Acórdão nº 07P1521 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelSANTOS CARVALHO
Data da Resolução17 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc. n.º 1521/07 - contencioso Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. A, juiz de direito, apresenta perante este Supremo Tribunal de Justiça recurso contencioso, nos termos do art.º 168.º e segs. do Estatuto dos Magistrados Judiciais (EMJ), da deliberação do Plenário do Conselho Superior de Magistratura de 6 de Fevereiro de 2007, tomada no âmbito do processo disciplinar n.º 61/2006, que julgou improcedente a reclamação que apresentou contra a deliberação do Conselho Permanente de 26-09-2006, que decidiu pela aplicação da pena de advertência registada, pela prática da infracção disciplinar prevista no art.º 3º, n.º 4, al. f), do EDFAACRL, aplicável ex vi art.º 131.º do EMJ e punível nos termos dos art.ºs 82.º, 85.º e 86.º, todos desse EMJ.

  1. O recorrente, em resumo, invoca: I- Anulabilidade da deliberação recorrida por falta de fundamentação quanto à conclusão de que as afirmações do recorrente no escrito, cuja veracidade nem sequer é apreciada, não cabem no âmbito da liberdade de expressão do Juiz, nem tão pouco porque é que integram violação do dever de correcção, havendo ainda falta de fundamentação por não se esclarecer o que é que o juiz pode afixar nas paredes do tribunal; II- Vício de erro quanto aos pressupostos de direito:

    1. O escrito de opinião da autoria do recorrente não integra o direito de resposta como erroneamente se sustenta na decisão recorrida, antes se configura como uma carta de um leitor dirigida à secção de correspondência de um jornal. O dever contido no art.º 3.º, n.º 4, al. f), do EDFAACRL é um dever de respeito para com os utentes dos serviços públicos, colegas ou superiores hierárquicos, mas não tutela o respeito ou crédito devido a classes profissionais. Segundo a decisão recorrida, a relevância disciplinar atribuída à conduta do recorrente não resulta do teor do escrito em si mesmo, mas da forma especial de publicidade que lhe foi atribuída; todavia, a publicação no semanário Expresso teve uma publicidade maior do que a afixação no tribunal de Guimarães e, por isso, não se vislumbra que o juízo de ilicitude da conduta do recorrente possa estribar-se no desvalor do resultado pretensamente acrescido por aquela especial forma de publicitação.

    2. O recorrente agiu no exercício de um direito protegido constitucionalmente, o de exprimir e divulgar o seu pensamento, portanto, sob uma causa de justificação; e embora tal direito deva ser harmonizado com outros de igual valia, a simples reputação ou consideração devida a uma determinada profissão liberal não é suficiente para sacrificar o tal direito constitucional; o acto de afixar um escrito nas paredes de um tribunal não é mais gravoso do que o publicar num semanário com audiência nacional e, portanto, deve considerar-se justificado pelo exercício do referido direito.

    O acto sindicado padece de vício quanto ao fim, traduzido no erro quanto aos seus pressupostos de direito e é, nessa medida, anulável. É ainda nulo, pois que promove uma errada harmonização em termos de concordância prática do direito de expressão com outros direitos, alguns dos quais de dignidade inferior, assim se violando o disposto no art.º 18.º, n.ºs 2 e 3, da CRP.

    III- Vício de violação de lei: - viola o princípio da igualdade, quando trata igualmente o que é desigual, aplicando a mesma pena disciplinar ao recorrente e à sua colega; - viola o princípio da imparcialidade, na sua vertente positiva, pois não faz uma exaustiva ponderação nem faz uma adequada concordância prática dos valores constitucionais e não constitucionais em jogo; - viola o princípio da justiça, pois que pune o recorrente que actuou em defesa dos interesses da sua classe profissional, perante a inércia daqueles - designadamente o CSM - que tinham a obrigação de actuar e preteriram esse dever.

    IV- Medida da pena: o agravamento da medida da pena proposta pelo Instrutor, a ser admitida, impõe um dever acrescido de fundamentação que, no caso, foi preterido.

    IV A)- Da medida da culpa: A medida da pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa. Ora, como reconheceu o Instrutor, o recorrente agiu motivado pelo propósito de defender o prestígio e a consideração que são devidos à magistratura judicial e não por qualquer inimizade, interesse pessoal ou desejo de protagonismo; visou repor a verdade no que concerne ao destino que é dado, por imperativo legal, às receitas provenientes das taxas de justiça.

    IV B)- Da prevenção especial: a aplicação da pena disciplinar de advertência registada, para além de injusta e manifestamente desproporcional, ou "excessiva" como salientam alguns dos 8 votos de vencido, não encontra qualquer justificação à luz das finalidades que à sua aplicação devem presidir, pois que são muito diminutas, ou até mesmo inexistentes, as razões de prevenção especial que possam justificar a punição do recorrente, dado o seu percurso académico e profissional e a determinação que manifesta de não voltar a incorrer na prática da conduta que agora se lhe censura.

    Pede (após reformulação a convite do relator e no seguimento de promoção do M.º P.º na vista a que alude o art.º 175.º, n.º 1, do EMJ) que sejam julgados verificados os apontados vícios, anulando-se a decisão recorrida.

  2. O Conselho Superior da Magistratura respondeu e, em resumo, disse o seguinte: - quanto à preterição do dever de fundamentação, resulta do Acórdão recorrido a existência de violação do dever de correcção que impende sobre qualquer juiz quando o Excm.º recorrente publicitou um texto cujo conteúdo encerra passagens que, face ao inusitado do discurso, tem-se dificuldade, pois, em perceber a incompreensão do recorrente quando se interroga quanto às razões pelas quais tais expressões foram consideradas como integrando violação do dever de correcção; - quanto aos critérios que conduziram ao agravamento da pena relativamente à proposta pelo Excm.º Instrutor, importa ter presente que quem decide é o Permanente e o Plenário do CSM e não o Excm.º Instrutor e não é, pois, sequer configurável como vício da deliberação a divergência com as conclusões do Excm.º Instrutor; - relativamente ao erro nos pressupostos de direito por se fundar em fundamentos insubsistentes quanto ao juízo de ilicitude, o recorrente sustenta que não exerceu no Jornal Expresso um direito de resposta mas antes o envio de uma carta de leitor dirigida à secção de correspondência de um jornal, mas essa conduta nem sequer foi disciplinarmente valorada quando, talvez devesse ter sido, na medida em que propiciou acrescida divulgação do texto violador do dever de correcção; - quanto à falta de atenção disciplinar relativamente à publicação do mesmo texto no jornal Expresso, é manifesto que tendo esse texto o mesmo conteúdo do afixado, não poderia o Exm° recorrente ser punido duas vezes pelo mesmo facto. De facto, não lhe é especialmente censurada a afixação em si mesma, mas antes o conteúdo violador do dever de correcção que impende sobre os juízes; - não há violação do princípio da justiça porquanto uma coisa é actuar legitimamente em defesa dos interesses da classe dos juízes, outra coisa é, a pretexto da defesa desses interesses, extravasar esse âmbito e ultrapassar os limites impostos pelo dever de correcção que, em caso algum, devem ser transpostos; - Quanto ao excesso e desproporção da pena aplicada, ponderaram-se no Acórdão recorrido todos os factores necessários para a sanção que foi aplicada, incluindo a ausência de reacção disciplinar à conduta do Sr. Advogado B, pelo que, face à gravidade do ocorrido, a sanção de repreensão registada, mostra-se equilibrada, adequada e justa.

    Nestes termos, entende o Conselho Superior da Magistratura que o recurso interposto deve ser julgado improcedente.

  3. Recorrente e recorrida alegaram, mantendo na essência as posições já assumidas anteriormente.

    O Excm.º P.G.A. neste STJ pronunciou-se no sentido de só considerar verificado um dos vícios alegados pelo recorrente, com consequente anulação da deliberação recorrida, dizendo sobre esse ponto o seguinte: "2. Erro nos Pressupostos de Direito (conclusões n.ºs. 2, 5, 6, 7 e 8, a fls. 182/3).

    2.1. Sob a epígrafe Infracção Disciplinar, prevê o art. 82° do EMJ: «Constituem infracção disciplinar os factos, ainda que meramente culposos, praticados pelos magistrados judiciais com violação dos deveres profissionais e os actos ou omissões da sua vida pública ou que nela se repercutam incompatíveis com a dignidade indispensável ao exercício das suas funções».

    Dispõe o n.º 1 do art. 3° do ED - subsidiariamente aplicável (art. 131° do EMJ, cit): «Considera-se infracção disciplinar o facto, ainda que meramente culposo, praticado pelo funcionário ou agente com violação de algum dos deveres gerais ou especiais decorrentes da função que exerce».

    2.2. De entre os apontados deveres gerais, releva para o caso o especificado na alínea f) do n.º 4 - o dever geral de correcção.

    Dever que «consiste em tratar com respeito quer os utentes dos serviços públicos, quer os próprios colegas quer ainda os superiores hierárquicos» (n.º 10 do art. 3°, cit.).

    É pela violação do dever geral de correcção - e unicamente pela violação desse específico dever profissional - que o ora recorrente vem sancionado.

    2.3. Deve entender-se por deveres profissionais os que estão ligados ao exercício da função... por definição respeitam à prestação de serviço (1).

    No caso, a conduta disciplinarmente censurada ao ora recorrente consistiu na redacção e afixação em vários locais do Palácio de Justiça de Guimarães de um texto de resposta a um artigo de opinião publicado em determinado semanário (supra, II).

    A conduta em causa, tal como vem configurada, não manifesta factos praticados no desempenho de funções do ora recorrente, no exercício do seu concreto múnus profissional, enquanto juiz.

    Verifica-se, pois, ressalvado o devido respeito por entendimento contrário, errónea subsunção do caso como de violação de dever profissional.

    Procederá, em consequência, o invocado erro nos pressupostos de...

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