Acórdão nº 05P3199 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelSORETO DE BARROS
Data da Resolução23 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. AA, identificado nos autos, recorre do acórdão de 25.05.05, do Tribunal da Relação de Guimarães, que negou provimento ao recurso interposto (pelo arguido) do acórdão de 09.07.04, do Tribunal da Comarca de Barcelos (proc. n.º 837/03), que, em síntese, tinha decidido : - Condenar o arguido AA, pela prática de um crime de abuso sexual de criança, p. e p. pelo artigo 172.º, n.º 1, na forma continuada, agravado pelo artigo. 177º, nº 1, al. a) todos do Código Penal, na pena de três anos e seis meses de prisão .

    - Absolver o mesmo arguido pelos restantes crimes por que vinha acusado; - Condenar o demandado civil AA a pagar à requerente BB, legalmente representada pela sua mãe CC, a quantia de 20.094,24 Euros (vinte mil e noventa e quatro euros e vinte e quatro cêntimos), acrescidos de juros, calculados à taxa legal de 4%, até integral pagamento contados desde a citação quanto à quantia de 99,24 Euros e desde a notificação desta decisão quanto ao restante .

    (fls. 342) 1.

    1 O recorrente termina a motivação com as seguintes conclusões : 1-) Nos textos das decisões recorridas é assumido e claramente dito que, para além do que se retira e se vê objectivamente das lesões que a ofendida menor BB apresentou no exame genital feito no Instituto de Medicina Legal do Porto, fls. 15 e 16 dos autos, as decisões em causa socorreram-se essencialmente das declarações e explicações da mesma ofendida.

    2-) As referências da menor ofendida aos factos e a sua imputação ao pai são mensagens curtas, desprovidas de grandes pormenores e susceptíveis de serem induzidas pela mãe e pelos familiares.

    3-) As imputações feitas pela menor ao pai aconteceram apenas vários meses depois do divórcio entre este e a mãe da mesma menor, CC, e quando já era público que o recorrente era acompanhado por outra mulher.

    4-) Antes disso, nunca se suscitaram quaisquer notícias de abuso sexual nem sequer a mais pequena das suspeitas .

    5-) O exame da BB no Instituto de Medicina Legal revelou uma escoriação na vagina, meramente compatível com abuso sexual feito com dedo.

    6-) A menor BB era débiI, usava fraldas, coçava-se frequentemente e era tratada, havia mais de um ano, pelo seu médico de família, Dr. DD, onde apresentava inflamações, comichões e edemas na vagina, que foram sempre considerados e tratados pelo referido médico, e havidos naturais nas crianças como a BB.

    7 -) O exame feito pela BB no Instituto de Medicina Legal foi feito a pedido de outro médico, que não o seu médico assistente, concretamente foi pedido tal exame pelo médico, Dr. EE.

    8-) Esse exame apenas foi pedido porque a mãe e irmã gémea, FF, e ainda uma vizinha procuraram esse médico, anunciando-lhe que a menor fora abusada sexual peIo pai, o recorrente, pela introdução de dedos na vagina da menor.

    9-) O médico assistente, Dr. DD foi preterido para tal fim e não deixou, ele mesmo, de estranhar que tais factos só tenham chegado ao seu conhecimento meses depois de o divórcio acontecer.

    10-) A mãe da menor necessitou de acompanhamento de psicóloga, exactamente por ter sofrido tempos de depressão em consequência do divórcio e da instabilidade e impacto que o mesmo gerou, não obstante ter sido ela a pedir o mesmo divórcio.

    11-) Considerou a mãe da menor que "não se sentia amada" e que o recorrente "sempre lhe foi infiel" .

    12-) A mãe da menor BB, no período pós-divórcio, dificultou sempre os contactos desta com o pai, negando-os, por vezes, mesmo aos sábados, dias destinados à companhia do pai por força do processo de Regulação de Poder Paternal que vigorava entre eles.

    13-) É da experiência comum, de todos os dias, vivida nas aldeias e cidades deste país que os processos litigiosos de Regulação de Poder Paternal estão repletos de malévolas alegações de abusos sexuais sobre os filhos, sobretudo das mães contra os pais, e quase sempre com sucesso, estando tais aIegações em verdadeira moda de há 4 ou 5 anos até ao presente.

    14-) É da experiência comum, todavia, que mais de 90% de tais acusações são falsas e não passam de tentativas de destruição da pessoa do outro, desviando-o da convivência com os filhos, tudo acontecendo, aliás, sem consequências para os delatores .

    15-) O recorrente defende-se neste processo e desde o seu início, negando veemente as imputações e considerando-as malévola trama e invenção da mãe da menor, orquestrada com a família, sobretudo a irmã gémea, tia da BB, de nome FF.

    16-) Perante os factos, que assim resultam do texto das decisões recorridas, conjugadas com a referida experiência comum, a matéria provada revela-se claramente insuficiente para a decisão que condenou o recorrente, vício a que se alude no artigo 410º nº 2 do Código de Processo Penal.

    17-) Nos termos e à luz daquela experiência comum e mesmo por consideração da inegável moda com sucesso garantido das imputações malévolas de abuso sexual de menor que têm "invadido" o país, não pode deixar de relevar a dúvida que, não se revelou nunca ultrapassada, quanto à génese dos factos probatórios e à forma como tais factos foram obtidos.

    18-) Essa dúvida terá de beneficiar o recorrente, que terá de presumir-se inocente, beneficiando do principio "in dúbio pro reo".

    19-) Embora se aceite que o princípio "in dúbio pro reo" seja um princípio de prova, não é de excluir do poder cognitivo desse Alto Tribunal - por ser matéria de direito - a indagação do modo como se obteve o acervo factológico em que nas instâncias se assentou a condenação do recorrente e, consequentemente, o poder cognitivo sobre a inerente violação que aqui se invoca daquele princípio de que o recorrente não pode deixar de beneficiar.

    20-) A apreciação deste principio, com o alcance referido, não contende com os princípios da livre apreciação da prova e da livre convicção do julgador, sendo inconstitucional a interpretação do artigo 127º do Código Penal que veda aquela apreciação do princípio em causa.

    21-) Nos termos e pelas razões expostas, deve, pois, ser revogado o acordão proferido e em revista, substituindo-se por outro que absolva o recorrente.

    22-) Caso assim não venha a ser entendido por esse Venerando Tribunal, sempre a pena se deverá considerar excessiva, devendo a mesma ser reduzida para tempo de prisão nunca superior a 3 anos, que deverá ser suspensa na sua execução.

    23-) De facto, provou-se de forma concludente e com o pleno reconhecimento das instâncias, que o recorrente, sendo ainda um jovem de 33 anos, goza de grande consideração e estima no seu meio, sendo respeitado e conceituado socialmente, considerado trabalhador assíduo e competente, estando bem inserido no meio social em que vive.

    24-) Provou-se que o recorrente não tem antecedentes criminais e também não há qualquer notícia da prática de qualquer conduta criminosa depois dos factos por que foi condenado.

    25-) Mesmo depois da data de tais factos, continuou o recorrente a gozar do mesmo respeito e consideração pessoal e social no seu meio, sendo que aqueles que com ele convivem, designadamente o próprio Presidente da Junta de Freguesia, continuam a não acreditar na prática pelo recorrente dos factos por que foi condenado.

    26-) Não se mostra, pois, quanto ao recorrente, que na sua Freguesia, tenha sido alvo de reprovação que, natural e justamente, aliás, acompanha normalmente estes casos.

    27-) Tudo o exposto conduz a que ao arguido deva ser aplicada uma pena não superior a 3 anos de prisão, sendo a sua execução suspensa, nos termos do artigo 50º do Código Penal, esta, porventura condicionada, nos termos dos artigos 51º, 52º e 53º do mesmo Código, por ser de considerar que, no caso, a simples ameaça da prisão realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

    28-) Nos termos expostos, os doutos acórdãos recorridos violaram, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos artigos 50º, 51º, 52º, 53º, 71º nº 1, 172º nº 1 e 177º nº 1 alínea a) todos do código Penal e ainda o disposto nos artigos 127º e 140º nº 2 alínea a) do Código [de Processo] Penal e ainda o que se prescreve no artigo 32º nº 2 da C.R.P. .

    Termos em que o douto acórdão recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que absolva o recorrente.

    Caso, porém, assim não venha a ser entendido deverá a pena aplicada ao recorrente ser reduzida para tempo não superior a 3 anos de prisão, devendo a mesma ser suspensa, ainda que de forma condicionada por qualquer dos meios previstos nos artigos 51º, 52º e 53º do Código Penal.

    (fim de transcrição) 1.

    2 O recurso foi recebido com subida imediata, nos próprios autos, com efeito suspensivo .

    (fls. 598) 1.

    3 O Ministério Público defendeu a improcedência do recurso, fechando com as seguintes conclusões : 1. A factualidade dada como assente deverá manter-se intangível pois que do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência, não resulta a verificação de um qualquer dos vícios previstos no nº2 do art. 410 do CPPenal, mormente o invocado pelo recorrente, o da insuficiência dos factos para a decisão, pois que aquela resultou de uma indagação aturada e completa e preenche todos elementos típicos do crime imputado ao arguido.

  2. Para além de o STJ, conforme dispõe o art. 434 do CPPenal, conhecer apenas e só de direito.

  3. Não viola o acórdão criticado o princípio in dubio pro reo pois que em momento algum o julgador aportou a uma situação de incerteza, de oscilação, e diante dela posicionou-se contra o arguido; ao invés logrou alcançar uma certeza jurídica consolidada e justificada racionalmente na prova produzida em audiência, tendo em vista o disposto no art. 127 do CPPenal.

  4. A pena encontrada é equilibrada e justa e nada justifica a sua diminuição e decretamento da suspensão da execução da pena de prisão pois que, estando em causa um crime de abuso sexual de criança, agravado, "não pode o sistema jurídico-penal dar outra resposta que não seja um inequívoco sinal de segurança, enfim, proporcionando porto de abrigo a quem dele tão veementemente mostra necessitar: as crianças", não podendo o quantum da pena...

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