Acórdão nº 08B278 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 27 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS BERNARDINO
Data da Resolução27 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: 1.

AA - ..., L.da intentou, em 18.10.2006, na Vara Mista de Braga, contra BB IBÉRICA, SA; com sede em ... - Madrid, acção com processo ordinário, pedindo que a ré seja condenada a pagar-lhe - a indemnização de € 367.052,81, pelo insuficiente aviso prévio que lhe concedeu aquando da denúncia do contrato de concessão comercial que vigorava entre as partes; e - a indemnização de clientela de € 510.483,65, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.

Alegou, para tanto, em síntese, o seguinte: Em 24.03.95 aderiu a um contrato previamente elaborado pela ré, por via do qual foi designada concessionária exclusiva da marca BB para os concelhos que indica, no Minho.

Em 01.01.2002 aderiu a um novo clausulado, denominado "contrato de concessão de maquinaria agrícola", que lhe foi apresentado pela ré, também sem possibilidade de discutir qualquer das suas cláusulas.

Desde inícios de 1995 tem vindo a representar, vender e promover a venda dos tractores BB nos ditos concelhos, nunca tendo tido outra actividade que não a de representação, comércio e assistência oficinal aos referidos tractores.

Acontece que, por carta datada de 01.09.2005, a ré comunicou-lhe que não pretendia renovar o contrato de concessão em vigor, denunciando este com efeitos a partir de 31.10.2005.

Teve, por isso, a autora, face à perda imediata da concessão comercial, de suspender a sua actividade, visto ser-lhe impossível, no curto espaço de um mês, arranjar uma alternativa viável, que lhe permitisse suportar os custos com pessoal, encargos bancários e demais compromissos.

O pré-aviso concedido pela ré é manifestamente insuficiente para que a autora conseguisse reconverter a sua actividade, e arranjar alternativas viáveis à manutenção em funcionamento da sua empresa e a cláusula que o estabelece é contrária ao princípio da boa fé, e, por isso, nula, tendo até em conta que o contrato durava já há dez anos - pelo que a demandante tem direito a ser indemnizada, nos termos do n.° 2 do art. 29° do Dec-lei 178/86, de 3 de Julho.

E tem direito ainda a uma indemnização de clientela, já que angariou, no decurso do contrato, mais de 300 clientes para os tractores da marca que representou, e que continuam a comprar os produtos representados, em benefício da ré.

Defendeu ainda a autora ser o tribunal da comarca de Braga o territorialmente competente para a acção - não obstante o clausulado no contrato de concessão, que dispõe que ao contrato se aplica o direito espanhol e o foro competente é o de Madrid - explicitando as razões de direito em que se abona.

A ré contestou, começando por arguir a incompetência do Tribunal, sustentando que a interposição da acção no foro bracarense viola o pacto privativo de jurisdição livremente celebrado entre as partes, e constante da cláusula VIII, ponto 9, do contrato de concessão que celebraram em Janeiro de 2002.

Para tanto, não só rejeitou a argumentação aduzida pela autora em defesa da competência do tribunal de Braga, como afirmou a validade do invocado pacto de jurisdição, face ao disposto no art. 23° do Regulamento (CE) n.° 44/2001, de 22.12.2000, do Conselho, relativo à competência judiciária, e ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que é directamente aplicável a todos os Estados membros, em conformidade com o Tratado que instituiu a CE, e prevalece face às normas reguladoras da competência internacional, previstas na nossa lei processual civil.

Quanto ao fundo, a ré impugnou alguns dos factos alegados pela autora e as conclusões e razões de direito que esta pretende deles extrair, e acrescentou que o contrato cessou por causas imputáveis à demandante, e que esta não colhe direito às peticionadas indemnizações.

Após a réplica da autora, foi proferida decisão (fls. 521 e ss.) a julgar procedente a excepção de incompetência, por violação do pacto atributivo de competência, com a consequente absolvição da ré da instância.

Desta decisão interpôs a autora recurso de agravo.

Sem êxito, porém, já que a Relação de Guimarães, em acórdão oportunamente proferido, negou provimento ao agravo, confirmando a decisão recorrida.

Ainda inconformada, a autora reagiu contra o aludido acórdão, dele agravando para este Supremo Tribunal.

E, a culminar as suas alegações, apresentou as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - O douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães considerou que o pacto atributivo de competência constante no contrato de concessão celebrado pelas partes é válido por respeitar as condições de validade exigidas pelo Regulamento (CE) n.° 44/2001, de 22/12/2000, do Conselho, uma vez que o regime estabelecido neste diploma, designadamente o seu artigo 23°, sobrepor-se-ia às normas internas de competência internacional.

  1. - Defende-se ainda no douto acórdão de que se agrava, que a cláusula de atribuição de jurisdição corresponde a um compromisso de vincada natureza processual, pelo que a lei nova (regulamento CE n.° 44/2001) seria de aplicar imediatamente ao contrato em causa, ainda que este tenha sido celebrado antes da data da sua entrada em vigor.

  2. - Ora, a agravante entende que o Tribunal fez uma errada interpretação da lei e das disposições legais que invocou, tendo ainda negligenciado princípios gerais de direito e disposições relativas à aplicação da lei no tempo; 4ª - Na realidade, a validade substancial dos pactos atributivos de competência tem de ser aferida à luz da lei que estava em vigor quando tais pactos foram firmados e não à luz da nova lei sobrevinda; 5ª - O Regulamento (CE) n.° 44/2001, relativo à competência judiciária é directamente aplicável a todos os Estados membros, em conformidade com o Tratado que instituiu a Comunidade Europeia e prevalece sobre as normas reguladoras da competência internacional previstas no nosso Código de Processo Civil; 6ª - Contudo, a validade do pacto atributivo de jurisdição constante da Cláusula VIII, ponto n.° 9, do contrato de concessão comercial, terá que ser aferida tendo em conta a legislação em vigor à data em que tal contrato de concessão foi celebrado e não à luz de legislação que entrou em vigor em data posterior, como é o caso do Regulamento (CE) n.° 44/2001, do Conselho.

  3. - É que a aplicação do Regulamento n.° 44/2001 a um pacto de competência anterior à sua entrada em vigor redundaria em violação do princípio da ir retro actividade consagrado, em matéria de aplicação da lei no tempo, no n.° 1 do artigo 12° do Código Civil e reafirmado e desenvolvido na Ia parte do n.° 2 do mesmo preceito.

  4. - A regra de conflitos que se extrai deste artigo 12°, n.° 2, 1ª parte, do Código Civil, é a de que a Lei Nova sobre o regime dos contratos não se aplica aos contratos anteriores, sendo a lei de origem ou lex contractus que regula todos os efeitos dos contratos, quer os efeitos directos, quer os chamados efeitos indirectos.

  5. - O Regulamento (CE) n.° 44/2001, ao considerar bastante que o pacto atributivo de jurisdição deva ser celebrado por escrito ou verbalmente com confirmação escrita, sendo menos exigente do que as regras de competência internacional dos tribunais internos, designadamente as que estão previstas no artigo 99°, n.° 3, alíneas a) e c) do Código de Processo Civil, está a incidir sobre a própria validade (e não apenas sobre os efeitos) dos pactos de competência.

  6. - É que a celebração de convenções sobre a competência (quer de pactos de jurisdição, quer...

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