Acórdão nº 07A4348 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 17 de Abril de 2008
Magistrado Responsável | GARCIA CALEJO |
Data da Resolução | 17 de Abril de 2008 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I- Relatório: 1-1- AA e BB, residentes na Rua ........, ....., .. Lisboa, propõem contra CC e DD, residentes na ........., ..., ...Dtº, Lisboa, a presente acção com processo ordinário, pedindo se declare a aquisição do usufruto do apartamento correspondente à fracção autónoma, designada pela letra E a que corresponde o 1º andar direito, do prédio nº ....., da Rua ........ descrito na 6º Conservatória de Registo Predial de Lisboa, sob o artigo nº 156, da freguesia de Alcântara, por usucapião, a favor deles, AA..
Alegaram, para tanto, em síntese, que tomaram de arrendamento a fracção autónoma em causa, sendo que nessa altura era dela proprietária e de todo o prédio, a D. EE, que passou então a ser sua senhoria. A A. trabalhou para a referida D. DD, tendo esta constituído a favor deles, AA. o usufruto da referida fracção, como forma de agradecimento pelos trabalhos prestados, cedendo o gozo gratuito da casa habitada por eles e redigiu o documento junto aos autos a fls. 30. Convencidos que eram "usufrutuários" da fracção autónoma a partir de então agiram diante de todos como tal, aí vivendo, nela pernoitando, tomando as suas refeições, passando aí os seus tempos de lazer e recebendo os seus amigos, fazendo-o gratuitamente, como beneficiários do direito de gozo vitalício do imóvel, perante todos os vizinhos e demais pessoas, desde 1976 e sem interrupções.
1-2- Contestaram os RR., invocando a ineptidão da petição inicial visto que o pedido está em contradição com a causa de pedir. Por impugnação sustentam, também em síntese, que nunca a proprietária do imóvel pretendeu constituir os AA. como usufrutuários do mesmo, mas sim que o cedia gratuitamente enquanto ela, senhoria, e os inquilinos fossem vivos. Nunca reconheceram o direito de usufruto dos AA. ou qualquer outro direito deles e que o prédio apenas foi constituído em regime de propriedade horizontal em 1989. Os AA. têm uma casa em Azeitão onde habitam, sendo aí que têm a sua residência habitual, não tendo necessidade de usar a casa em questão.
Terminam pedindo a procedência da excepção invocada e a improcedência da acção.
1-3- Os AA. replicaram no sentido de aperfeiçoando do pedido formulado na petição inicial, sanando, assim, a invocada nulidade do processo.
1-4- Os AA. apresentaram tréplica defendendo, em resumo, ser inadmissível a alteração do pedido formulado na réplica.
1-5- O processo seguiu os seus regulares termos posteriores, tendo-se proferido despacho saneador, onde se considerou improcedente a excepção (de nulidade do processo) invocada, após o que se fixaram os factos assentes e a base instrutória, se realizou a audiência de discussão e julgamento, se respondeu esta base e se proferiu a sentença.
1-6- Nesta julgou-se a acção procedente por provada e, consequentemente, condenou-se os RR. CC e DD a reconhecerem que os AA. e BB são titulares do usufruto que incide sobre o prédio descrito na 6º Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sob o nº ../..........-..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 272, da freguesia dos Prazeres, correspondente ao 1º andar direito do prédio sito no nº ....., da Rua ........, por o terem adquirido pela usucapião.
1-7- Não se conformando com esta sentença, dela recorreram os RR. de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa onde, por acórdão de 29-3-2007, se decidiu julgar procedente o recurso e, consequentemente, se revogou a sentença recorrida, julgando-se a acção improcedente por não provada.
1-8- Inconformados com esta decisão recorreram agora os AA. de revista para este Supremo Tribunal, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões: 1ª- Os recorrentes não são meros detentores ou possuidores precários.
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- A formulação jurídica constante das várias alíneas da norma do artigo 12.....° do Código Civil, não encontra correspondência na matéria de facto dada como provada na presente acção. Da matéria de facto provada em audiência de julgamento fica clara a intenção dos recorrentes de agir como usufrutuários (veja-se a matéria de facto contida em M' e em "S"), sendo nessa qualidade se apresentavam aos vizinhos (matéria de facto contida em NO"). Dúvidas não restam de que o "animus" dos recorrentes era o de usufrutuários. Por outro lado, tendo a D. EE elaborado o documento de folhas 30 no qual colocou e reconheceu a sua assinatura, não pode entender-se que existia da sua parte uma mera tolerância, já que, a mera tolerância contém em si mesma uma passividade perante uma actuação alheia para a qual não se deu autorização, o que não sucede neste caso. Relativamente à alínea e) desta norma, diga-se que a partir de 1976 (data em que foi escrito o documento de folhas 30) os ora recorrentes deixaram de possuir em nome de outrem, já que nessa data ficou tacitamente revogado o contrato de arrendamento existente (como bem entendeu o tribunal recorrido), passando estes a possuir em nome próprio na qualidade que julgavam ter de usufrutuários.
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- Da matéria de facto dada como provada resulta que existiu da parte dos ora recorrentes a prática de actos materiais que correspondem ao exercício do direito de usufrutuários: viveram no imóvel, pernoitaram, tomaram refeições, receberam amigos. fazendo-o gratuitamente enquanto beneficiários de um direito de gozo vitalício (matéria de facto contida em M); Realizaram obras na fracção e nas partes comuns (matéria de facto contida em P) e compareceram em reuniões com vista à constituição do condomínio do prédio (matéria de facto contida em Q) - actos que devem considerar-se de administração), por outro lado apresentaram-se sempre (não uma vez ou duas, mas sempre) como usufrutuários (matéria de facto contida em O). Assim verificou-se da parte dos recorrentes uma prática reiterada, com publicidade, dos actos materiais correspondentes ao exercício do direito de usufrutuários mostrando-se por isso adquirida a posse para os efeitos da alínea a) do art. 1263° do Código Civil.
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- Por outro lado podemos dizer que ocorreu uma aquisição derivada de posse designada por traditio brevi manu, em que por acordo com efeito translativo entre o detentor da coisa e a pessoa em nome de quem ele a detinha, aquele alcança a conversão do título de detenção em titulo de posse. Assim se adquirindo a posse sem tradição por efeito da nuda voluntas. Embora não constante do art. 1263° esta forma de aquisição deve ser admitida por fazer parte do sistema possessório aí consagrado. Se é admissível que a posse se adquira por tradição efectivada efectuada pelo anterior possuidor (ou seja se este tem poder para transmitir a posse a quem não a tinha) também se tem que admitir que tem poder para a conceder ao mero detentor por efeito da sua vontade expressa). Assim, se até 1976 os ora recorrentes detinham em nome de outrem (da sua senhoria D. EE), a partir dessa data através do escrito de folhas 30 dos autos (que deve considerar-se fruto de um acordo translativo por efeito da vontade de D. EE aceite pelos ora recorrentes converte-se o título de detenção em título de posse. Assim, também neste pressuposto os ora recorrentes haviam adquirido a posse.
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- Da actuação dos recorrentes que veio dada como provada, resulta inequívoco que o seu "animus" era de usufrutuários e não de comodatários ou de arrendatários. Nem os arrendatários nem os comodatários comparecem em reuniões tendo em vista a constituição do condomínio, como fizeram os recorrentes. Assim, ainda que viver, pernoitar, tomar refeições, receber amigos, efectuar obras sejam...
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