Acórdão nº 07S1695 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 09 de Abril de 2008

Magistrado ResponsávelSOUSA GRANDÃO
Data da Resolução09 de Abril de 2008
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)
  1. Relatório 1.1.

    AA, instaurou a presente acção declarativa com processo comum no Tribunal do Trabalho de Lisboa contra BB Seguros, Companhia de Seguros de CC, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento das remunerações, prémios e regalias, decorrentes de um contrato individual de trabalho e da sua cessação, tudo no valor global de € 1.311.519,07.

    Em fundamento da sua pretensão alegou, em síntese: que em 20 de Julho de 2001, celebrou com a Ré um contrato de trabalho e um acordo de prestação de trabalho em regime de prestação de serviços, tendo rescindido o contrato de trabalho que há 25 anos o vinculava ao Instituto de Seguros de Portugal, como Director Coordenador e cessado funções como Presidente do Conselho Directivo do INGA, para que fora nomeado em comissão de serviço; que, de harmonia com o acordado, a partir de 25/7/2001, passou a exercer, nas instalações da Ré, as funções de Director Coordenador, mediante a retribuição de € 4.489,18, acrescida de subsídio de férias e de Natal; que em Assembleia Geral realizada em 26/7/2001, foi eleito Administrador tendo, a partir dessa data, iniciado o desempenho do correspondente cargo e suspendido as funções de Director Coordenador; que as funções de Administrador foram exercidas até 14/11/2002, data em que foi destituído daquele cargo por deliberação da Assembleia Geral; que na mesma data, reassumiu as funções de Director Coordenador da Ré, exercício que se prolongou até 10/01/2003, com pleno cumprimento das suas obrigações, enquanto trabalhador, e aquela, enquanto sua entidade patronal, pagou-lhe a remuneração devida nos meses de Novembro e Dezembro, bem como os subsídios de Férias e Natal, tendo o mesmo utilizado o cartão de crédito, a viatura Volvo que lhe fora atribuída e beneficiado dos seguros pessoais como fora clausulado entre as partes; que em fins de Dezembro de 2002, verificando não poder contar com os necessários apoios, e por não se verificarem as condições necessárias que sempre tivera como adequadas à continuação do exercício do cargo como Director, rescindiu o contrato de trabalho que o vinculava à Ré, por carta entregue em 10/01/2003 e que a Ré, porém, não honrou os seus compromissos não tendo pago ao A. a compensação indemnizatória prevista na cláusula 15.ª do contrato celebrado pelas partes.

    A Ré contestou a acção, pugnando pela sua improcedência e alegando, em suma: que o acordo invocado pelo A. foi subscrito por este e por dois Administradores da Ré, DD e EE; que na data em que esse documento foi subscrito, já o A. havia aceite o convite para o cargo de membro do Conselho de Administração e Presidente do Conselho da Comissão Executiva, vindo a sua eleição a ocorrer no dia 26/7/2001; que entre o dia 20/7/2001 e o dia 26/7/2001, o A. não exerceu qualquer função efectiva na Ré; que em Assembleia Geral de 14/11/2002, o A. foi destituído do cargo de Administrador, não tendo a partir daí exercido actividade de qualquer natureza na Ré; que cerca de duas semanas antes de 26/7/2001, já se sabia que DD se iria reformar e que quem o iria substituir era um elemento estranho à sociedade, o A.; que a accionista maioritária da BB Seguros, já havia convidado o A. para o exercício dos cargos de membro do Conselho de Administração e de Presidente da Comissão Executiva da BB Seguros, para que ia ser designado na Assembleia Geral de 26 de Julho, como se veio a verificar; que antes desta data, o A. não prestou à Ré qualquer trabalho subordinado, não o tendo prestado igualmente depois da sua destituição como Administrador em 14/11/2002; que a única relação que existiu entre o A. e a Ré foi a de administração; que as partes lançaram mão da figura do contrato de trabalho apenas para o A. ver assegurado o seu futuro à custa da R. após a cessação da relação de administração, nunca chegando a ter início de execução tal contrato de trabalho; que não é legalmente possível que tais funções em sociedade anónima sejam exercidas em regime de comissão de serviço face à natureza laboral desta figura; que o acordo em causa é nulo por falta de forma em virtude de os administradores da Ré sem a indicação dessa qualidade terem aí aposto a sua assinatura (art. 409.º, n.º 4 do Código das Sociedades Comerciais); que esses administradores não tinham poderes para contratar um administrador, independentemente do modelo contratual utilizado (comissão de serviço), o que acarreta também a nulidade do contrato por ilegitimidade; que o contrato é ainda nulo por ter objecto legalmente impossível, contrariando preceitos legais imperativos, em particular o art.º 398.º, n.º 1, do CSC e é finalmente nulo por consubstanciar fraude à lei, atribuindo ao A. direitos contrários à lei, não podendo do mesmo extrair-se quaisquer efeitos nos termos do art. 15.º da LCT já que este limita a eficácia do contrato de trabalho inválido aos casos em que o contrato é executado.

    O A. respondeu às excepções invocadas, sustentando que não se verificam as invocadas nulidades e alegando que a Ré ao invocar a nulidade do contrato depois de o ter executado e de os seus efeitos se terem esgotado com a rescisão, actua com abuso de direito e numa atitude intolerável à luz dos ditames da boa fé. Suscitou ainda a inconstitucionalidade do art.º 398.º, n.º 2 do CSC, por violação do art.º 54.º e 56.º da Constituição da Republica Portuguesa, por ter criado uma nova causa de extinção por caducidade dos contratos de trabalho e sustenta que o DL 404/91, de 16/10 derrogou a aludida norma do CSC, por elementar coerência hermenêutica jurídica.

    1.2.

    Realizado o julgamento, e decidida a matéria de facto (fls. 633 a 642), foi proferida sentença que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.

    Inconformado o A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de fls 973 e ss., negou provimento à apelação do A., confirmando a sentença recorrida.

    1.3.

    Novamente irresignado, recorreu o A. de revista e, após notificado para o efeito, apresentou as seguintes conclusões das suas alegações: 1. O contrato em causa nos autos resultou da livre solicitação da Ré ao A e o seu clausulado foi proposto pela Ré e minutado pelos seus advogados, com a plena e livre vontade da Ré e dos seus legais representantes e obedeceu aos termos e condições de contratos similares e usuais na Ré (V. contrato de fls. 107 a 110).

  2. O contrato celebrado entre o A. e a R. tem pleno acolhimento no Dec-Lei n.º 404/91, de 16/10, que pretendeu criar condições para que, quadros qualificados, como é o caso do A, pudessem assumir funções de Administração, com acautelamento dos seus direitos de trabalhadores e segurança de emprego, pelo recurso à "Comissão de Serviço", diploma este que foi violado pelo Acórdão recorrido.

  3. O art° 3°, n.º 1, alínea c) do Dec-Lei n.º 404/91 prevê que o cargo de administrador, em "comissão de serviço", tanto possa ser exercido por quem já esteja vinculado como trabalhador à empresa, como por quem não o esteja, podendo-se prever, neste último caso, a categoria em que possa vir a ser colocado como trabalhador, na sequência da cessação da "comissão de serviço".

  4. Ora, se, porventura, se entenda não ter havido contrato de trabalho, prévio ao exercício das funções de Administrador da Ré por parte do A (e houve), sempre era admissível convencionar o contrato de trabalho, para se iniciar, num segundo momento, ou seja, cessadas as funções de Administrador, como também se previa no presente caso.

  5. A nossa lei - Dec-Lei n.º 404/91, de 16 de Outubro - (n.º 4., do art° 4°) prevê indemnizações equivalentes às do CCT, sem prejuízo de prevalecerem outras superiores e que, porventura, possam ter sido convencionadas, sendo que, no caso do A, o acordado foi exactamente o previsto no n.º 2., do art. 77° do C.C.T. do Sector de Seguros, disposição que o douto Acórdão recorrido violou.

  6. Os compromissos e contratos celebrados entre a Ré e terceiros não podem estar sujeitos a caprichos de mudanças de administradores da Ré, nem a jogos e divisões de accionistas, a que o A é alheio, e por via do que não pode ver postos em causa, em verdadeiro abuso de direito - venire contra factum proprium - por parte da Ré.

  7. Nada impede a celebração de contrato de trabalho que teve, ab initio, a efectiva vigência de um dia, como nada impede a sua suspensão para efeito de Comissão de Serviço do A, como Administrador da Ré.

  8. O douto Acórdão recorrido, ao considerar ilegal o contrato dos autos, ignorou, de todo, o Dec-Lei n.º 404/91, que pretende exactamente dar segurança aos trabalhadores (quadros) que, temporariamente, vão desempenhar funções de administração, acautelando a sua segurança de emprego e categoria profissional já adquirida, bem como a sua antiguidade, como aconteceu, de forma, livre e mutuamente aceite, no contrato celebrado entre o A e a Ré.

  9. Não era legítimo fazer o A desvincular-se do seu lugar de Director Coordenador Principal, do I.S.P. (o topo da carreira), perder 28 anos de antiguidade, cessar a função de Presidente do INGA, sem garantias e segurança, sendo que as indemnizações convencionadas foram tão só as do C.C.T. do Sector dos Seguros, pelo que é absurda e falsa a ideia de que se fabricou uma antiguidade inexistente e convencionou compensações especulativas, quando são as previstas no CCT.

  10. A conciliação entre o art° 398° do Código das Sociedades Comerciais e o Dec-Lei 404/91 está perfeitamente harmonizada, no entendimento do Prof. Raúl Ventura e do Dr. Abílio Neto, quando referem que é inteiramente legal a celebração de contrato para vigorar antes de iniciada a Comissão de Serviço (e ser esse o caso do A.) ou celebrá-lo, simultaneamente com o próprio contrato de Comissão de Serviço, como seria sempre o caso do A, se se entendesse que o contrato de trabalho inicial (prévio da assumpção de funções de Administração) não existiu como tal, o que não se admite.

  11. O n.º 1. do art° 398° do Código das Sociedades Comerciais proíbe tão só que o próprio Administrador, enquanto tal, celebre contrato de trabalho...

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