Acórdão nº 08P1147 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Maio de 2008
Magistrado Responsável | RAÚL BORGES |
Data da Resolução | 28 de Maio de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
No âmbito do processo comum colectivo n.º102/06.OJELSB, da 9ª Vara Criminal de Lisboa, foram submetidos a julgamento, para além de outros três, o arguido AA, solteiro, nascido a 25/5/1964, na Guiné Bissau, filho de BB e de CC, residente no ...º A, do Lote C ...., da Av. ......., nos Olivais, em prisão preventiva à ordem destes autos desde 27 de Julho de 2006, sendo a todos imputada a prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº1, do DL 15/93, de 22-01, sendo o arguido AA por referência à Tabela I-A e I-B anexa a este diploma legal.
Por acórdão do colectivo de 18 de Julho de 2007, depositado em 20 seguinte, por só então ter sido possível colher a assinatura de uma das senhoras juízas, foi deliberado: A) Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do DL 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I- B, anexa ao mesmo diploma, na pena de 5 anos de prisão; B) Condenar o arguido DD, pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 25º, do Dec-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B anexa ao mesmo diploma, na pena de 2 anos de prisão.
Inconformado, o arguido AA interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, impugnando matéria de facto e de direito.
O Mº Pº junto da Relação de Lisboa, a fls. 1591 a 1593, limitou-se a defender a irrecorribilidade da decisão, tendo em conta a norma do artigo 400º, nº 1, alínea f) do CPP, na redacção da Lei nº 48/2007, devendo ser proferido despacho no sentido de considerar inadmissível o recurso.
Na sequência dessa posição, por despacho de fls. 1598, a Exma. Desembargadora Relatora, com o fundamento de que a decisão alvo de recurso fora já proferida ao abrigo da nova lei, não admitiu o recurso.
O recorrente reclamou e por despacho de fls. 1614 a 1616, foi deferida a reclamação, na sequência do que o recurso veio a ser admitido a fls. 1621.
Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 19 de Dezembro de 2007, foi deliberado não conceder provimento ao recurso.
De novo irresignado, o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação de fls. 1580 a 1584, que remata com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso vem interposto da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que acaba de confirmar a pena de 5 anos de prisão a que o ora recorrente AA foi condenado pela 9a Vara Criminal de Lisboa, 2a. Secção, pela prática de um crime de tráfico de produto estupefaciente pp pelo art° 21° do DL 15/93.
2. Decisão com a qual o recorrente não se pode conformar, porquanto considera-se inocente, sendo que pelo seu entendimento, não resultaram provados, em audiência, os factos pelos quais vinha acusado e acabou condenado.
3. Com efeito, o arguido recorrente no seu depoimento em audiência afirmou ter mantido contacto (telefónico e pessoal) com o co-arguido DD, mas não para transaccionar produto estupefacientes, como foi considerado provado pelo douto acórdão da 1 ° instância.
4. A quantidade de produto estupefaciente apreendido não foi encontrado na posse do arguido recorrente, mas sim no interior da viatura na qual o co-arguido se fazia transportar.
5. Sendo certo, que nenhuma testemunha inquirida em audiência disse ter visto o recorrente a vender produto estupefaciente ao co-arguido DD ou outra pessoa que fosse.
6. O depoimento deste co-arguido, além de ter o valor que tem, não foi esclarecedor quanto à posse do produto encontrado no carro em questão.
7. As conversas telefónicas intersectadas são meios de prova e não prova como foram consideradas (art° 171 ° e 187° do CPP).
8. O arguido no recurso interposto ante o TRL, entre outras questões suscitou a questão de violação do princípio de igualdade de tratamento, p. no art° 13° da CRP, sem que o TR tenha apreciado esta questão que se considera cerne do seu recurso.
9. Na verdade, o recorrente considera ter sido violado este princípio constitucional, na medida em que, tendo sido considerado provado que a quantidade de 23,909 gramas de produto de estupefacientes era pertença do recorrente e do co-arguido DD, este tenha sido condenado na pena de 2 anos de prisão, enquanto aquele na de 5 anos de prisão, 10. Seguramente devido ao facto de um ter confessado e outro não.
11. Sendo certo que ambos os arguido (o recorrente e o José de carvalho) possuem antecedentes criminais, conforme resulta dos autos.
12. Sem conceder, a admitir como verdadeiros os factos pelos quais foi condenado, não se compreende de todo que o co-arguido DD tenha sido condenado na pena de 2 anos pelo crime previsto no art° 25° do DL 15/93, de 22 de Janeiro e o recorrente pelos mesmos factos a merecer punição nos termos do art° 21 ° do citado dispositivo legal, na pena de 5 anos de prisão.
13. Pela quantidade de produto estupefaciente apreendido, 23,909 gramas, devia o recorrente ser condenado pelo art° 25° do DL 15/93 como o foi o seu co-arguido DD e nunca pelo art° 21 ° do mesmo diploma legal.
14. Assim existe insuficiência para a decisão da matéria dada como provada, bem como erro na apreciação da prova (art° 410/2,a) e c) do CPP).
15. Normas violadas: Art° 21° do DL 15/93 de 22/1, 71°/1 e 2 da CP, 127° e 428°, 410° do CPP, 13 da CRP, l° e 7° da DUDH e ainda o art° 6° da CEDH.
Na procedência do recurso, pede a revogação do acórdão recorrido com a consequente absolvição do crime pelo qual foi condenado.
Caso assim não seja entendido, defende que deve ser condenado pela prática do crime previsto no artigo 25° do mesmo diploma legal na pena de 2 anos de prisão.
Estamos face a recurso interposto de acórdão da Relação de Lisboa, que incidiu sobre acórdão final de tribunal colectivo.
Muito embora o arguido tenha sido condenado na pena de 5 anos de prisão, confirmada na Relação, a decisão é recorrível atendendo à data, não da decisão recorrida, mas da decisão de 1ª instância, por a solução corresponder a tratamento mais favorável, a ter em conta nos termos do artigo 5º, nº 2, alínea a), do CPP, já que face à nova redacção do artigo 400º, nº 1, alínea f), do CPP, conferida pela Lei nº 48/07, de 29 de Agosto, não seria admissível o recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
Como é jurisprudência pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - vícios decisórios e nulidades, nos termos do artigo 410º, n.ºs 2 e 3 do CPP - é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, onde sintetiza as razões do pedido (artigo 412º, nº 1 do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
Questões a apreciar No essencial a impugnação do recorrente divide-se em dois sectores, sendo um dirigido à matéria de facto - conclusões 1ª a 7ª e 14ª - e outro à matéria de direito - conclusões 8ª (aqui aludindo a omissão de pronúncia) a 13ª.
Tendo em conta as conclusões extraídas pelo recorrente, são as seguintes as questões a tratar: I - Errada valoração das provas II - Omissão de pronúncia III - Vícios previstos no artigo 410º, nº 2, alíneas a) e c) do CPP IV - Qualificação jurídica - convolação para tráfico de menor gravidade? V - Medida da pena FACTOS PROVADOS 1. A arguida EE, no dia 23 de Julho de 2006 ao embarcar no aeroporto de Lisboa para a Ilha Terceira nos Açores no voo TP .... levava, envolta em fita adesiva colada à respectiva cintura, uma embalagem de heroína com o peso líquido de 492, 222 gr.; 2. A arguida encontrava-se desempregada e o bilhete de viagem aérea foi comprado com dinheiro que lhe foi entregue para o efeito por indivíduo não identificado do qual ainda restou a quantia de 150 € que a arguida detinha; 3. Pelo transporte da cocaína para a Ilha Terceira a arguida iria receber 1250 €; 4. O arguido AA, pelo menos nas datas abaixo indicadas, usando os telemóveis .......... e ........... contactava e era contactado para fornecimento e entregas de produtos estupefacientes; 5. Entre o dia 6 de Junho e 23 de Julho de 2006 os arguidos AA e DD contactaram telefonicamente com a finalidade do primeiro entregar ao segundo, recebendo contrapartida em dinheiro, substância estupefaciente para consumo do DD e cedência a amigos em circunstâncias não totalmente apuradas; 6. Em alguns dos telefonemas entre ambos, designadamente ocorridos a 29 de Junho, 3 de Julho e 7 de Julho através dos telefones ......., ............ e ........ (cabine pública da zona de Cova de Piedade) o AA e o DD referiram-se à existência de um terceiro indivíduo a quem chamavam "mecânico" e o qual tinha produto estupefaciente para entrega ao AA que o entregaria ao DD; 7. A 26 de Julho de 2006 a partir das 15h. 59m. o AA através do telefone ....... e o DD, utilizando o telefone ........ combinaram entre si encontrarem-se, na zona do Laranjeiro, para o primeiro entregar ao segundo cerca de 24 gr. de cocaína; 8. No telefonema ocorrido pelas 19h. 18m. o DD insistiu com o AA perguntando-lhe se efectivamente se ia deslocar ao Laranjeiro e se tinha falado com o terceiro indivíduo sobre a necessidade de "um jante de trinta polegadas" expressão usada como código para se referir à quantidade de produto estupefaciente a entregar que seria de 30 gr.; 9. Pelas 8h. e 26 m. o AA dirigiu-se no seu veículo Opel , modelo Astra, com a matrícula ...-...-..., conduzido pelo FF às bombas de combustível da Galp no Laranjeiro, sita entre a Estrada, Nacional 10 e a Estrada dos Álamos, onde tinha combinado encontrar-se com o DD; 10. Durante o trajecto o DD, pelas 20h. 49m. e pelas 21h. 36m., insistiu por telefone com o AA perguntando-lhe se efectivamente se ia deslocar à zona do Laranjeiro e insistindo sobre da existência de "um jante de trinta polegadas"; 11. Cerca das 22h. 40m. o FF imobilizou o veículo perto das bombas de combustível da Galp no Laranjeiro; 12. Saíram ambos; 13. O FF ficou junto à viatura Opel Astra; 14. O AA ficou a aguardar pelo DD perto do cruzamento entre a R. ....... e a R. D. ............; 15. Cerca das 22h. 52m. parou...
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