Acórdão nº 06P3057 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 24 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelSOUTO DE MOURA
Data da Resolução24 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Em processo comum, a 2.ª Vara Criminal da Comarca do Porto, condenou AA, pela prática de um crime de burla qualificada, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 30.º, n.º 2, 313.º, n.º 1, e 314.º, als. b) e c), do C.P. (redacção de 1982) , na pena de 2 anos de prisão, e pela prática de um crime de abuso de confiança agravado, na forma continuada, p. e p. pelos arts. 30.º, n.º 2, 205.º, n.ºs 1 e 4, al. b), do C.P. (redacção de1995), em 1 ano e 6 meses de prisão. Em cúmulo jurídico, foi condenado na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo.

De tal decisão interpuseram recurso o Ministério Público e as assistentes, para o STJ, e o arguido, para o Tribunal da Relação do Porto, o qual conheceu de todos os recursos, e, por acórdão de 16-11-2005, decidiu:

  1. Negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, do despacho de fls. 4166 dos autos; b) Conceder parcialmente provimento ao recurso do arguido e, consequentemente, absolvê-lo do crime de burla agravada, na forma continuada, por que foi condenado; c) Conceder provimento aos recursos do Ministério Público e das assistentes e, consequentemente, revogar a decisão recorrida e condenar o arguido AA como autor material da crime de abuso de confiança agravado, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 30º, n.º2, 79º e 205º, n.º 1 e 4, b) do C. Penal na pena de três anos de prisão.

    d) Suspender a execução da pena de prisão pelo período de 3 anos, na condição de o arguido pagar às assistentes, no prazo de 12 meses, a quantia de € 250.000 (duzentos e cinquenta mil euros).

    É desta decisão que, após indeferimento de aclaração requerida pelo arguido, vem interposto agora recurso para este STJ, quer por aquele, quer pelas assistentes.

    A - DECISÃO DA PRIMEIRA INSTÂNCIA 1 - MATÉRIA DE FACTO No acórdão da 2.ª Vara Criminal do Porto, de 30-04-2004, foram considerados os seguintes

  2. Factos provados (transcrição): «A) 1 - A denunciante e assistente BB, era sócia-gerente da firma "B...& P..., Lda", com sede na Rua Fundo de Vila, n.º ..., S. João da Madeira, sociedade contra a qual foi instaurado, pela Repartição de Finanças daquela cidade o processo executivo n.º 060015.6/90, por dívida de contribuições ao Centro Regional de Segurança Social de Aveiro, referente aos meses de Abril a Outubro de 1988, Janeiro a Outubro de 1989, Dezembro de 1989 e de Janeiro a Maio de 1990, na importância de Esc. 26.865.135$00.

    2 - Face à existência desse processo, e dado que já se encontrava na fase de venda dos bens penhorados, a assistente BB contactou o arguido, na qualidade de advogado, tendo em vista a regularização da situação e o pagamento da referida dívida.

    3 - Com o argumento de que era necessário prestar uma caução no valor da quantia exequenda, a entregar na referida Repartição de Finanças e que aí ficaria retida até ser apreciado e decidido um recurso que iria apresentar, o arguido solicitou-lhe a entrega de um valor equivalente ao crédito exequendo.

    4 - A assistente entregou ao arguido no escritório deste, datado de 25.02.93, o cheque n.º ..., da conta n.º ..., sacado sobre o Banco Comercial Português - Ag. da Rua de Ceuta - Porto, no referido montante de Esc. 26.865.135$00, cheque esse emitido pela assistente CC, mãe da BB, à ordem do arguido.

    5 - O arguido, não só não prestou qualquer caução, aliás legalmente não exigível para efeito de interposição de recurso, como não procedeu ao pagamento de qualquer importância tendo em vista a liquidação ou amortização da dívida da sociedade "B...& P..., Lda.", à Segurança Social.

    6 - O arguido, após receber o cheque, depositou-o na sua conta pessoal n.º ..., do Banco Fonsecas & Burnay - Ag. de Sá da Bandeira - Porto, depósito esse efectuado em 25.02.93, (cfr. fls. 37 e 458), integrando tal montante no seu património.

    7 - Com o arrastar do tempo, sem nada dizer relativamente ao ponto da situação, ou das razões da demora na restituição daquela quantia, a assistente BB veio a exigir a devolução daquele montante e outras importâncias que havia entregue ao arguido, e apesar dos pedidos efectuados através de fax e carta registada com AR em Fevereiro e Março de 1995, não só não restituiu a quantia em causa, como não apresentou qualquer explicação para a sua conduta.

    8 - O arguido fez seu o aludido montante (cfr. fls. 33 e ss.).

    1. 9 - Em Janeiro de 1994, o B.C.P. instaurou contra os denunciantes BB, DD, EE e CC e FF, id. a fls. 421, na qualidade de avalistas, uma acção executiva com processo ordinário, destinado à cobrança da quantia de 55.037.500$00, relativa a um financiamento feito à sociedade "B...& P..., Lda.", titulado por uma livrança emitida em 30.04.93, com vencimento em 15.05.93, no montante de 51.800.000$00, avalizado pelos executados.

      10 - Parte desse financiamento foi entregue ao arguido para aplicar na aludida "prestação de caução" a que o arguido havia feito referência por força da execução instaurada pela Repartição de Finanças de S. João da Madeira.

      11 - A execução foi registada com o n.º 12722/94 e correu termos pelo 2º Juízo Cível - 2ª secção do Tribunal Cível da Comarca do Porto.

      12 - Na altura o arguido gozava de toda a confiança por parte dos denunciantes, tanto mais que lhe havia sido entregue a questão relacionada com o processo de execução fiscal n.º 060015.6/90 e por isso foi também entregue a questão relacionada com aquele processo, de forma a tentar encontrar uma solução para a execução instaurada pelo B.C.P. (cfr. fls. 81-84).

      13 - Relativamente a este processo, a solicitação do arguido, foi entregue, em Março de 1994, para pagamento de despesas, a quantia de Esc. 576.017$00, entrega essa feita do seguinte modo: Esc. 276.017$00, através de um cheque emitido por "S..., S.A.", cliente de "B...& P..., Lda.", endossado ao arguido (cfr. fls. 116); Esc. 100.000$00 em dinheiro, depositado na conta do arguido no BESCL - ag. da Av. da Boavista, n.º ... (cfr. fls.117-118); Esc. 200.000$00 em dinheiro entre 8 e 15 de Março de 1994 (cfr. fls. 117-118).

      14 - No dia 04.04.94, o arguido telefonou à assistente BB comunicando que o recheio da casa onde habitavam as assistentes EE e CC , havia sido penhorado, tal como o recheio das habitações dos outros executados naquele processo, e seria removido da residência daquelas, caso não fosse depositada, rapidamente, a quantia de Esc. 1.726.326$00.

      15 - Perante tal situação, preocupada com as consequências negativas que daí poderiam advir para a saúde de sua mãe CC, a BB logo procurou resolver a situação.

      16 - Nesse mesmo dia efectuou um depósito em dinheiro no montante de Esc. 1.126.326$00, na conta do arguido no BESCL - Ag. da Av. da Boavista - Porto, n.º ... (cfr. fls. 119).

      17 - Ainda no mesmo dia efectuou na mesma conta, o depósito do cheque n.º .../BCP, pertencente a uma pessoa amiga, no montante de Esc. 600.000$00, cheque que não veio a ser pago (cfr. fls. 120).

      18 - Por isso mesmo, no dia 05.04.94, após ter solicitado um empréstimo à amiga, C... N..., id. a fls. 343, a BB deslocou-se ao escritório do arguido, nesta cidade, e entregou-lhe Esc. 600.000$00, em dinheiro.

      19 - A aludida quantia de Esc. 1.726.326$00, não se destinou a qualquer depósito a efectuar à ordem daquele processo, nem a ser entregue ao exequente, antes se destinando ao próprio arguido que a integrou no seu património.

      * 20 - Em 06.04.94, o arguido enviou à assistente BB uma carta, na qual comunicava que a execução se encontrava suspensa, apenas até ao dia 20 daquele mês (cfr. fls. 121).

      21 - Por via de reuniões entretanto havidas, o arguido sabia que os denunciantes já tinham negociado a venda de uma casa que possuíam na Rua 14, em Espinho e referiu à BB que era indispensável disponibilizar uma quantia tão elevada quanto possível, tendo em vista uma negociação vantajosa com o B.C.P.

      22 - No dia 22.04.94 aquela deu instruções à sociedade "Construções B...V..., Lda", a quem tinha vendido a referido imóvel, no sentido de endossar ao arguido o cheque n.º ..., sacado sobre a conta n.º ... da C. G. D. - Ag. de S. João da Madeira, datado de 22.04.94, no montante de Esc. 25.000.000$00.

      23 - Assim procedeu a sociedade e o cheque, cuja fotocópia consta de fls.122, foi endossado ao arguido AA, que, na mesma data, procedeu ao depósito de tal título de crédito na referida conta pessoal do BESCL, n.º ..., como resulta de fls.487.

      24 - Relativamente àquele montante, ficou acordado que Esc. 20.000.000$00 se destinariam a pagamentos a efectuar ao B.C.P. e Esc. 5.000.000$00 à cobertura de despesas relacionadas com aquela execução, designadamente embargos que o arguido afirmava ter deduzido.

      25 - No que respeita ao B.C.P., o arguido apenas entregou, em Setembro de 1994, a quantia de Esc. 5.000.000$00, vindo posteriormente, em Abril e Maio de 1995, a entregar à instituição bancária o montante global de Esc. 3.000.000$00, respeitando Esc. 1.500.000$00 a cada um daqueles meses, integrando no seu património a quantia restante, que não mais devolveu.

      26 - Não referiu, quer à assistente BB, quer a FF, id. a fls. 421, que havia entregue ao B.C.P. a aludida quantia, designadamente quando em reunião realizada no seu escritório no dia 15 de Dezembro de 1994, fez o ponto da situação, deduzindo em conta efectuada pela seu próprio punho o montante de Esc. 20.000.000$00, tendo inclusivamente adiantado que havia entregue àquele banco um cheque seu no montante de Esc. 30.000.000$00, como "caução", destinado a garantir àquela instituição o pagamento do resto da dívida, o que não correspondia à verdade (cfr. fls. 124-130).

      27 - Além disso, não justificou devidamente qual a destino dado aos referidos Esc. 5.000.000$00, designadamente quais as despesas pagas, não obstante a assistente BB lhe solicitar esclarecimentos relativamente à utilização desse montante (cfr. fls. 48).

    2. 28 - Correu termos pelo 9º Juízo Cível da Comarca do Porto, uma execução com o n.º 7780/92, 1ª Secção, instaurada pelo Banco Internacional do Funchal contra a sociedade "B...& P..., Lda." e denunciantes BB e marido...

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