Acórdão nº 08P1522 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 21 de Maio de 2008

Magistrado ResponsávelMAIA COSTA
Data da Resolução21 de Maio de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. RELATÓRIO AA foi condenado na Vara Mista de Braga, pela autoria de um crime de homicídio simples tentado, p. e p. pelos arts. 22º, 23º, nº 2, 73º, nº 1 e 131º do Código Penal (CP) na pena de 6 anos de prisão.

    Interpôs recurso desta decisão, concluindo assim a sua motivação: 1 - O ora recorrente foi, indevidamente, condenado pelo crime de homicídio simples tentado, na pena de 6 (seis) anos de prisão efectiva.

    2 - Salvo o devido respeito por opinião contrária, a pena aplicada mostra-se excessivamente gravosa e desnecessária às exigências de prevenção.

    3 - O tribunal "a quo" não valorou a confissão do arguido e o seu arrependimento.

    4 - O artigo 71°, n° l do C.P. diz-nos que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

    5 - E, no seu n° 2, diz-nos que: "Na determinação concreta da pena o Tribunal atende as todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele." 6 - Analisando o caso em apreço, se é certo que o grau de ilicitude do facto é elevado, Atendendo ao bem jurídico violado - a vida -, não podemos deixar de atender ao facto de o arguido ter desferido, apenas, uma única facada à ofendida, facto este ocorrido no meio de uma altercação entre ambos, quando esta tirava a roupa dele do guarda-fatos para o pôr na rua.

    7 - Não pode o douto Tribunal "a quo" valorar para efeitos de determinação da medida da pena, que o arguido procurou atingir a ofendida em zonas vitais.

    8 - O próprio Tribunal "a quo" refere na sua douta fundamentação que: "não se descortinou, nas circunstâncias concretas da agressão, que o agressor visasse particularmente essa zona do corpo, (...) de modo a neutralizar a sua capacidade de defesa ou que o fizesse de modo subreptício, dissimulado ou oculto" (sublinhado nosso).

    9 - O douto Tribunal "a quo" entendeu estarmos perante um dolo directo, mas não o fundamentou devidamente.

    10 - Salvo o devido respeito por opinião contrária, estamos perante um dolo eventual.

    11 - Perante todo o circunstancialismo apurado, a vontade final do ora arguido não era matar a ofendida, embora se admita que o mesmo tenha representado como possível a sua morte, ao actuar como actuou, e conformou-se com aquela realização.

    12 - O arguido só espetou a faca uma vez e quando saiu deixou a porta aberta para que a ofendida pudesse ser socorrida.

    13 - Havia um "envolvimento algo passional e mesmo doentio" entre o arguido e a ofendida.

    14 - O arguido era uma pessoa completamente dependente da ofendida a nível afectivo, psicológico e até económico, exercendo a ofendida uma grande ascensão sobre o mesmo.

    15 - Sentiu-se completamente "perdido", "à deriva" e com um sentimento de incredulidade, face às constantes juras de amor eterno, quando esta pega nas suas roupas e lhe diz que o vai pôr na rua porque já não o quer mais.

    16 - O arguido é portador de uma deficiência mental ligeira, tal como ficou provado pelos exames médicos efectuados pelo mesmo no Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do Hospital de S. Marcos em Braga, e juntos aos presentes autos, facto também não valorado pelo douto tribunal "a quo" na aplicação da medida da pena.

    17 - Não valorou o douto Tribunal "a quo" o percurso de vida do arguido, nomeadamente, o consumo desenfreado de estupefacientes desde a sua adolescência, acrescido da falta de acompanhamento da sua mãe devido ao decesso precoce da mesma e pela privação da sua liberdade por cumprimento de penas desde há longa data.

    18 - O arguido passou cerca de 14 anos em estabelecimentos prisionais, afastado da vida em sociedade, pelo que não tem uma visão normal do mundo, das relações, do certo e errado, do bem e do mal, que tem uma pessoa que tem vivido em liberdade e em sociedade.

    19 - Atendendo aos princípios gerais de direito e à tão visada reinserção social, a própria condição pessoal do agente é de molde a decidir-se por uma pena que contribua para a sua reintegração e não para a sua segregação, cumprindo-se, assim, o disposto no art. 40° do C.P..

    20 - Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, a pena a aplicar ao arguido, atendendo a todo o exposto, deveria ser de 4 anos e 6 meses de prisão.

    21 - O Tribunal "a quo" interpretou a norma do art. 71° do C.P. com a certeza da existência de um grau de culpa e necessidade de prevenção elevados, quando as circunstâncias em que ocorreram os factos deveriam conduzir a um menor grau de culpa e não tão elevada necessidade de prevenção.

    22 - A pena de 6 anos de prisão efectiva, aplicada ao abrigo do n° l do art. 131° do C.P., conjugada com o art. 21° e 71° do mesmo código, resultou de uma interpretação errada do preenchimento fáctico destas normas, já que estas deveriam ter sido aplicadas no sentido mais favorável ao arguido e, por isso, na pena 4 anos e 6 meses de prisão.

    O sr. Procurador da República respondeu, pugnando pela confirmação da decisão recorrida, extraindo-se da sua resposta as seguintes passagens: Considera-se que se encontra correctamente determinada a medida da pena, atendendo aos critérios do art. 71° do Código Penal.

    Na determinação da medida da pena foram tomadas em consideração as seguintes circunstâncias: - A elevada ilicitude do facto, atendendo ao bem jurídico violado - a vida; - A intensidade do dolo, na sua forma mais grave, o dolo directo; - O motivo que determinou as agressões - sentimentos de ciúme e desconfiança do arguido, por mera suspeita de um alegado relacionamento com uma terceira pessoa; - A utilização de uma navalha com 20 centímetros de lâmina, tendo o arguido desferido a facada quando a vítima se encontrava de costas sem qualquer possibilidade de reacção e defesa; - A gravidade das consequências da agressão, tendo a ofendida sofrido 90 dias de incapacidade para o trabalho e tendo ficado com sequelas permanentes: perdeu um rim e um fragmento do fígado; - Os antecedentes criminais do arguido pela prática de crimes de furto, receptação e detenção ilegal de arma, tendo praticado a agressão no decurso de uma saída precária; - A personalidade do arguido, revelando grande desprezo pela vida e integridade física da vítima; - A situação mediana social modesta e a situação económica mediana do arguido; - A situação familiar do arguido, tendo três filhos, dois deles menores, todos a cargo das progenitoras, e apoio da família.

    Atendendo a todos estes elementos considera-se correcta a medida da pena de seis (6) anos de prisão, em função da culpa do agente e das elevadas exigências de prevenção.

    Foram devidamente ponderadas todas as circunstâncias que favorecem o arguido.

    Da matéria de facto provada não consta a confissão dos factos e o arrependimento do arguido, concluindo-se que resultaram como não provados.

    Na realidade, o arguido não confessou os factos. Apesar de ter admitido que atingiu a ofendida com uma facada, declarou que não o fez voluntariamente e não sabe sequer explicar como isso aconteceu. Não existe qualquer confissão dos factos, nem mesmo confissão parcial.

    Sem confissão dos factos dados como provados não poderia o Acórdão dar como assente o arrependimento: não há arrependimento daquilo que se afirma não ter feito.

    Assim, a confissão e o arrependimento não podem ser levados à discussão dos aspectos relevantes para a determinação da medida da pena.

    A toxicodependência do arguido e a debilidade mental ligeira, tal como consta do Relatório de Exame Psicológico de fls. 483 a 485 e do Relatório de Exame Médico-Legal Psiquiátrico de fls. 486 a 487 de também não consta da matéria de facto provada e o arguido não impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto provada e não provada.

    A debilidade mental ligeira não assume circunstância atenuante, resultando do Relatório de Exame Psiquiátrico no qual se conclui que o arguido "não apresenta patologia psiquiátrica dirimente da sua imputabilidade".

    A toxicodependência não atenua a responsabilidade do arguido. Embora possa enfraquecer de alguma forma a vontade do arguido, não exclui a actuação no processo executivo, de forma voluntária, consciente e livre.

    Da matéria de facto provada resulta, com clareza, que o arguido agiu com dolo directo, dando-se como provado que "o arguido agiu deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e penalmente censurável, querendo tirar a vida à BB, para o que procurou atingi-la em órgãos vitais, o que só não veio a ocorrer em virtude da assistência médica que lhe...

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