Acórdão nº 08P1218 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução28 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. RELATÓRIO AA foi condenado na 7ª Vara Criminal de Lisboa, como autor reincidente de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º do DL nº 15/93, de 22-1, na pena de 5 anos e 10 meses de prisão, e de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 8 meses de prisão, e, em cúmulo, na pena de 6 anos de prisão.

Desta decisão recorreu, impugnando a matéria de facto e a de direito, para a Relação de Lisboa, que confirmou integralmente o acórdão recorrido.

É desse acórdão que recorre de novo, concluindo desta forma a sua motivação: 1. A pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial.

  1. Nessa medida, dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

  2. É este o critério da lei fundamental - art. 18°, n° 2 - e foi assumido pelo legislador penal em 1995.

  3. O direito penal é um direito de protecção dos bens jurídicos, de que a culpa é tão só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena.

  4. O mínimo da pena é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.

  5. Primordialmente, a finalidade visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto.

  6. Tutela dos bens jurídicos não obviamente num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada.

  7. Uma finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou prevenção de integração; e que dá por sua vez conteúdo ao princípio da necessidade da pena que o art. 18°, n° 2, da C.R.P. consagra de forma paradigmática.

  8. Dentro da moldura ou dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração - entre o ponto óptimo e o ponto mais comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de "defesa do ordenamento jurídico") - devem actuar, em toda a sua medida possível, pontos de vista de prevenção especial, sendo assim eles que vão determinar, em última instância, a medida da pena.

  9. Isto significa que releva neste contexto qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza: seja a função positiva de socialização, seja qualquer uma das funções negativas subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização.

  10. A medida da necessidade de socialização do agente é no entanto, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial, constituindo hoje o vector mais importante daquele pensamento.

  11. O RELATÓRIO SOCIAL, junto aos autos, elaborado pelo IRS, refere que «em termos familiares, o arguido aparenta ter actualmente um quadro pessoal equilibrado, e em termos laborais, apresenta uma situação laboral estável, crendo-se que poderão existir condições para que este possa dar continuidade a um projecto de vida socialmente integrado».

  12. A retoma ao ambiente prisional iria apagar todo o percurso do recorrente, violando e contrariando a telos da lei, e iniciar um trajecto que a lei busca, mas que, no presente caso, já se encontra atingido.

  13. Será imperativo relevar as considerações constantes no relatório social porquanto se apresentam como factores decisivos para a determinação da medida da pena e para se atenuar especialmente a pena.

  14. Nessa medida, deveria o tribunal a quo, no âmbito das suas competências, ter averiguado se, em concreto, pela ocorrência ou devido à ocorrência de alguma das circunstâncias previstas no artigo 72°, n° l, do Código Penal, se verificaria, ou não, uma diminuição da necessidade da pena, que justificasse uma resposta punitiva atenuada, visto serem estes os factos de que a lei geral faz depender a atenuação especial da pena.

  15. A sua omissão acarreta nulidade do acórdão nos precisos termos do citado artigo 379°, n° l, c), do Código de Processo Penal.

  16. Atendendo que o tribunal ad quem pode, quanto à medida da pena, decidir por si só, sem necessidade de repetição do acto inválido, deve a pena ser especialmente atenuada, nos termos previstos no artigo 73°, n° l, a) e b), do Código Penal.

  17. Há, pois, que determinar a pena a cominar dentro dos limites resultantes da aplicação do artigo 73°, n° l, alíneas a) e b), do Código Penal.

  18. Estabelece, ainda, o artigo 31° do Decreto-Lei n° 15/93, de 22 Janeiro: «se, nos casos previstos nos artigos 21°, 22°, 23° e 28°, o agente abandonar voluntariamente a sua actividade (...), pode a pena ser-lhe especialmente atenuada ou ter lugar a dispensa de pena».

  19. O tribunal deverá averiguar se, em concreto, pela ocorrência ou devido à ocorrência de alguma ou algumas das circunstâncias previstas no texto do artigo 31° do DL 15/93, se verifica uma diminuição da ilicitude, da culpa do agente ou da necessidade da pena que justifique uma resposta punitiva atenuada, visto serem estes os factores de que a lei geral faz depender a atenuação especial da pena - art. 72°, n° l, do Código Penal.

  20. Do quadro factual apurado - vd. relatório social, resulta que o recorrente está integrado social e familiarmente, mantendo-se abstinente desde Dezembro de 2005, acrescendo o facto de já não viver naquela artéria onde o tráfico e consumo de estupefacientes é habitual.

  21. Verifica-se assim da matéria de facto dada como provada e dos elementos de prova constantes nos autos, que o recorrente abandonou toda e qualquer actividade conexa com os estupefacientes, mormente o alegado tráfico e o confessado consumo.

  22. Tal comportamento, atento o modo e a forma como tem decorrido, constitui um acto que evidencia da parte do recorrente um claro desligamento e afastamento do mundo dos estupefacientes, o que diminui as exigências de prevenção especial, ou seja, de necessidade da pena, a significar que o tribunal pode e deve atenuar especialmente a pena ao abrigo do disposto no artigo 31° do DL n° 15/93.

  23. A determinação da medida concreta da pena faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no artigo 71° do Código Penal, tendo em vista as finalidades das respostas punitivas em sede de Direito Criminal, quais sejam a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - artigo 41°, n° l, do mesmo diploma legal.

  24. Ora, nessa medida, devia o tribunal a quo, no âmbito das suas competências, ter averiguado se, em concreto, pela ocorrência ou devido à ocorrência de alguma das circunstâncias previstas no artigo 31° do DL n° 15/93, em conjugação com os previstos no artigo 73°, n° l, do Código Penal, se verifica uma diminuição da necessidade da pena, que justifique uma resposta punitiva atenuada, visto serem estes os factos de que a lei geral faz depender a atenuação especial da pena.

  25. Tal omissão acarreta nulidade do acórdão, nos precisos termos do citado artigo 379°, n° l, c), do Código de Processo Penal.

  26. Contudo, e atendendo a que o tribunal ad quem pode, quanto à medida da pena, decidir por si só, sem necessidade de repetição do acto inválido, deve a pena ser especialmente atenuada, nos termos previstos no artigo 73°, n° l, a) e b), do Código Penal.

  27. Há, pois, que determinar a pena a cominar dentro dos limites resultantes da aplicação do artigo 73°, n° l, alíneas a) e b), do Código Penal.

  28. O princípio da presunção da inocência é antes de mais um princípio natural, lógico, de prova.

  29. Todo o processo nasce a partir de uma dúvida e, dados os limites do conhecimento humano, sucede frequentemente que a dúvida permanece a final, malgrado o esforço para a superar.

  30. Neste caso, o princípio da presunção da inocência imporá a absolvição, já que, sendo a condenação penal e a pena um castigo destinado a resgatar a culpa e a ressocializar o delinquente, é inaceitável que seja condenado sem que haja a certeza moral da culpabilidade a redimir.

  31. A livre valoração da prova pelo tribunal não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de conjecturas de difícil ou impossível objectivação.

  32. Deve tratar-se, ao invés, de uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão.

  33. A apreciação global da prova que se mostra transcrita e que pode ser confirmada mediante audição da prova gravada, permite-nos pôr em crise a factualidade tida por assente pelo tribunal a quo e demonstrar que existe um non liquet na questão da prova.

  34. O tribunal a quo ignorou, por completo o depoimento dos agentes da P.S.P., e, principalmente, o depoimento do agente BB, o qual demonstrou isenção e rigor no depoimento e na descrição dos factos que presenciou.

  35. Podemos, ainda, afirmar que o tribunal a quo, perante a dúvida, e a requerimento do arguido João Fontes, fez acareação entre os agentes da P.S.P., tendo estes demonstrado que não havia qualquer contradição.

  36. O seu depoimento foi claro e demonstrativo de que a posse da cocaína apontava para o arguido João Fontes.

  37. A situação de non liquet surgiu na audiência de julgamento.

  38. De facto, a conclusão de que as 44,720 grs. de cocaína eram do recorrente, que o mesmo as colocou no porta-luvas do veículo do arguido João Fontes, e que se destinavam à venda...

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