbito de um processo crime de tráfico de estupefacientes em que foi efectivamente condenado, terão de ser consideradas como injustificadas.

    14) O Acórdão do Tribunal da Relação violou, entre outros, o disposto no artigo 396.º do Código do Trabalho.

    15) A correcta aplicação das normas violadas conduzirá à absolvição da Recorrente.

    " Respondeu à alegação da ré o autor, sustentando o não conhecimento do recurso por deserção e, sem conceder, a respectiva improcedência.

    Resumiu o recorrido essa sustentação com o seguinte quadro conclusivo: - "1 - Nos termos do nº 1 do artigo 81º do Código de Processo do Trabalho, o requerimento de interposição de recurso deve conter a alegação do recorrente ( ... ).

    2 - Por aplicação analógica do artigo 80º, nº 2, o prazo para a interposição do recurso de revista é, em processo do trabalho, 20 dias a partir da adopção da regra da continuidade dos prazos (Menezes Cordeiro, Do prazo para a interposição do recurso de revista em processo do trabalho, Dir., Ano 128º, 1996, III-IV, p.p.285 e ss., em particular pp. 291 e ss).

    3 - Ora, o prazo de interposição de recurso conta-se a partir da notificação da decisão, e com ele se inicia, com ele coincide, o prazo para alegar.

    4 - O artigo 145º, nº 3 do Código de Processo Civil é claro : ‘o decurso de prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto'.

    5 - O prazo para o ora Recorrente interpor o competente recurso e apresentar as suas alegações terminou no dia 19.11.2007 podendo ainda ser alargado, tendo em conta o disposto no artigo 145º, nº 5, do Código de Processo Civil até 21.11.2007.

    6 - O Tribunal Superior não está vinculado [à] decisão do tribunal ‘a quo' que admite o recurso, fixa a sua espécie ou determina o seu efeito.

    7 - O recurso deverá ser julgado deserto, por não ter a Recorrente apresentado a sua alegação com o requerimento de interposição de recurso ou dentro do prazo para a sua interposição.

    8 - Sem conceder, o recurso de Revista não merece provimento, o douto Acórdão recorrido fundamentou devidamente a sua decisão, respeitando todos os critérios legais não merecendo reparo, pelo que deve ser mantida inalterada.

    " A Ex.ma Magistrada do Ministério Público neste Supremo exarou «parecer» no qual propugnou pela improcedência da revista.

    Notificado esse «parecer» às partes, apenas a recorrente TAP veio sobre ele efectuar pronúncia, sustentando que as faltas dadas pelo autor lhe eram totalmente imputáveis, não tendo a ré podido invocar no processo disciplinar quaisquer outros motivos, uma vez que desconhecia por completo os factos praticados pelo recorrido, não sabendo o que lhe «acontecera» desde 17 de Julho de 2001 até 6 de Janeiro de 2003, razão pela qual mantinha o exposto na sua alegação de revista.

    Corridos os «vistos», cumpre decidir.

    II 1.

    Vem, pelo aresto impugnado, assente o quadro fáctico que segue, o qual já contém as alterações decorrentes do juízo de procedência sobre o recurso que incidiu sobre a matéria de facto apurada na 1ª instância: - - a) o autor foi admitido para prestar serviço sob as ordens e direcção da ré, a fim de exercer as...

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